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Intervenções na Ar (Escritas)
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11/01/2012
Debate temático sobre o serviço público de rádio e televisão - RTP

Intervenções do Deputado José Luís Ferreira

1ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O processo pelo qual está a passar a RTP não passa de um «copy, paste» daquilo que aconteceu noutras empresas, ou seja, primeiro procura-se fragilizar as empresas públicas e, depois, evoca-se essa situação para se avançar com a privatização.

Há, assim, neste mecanismo uma espécie de ingerência, isto é, cria-se o problema para depois de evocar esse mesmo problema como necessidade de privatizar. E o «filme» que neste momento está a passar na RTP já foi visto noutras ocasiões, os portugueses já viram este «filme»… Este «filme», aliás, se calhar, até devia estar assinalado com «bolinha», porque é suscetível de chocar profundamente quem tem preocupações com o serviço público, com a língua portuguesa, com o empobrecimento cultural e informativo que a eventual privatização da RTP vai trazer.

Ora, um dos objetivos do Governo neste processo é o de reduzir substancialmente o número de trabalhadores da RTP. Seria bom que o Governo nos explicasse como é possível avaliar ou fundamentar qualquer redução de trabalhadores com o mínimo de rigor sem que seja definido concretamente o projeto da empresa, o seu dimensionamento em termos de serviço de programas de televisão e rádio — ou seja, em termos de canais no caso da televisão e em termos de antenas no caso da rádio —, os respetivos perfis e os meios técnicos e operacionais. Como é possível avaliar ou fundamentar qualquer redução de trabalhadores com o mínimo de rigor sem nada disto estar definido?

Depois, o Governo dirigiu aos parceiros sociais o pedido de parecer sobre o plano de reestruturação da RTP, mas não o fez relativamente ao Sindicato dos Jornalistas, que, como o Governo sabe, é uma organização sindical que não está filiada em nenhuma das centrais sindicais, sendo, no entanto, representativa dos jornalistas ao serviço da RTP.

Mas não foi apenas o Sindicato dos Jornalistas a ficar fora do processo: a própria Comissão de Trabalhadores da RTP também ficou completamente à margem do processo, ao contrário do que é exigido em várias normas da legislação laboral, nomeadamente no Código do Trabalho. Senão vejamos: o artigo 423.º do Código do Trabalho refere que a comissão de trabalhadores tem direito a participar, entre outros, em processos de reestruturação da empresa.

No artigo 425.º do mesmo Código, está escrito que o empregador deve solicitar o parecer da comissão de trabalhadores antes de praticar os atos inerentes a qualquer medida da qual resulte ou possa resultar, de modo substancial, diminuição do número de trabalhadores.

Por fim, no n.º 2 do artigo 429.º diz-se que no âmbito da participação na restruturação da empresa, a comissão de trabalhadores tem direito a informação e a consulta prévias sobre as formulações dos planos ou projetos de reestruturação, e a reunir com os órgãos encarregados de trabalhos preparatórios de reestruturação.

O n.º 3 do mesmo artigo ainda diz mais, referindo que constitui contraordenação grave o impedimento por parte do empregador ao exercício dos direitos previstos no número anterior.

Assim sendo, seria bom que o Governo nos dissesse o que pensa sobre isto e, como tenho esperança de que o Sr. Ministro hoje ainda diga alguma coisa, que nos possa dizer se tem conhecimento de alguma diligência feita pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) sobre este processo, sobre o facto de a comissão de trabalhadores da RTP ter ficado completamente à margem deste processo, assumindo desse modo uma grave ilegalidade.

 

2ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, ouvi-o com toda a atenção e tinha alguma esperança de obter respostas para as questões que suscitei. Como isso não aconteceu, passo a colocá-las.

Já sabemos que o Governo não solicitou parecer sobre o plano de reestruturação da RTP ao Sindicato dos Jornalistas, isto apesar de o Governo saber que essa organização não está filiada em qualquer das centrais sindicais e apesar de a mesma ser representativa dos jornalistas ao serviço da RTP. Em nossa opinião, esta atitude revela a intenção do Governo de deixar os trabalhadores completamente à margem deste processo.

Mas o Governo ainda fez mais: o Governo, violando, de forma grosseira, várias normas do Direito do Trabalho, nomeadamente os artigos 423.º, 425.º e 429.º do Código do Trabalho, deixou a Comissão de Trabalhadores da RTP completamente à margem do processo.

Ora, como sabemos, nem o Governo nem a Administração da RTP estão acima da lei; ambos têm de respeitar a lei — aliás, acho que até deveriam dar o exemplo.

