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Intervenções na Ar (Escritas)
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09/05/2012
Debate sobre política europeia
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Debate sobre política europeia
- Assembleia da República, 9 de Maio de 2012 –

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, não deixa de ser curioso o que o PSD vem fazer duas semanas depois de ter aprovado o tratado orçamental, que poderá implicar mais austeridade, que poderá abrir a possibilidade de a Comissão Europeia cobrar prestações financeiras vinculativas para o Estado português caso este não cumpra as imposições da Europa, que poderá obrigar a novas transferências de soberania, agora em matéria orçamental, para um poder sem rosto a que chamamos Europa, que poderá condicionar este Parlamento na definição das suas políticas orçamentais, económicas e sociais. Digo «poderá», porque, como se sabe, este tratado orçamental está praticamente moribundo.
De qualquer forma, não deixa de ser curioso que, duas semanas depois da aprovação do tratado, o PSD venha agendar, para discussão, exatamente o tema Europa, o caminho que a Europa está a seguir.
E o que pretende o PSD? O PSD apresenta-nos um projeto de resolução no sentido de recomendar um conjunto de medidas a adotar pelo Governo, pela Assembleia da República e também pelas instituições comunitárias.
Ora, que esta Assembleia recomende ao Governo ainda vá que não vá. Agora, que esta Assembleia recomende às instituições comunitárias, para além de inédito, parece-nos uma brincadeira, sobretudo depois de o PSD ter aprovado o tratado orçamental.
Por fim, faltava a «cereja em cima do bolo». O PSD propõe que a Assembleia da República adote algumas medidas. Ou seja, se este projeto for aprovado, vamos ter a Assembleia a recomendar-se a si própria, vamos ter a Assembleia a autorrecomendar-se.
Confesso que, depois de ver o PSD preocupado com o caminho da Europa depois de ter aprovado o tratado orçamental, já nada me espanta. Mesmo assim, seria caso para perguntar se o agendamento do PSD é apenas para o «número», se se trata de um súbito ataque de consciência, se é para cumprir calendário, ou se se trata de uma declaração de voto tardia, relativamente à votação do tratado orçamental!
Mas não era isto que eu queria perguntar, Sr. Deputado. O meu pedido de esclarecimento tem a ver com uma das nove recomendações propostas pelo PSD — elas são muitas, de facto, mas dizem muito pouco. Apesar disso, há uma que registamos: o PSD recomenda ao Governo o incremento dos programas de combate ao desemprego. Finalmente, o PSD reconhece que o Governo não está a fazer nada para combater o desemprego. Bem-vindos ao clube! Sempre é melhor tarde do que nunca!
De facto, se o Governo estivesse a fazer alguma coisa para o combate ao desemprego, certamente que o PSD não precisaria de gastar energias a recomendar ao Governo que o fizesse. Mas, como o Governo não está a fazer nada, o PSD recomenda. Pode ser que resulte!
Sr. Deputado Luís Montenegro, uma das recomendações refere-se ao esforço para a consolidação do papel interventivo do Banco Central Europeu. Gostaria de saber em concreto o que se pretende com esta recomendação. Acaso o PSD pretende, finalmente, acabar com a proibição de o Banco Central Europeu não poder financiar diretamente os Estados-membros, sobretudo aqueles que estão em dificuldade?!
É disto que se trata, Sr. Deputado?! Se é assim, temos de saudar o PSD, porque seria uma forma de expurgar do circuito os grandes bancos privados, que têm vindo a arrecadar milhões e milhões de euros à custa dos Estados-membros.
Temos muitas e sérias reservas sobre esta recomendação, e é por isso que perguntamos: o que pretende, quando se fala da consolidação do papel interventivo do Banco Central Europeu?

2ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Creio que um debate sobre a Europa exige ou impõe que se comece por lembrar que a Europa está como está porque foi esta a Europa que os governos foram construindo. Uns a mandar e outros a obedecer, é certo, mas com as ordens de uns e a obediência cega de outros, foi esta a Europa que os governos foram construindo, à margem dos povos europeus e de costas viradas para as pessoas.
Temos, assim, hoje, uma Europa cada vez mais neoliberal, onde o que conta são os mercados e, sobretudo, a banca e onde os povos, as pessoas, pouca relevância assumem.
Temos hoje uma Europa pouco recomendável, a esgravatar por todos os lados, à procura de uns tostões aqui e acolá, seja retirando nos salários, seja retirando no 13.º mês, no subsídio de férias, nos apoios sociais, nas reformas, tudo para sossegar os mercados, para salvar a banca do buraco em que ela própria se meteu e, com a cumplicidade dos governos, acabou por arrastar também os Estados e os povos que nada têm a ver com a situação criada.
Ainda mais grave é quando a situação imposta se chama austeridade e sacrifícios para os povos, quando todos sabemos que não haverá crescimento económico com uma política de austeridade recessiva como a que está a ser imposta a Portugal. E o pior é que parece que isto custa a perceber! E é pior porque, quanto mais tarde se perceber que a austeridade não é solução, tanto pior para os povos da Europa.
Relativamente à iniciativa legislativa que o PSD hoje nos apresenta, um conjunto de recomendações, quero dizer que são muitas, de facto, mas são inócuas, do ponto de vista prático, são vazias, quanto ao seu conteúdo, e de nenhuma utilidade sob todos os pontos de vista.
O PSD fala de um amplo debate mas, há duas semanas atrás, votou contra a realização de um referendo sobre o tratado orçamental. Isso, sim, permitiria um verdadeiro debate, em torno das questões da Europa!
O PSD fala da eliminação dos paraísos fiscais mas, quando as propostas sobre estas matérias foram discutidas nesta Assembleia, o PSD votou contra.
O mesmo também se diga acerca do imposto sobre as transações financeiras, às quais o PSD também faz referência no projeto de resolução mas nunca mostrou disponibilidade para a sua concretização.
Portanto, do conjunto das medidas que constam deste projeto de resolução, o que de útil se pode extrair é apenas o reconhecimento por parte do PSD de que o Governo não está a fazer absolutamente nada para contrariar este fenómeno de alastramento do desemprego e, por isso, até o PSD sentiu necessidade de recomendar ao Governo que proceda ao incremento de medidas de combate ao desemprego.
Quanto ao resto e face ao vazio de respostas que marca esta proposta de resolução, ficamos, de facto, sem saber qual o propósito deste debate, e nem sequer ficamos a saber o que pretende o PSD quando fala do papel interventivo do Banco Central Europeu. Como não sabemos, presumimos que este debate foi a forma encontrada pelo PSD para fazer uma declaração de voto tardia sobre a sua votação no tratado orçamental. 

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