Assim sendo, Sr. Ministro, era bom que o Governo nos dissesse o que pensa sobre o facto de os trabalhadores ficarem à margem do processo.

Gostaríamos também de saber se o Sr. Ministro tem conhecimento de algumas diligências que tenham sido feitas pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no sentido de averiguar esta grosseira ilegalidade.

3ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os propósitos do Governo relativamente à RTP, sobretudo no que diz respeito à sua privatização, mostram de forma clara e evidente o seu objetivo em enfraquecer o serviço público de televisão e de rádio.

Mas este processo mostrou outra coisa: mudam os governos, mas a estratégia continua a mesma. Evocam-se as dificuldades, mas ignoram-se completamente os responsáveis, porque, se há dificuldades, elas não são fruto do acaso, não são produto de qualquer intervenção divina. Se há dificuldades, elas terão de ser a consequência das decisões e orientações dos vários governos e, portanto, os responsáveis por estas dificuldades são, desde logo, os partidos que têm tido responsabilidades governativas e os vários conselhos de administração que também foram nomeados por esses governos.

Na perspetiva de Os Verdes, o serviço público e os portugueses, cujos interesses também devem ser considerados e não ficarem completamente à margem das variáveis que levam às decisões nesta matéria, só têm a ganhar com a manutenção dos dois principais canais de serviço público de televisão e com o eventual alargamento do serviço público prestado, fazendo uso pleno das novas tecnologias, sobretudo com a introdução da televisão digital terrestre, cujo processo está a ser, infelizmente, a miséria que se conhece.

De facto, a RTP não precisa nem tem de ser privatizada. O que é necessário é, entre outras medidas, uma política de saneamento financeiro da RTP, uma correta definição das indemnizações compensatórias, que não tem sido feita, mas também o seu pagamento pelo Estado a tempo e horas, o que não tem acontecido, o recurso a receitas publicitárias sem quaisquer limitações, bem como uma política capaz de valorizar os seus profissionais, o que não tem sido nem está ser feito neste processo.

Como ficou claro neste debate, violando de forma grosseira várias normas do Código do Trabalho, o Governo deixou completamente à margem do processo os trabalhadores da RTP e nem sequer se dignou dirigir o respetivo pedido de parecer ao Sindicato dos Jornalistas. Curiosamente, foram as únicas perguntas colocadas hoje, neste Plenário, que não mereceram uma única palavra por parte do Sr. Secretário de Estado. Vá lá saber-se porquê!?

O chamado «Plano de Sustentabilidade Económica e Financeira da RTP» limita-se, de facto, a umas escassas e poucas páginas de exposição genérica de objetivos e ideias vagas, cheio de generalidades e sem qualquer solidez que o torne digno da designação de Plano de Sustentabilidade Económica e Financeira da RTP.

Neste contexto, não resiste a um simples exame, por exemplo, à sua fundamentação, à quantificação dos objetivos, à demonstração da realidade económica e financeira, à simples enunciação dos projetos da empresa quanto aos conteúdos dos seus serviços de programas e à intenção de redução do número de trabalhadores.

Ainda que esse Plano pudesse ser visto como um verdadeiro plano de reestruturação ou como um verdadeiro plano se sustentabilidade económica e financeira da RTP, o que só academicamente se admite, esse Plano não poderia ir muito longe porque está ferido de legalidade porque os trabalhadores não foram envolvidos no respetivo processo, como a lei exige.

Como já todos percebemos, aquilo que o Governo pretende com este dito «Plano» mais não é do que a privatização de um canal de televisão, a privatização da produção de conteúdos e da sua distribuição, a desresponsabilização sobre a RTP Madeira e a RTP Açores, o despedimento de trabalhadores e o corte de 80 milhões de euros por ano no financiamento público da RTP. E o pior é que o Governo pretende fazer tudo isto sem qualquer fundamentação ou avaliação do impacto na programação e serviço prestado.

Por mais efeitos especiais que os protagonistas, verdadeiros artistas, convém sublinhá-lo, introduzam neste processo, não conseguem convencer-nos das suas intenções, porque não há, nem pode haver serviço público sem uma estação pública de televisão com os meios adequados ao desempenho das suas atribuições.

Já há muito que alguns grupos económicos pretendem deitar a mão ao serviço público de rádio e televisão, e nós conhecemos as razões e os propósitos. Não achamos graça, é certo, mas conhecemo-los. E porque conhecemos as razões e os propósitos, consideramos que se trata de um património que não deve estar nas mãos de uns poucos mas, sim, ao serviço de todos.

Seria bom que o Governo percebesse, finalmente, que está a governar para todos e não para satisfazer a vontade ou as ambições de uns poucos.

 

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