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09/04/2003 |
Declaração de Voto sobre o Código de Trabalho |
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Declaração de Voto da Deputada Isabel Castro Sobre o Código de Trabalho
Assembleia da República, 9 de Abril de 2003
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Código de Trabalho que acabamos de votar representa um retrocesso histórico, jurídico e social.
Este Código não obstante ter sido apresentado sob o lema da modernidade e como condição essencial para o desenvolvimento da economia, é pelo seu conteúdo e pela filosofia que tem implícita, um retorno ao passado.
O Código não reflecte a visão de uma moderna e bem sistematizada legislação de trabalho, tão só o objectivo de, através da desprotecção dos trabalhadores, reduzir os custos do trabalho.
Uma opção retrógrada que tem implícita uma visão ultra liberal da sociedade, a incondicional rendição ao dogma do mercado, uma perspectiva totalmente individualizada da prestação de trabalho.
A opção própria de quem pretende fazer da legislação laboral o bode expiatório das dificuldades, das debilidades e da falta de competitividade da economia e, atribuir-lhe a responsabilidade que manifestamente lhe não cabe para a ultrapassar, para tal não hesitando em negar a dimensão ética que deve pautar as relações de trabalho.
O desenvolvimento económico, a competitividade, a modernidade do país que passam, para Os Verdes não pela desregulamentação dos direitos dos trabalhadores e pela ditadura livre dos empresários, mas passam, em Portugal tal como nas sociedades contemporâneas desenvolvidas, pela criação de novas formas de gestão, pela melhoria da organização do trabalho, pela melhor preparação dos gestores, pelo incentivo à inovação, pela valorização e promoção da formação profissional dos recursos humanos, pelo envolvimento e participação activa dos trabalhadores nos objectivos das empresas, pelo estímulo ao progresso tecnológico, pela aposta na eco eficiência, pela melhoria - e este é um aspecto incontornável nas sociedades modernas e da participação em igualdade das mulheres nelas - das condições de conciliação da vida profissional com a vida familiar, que permita o igual cumprimento dos deveres de cada um dos seus membros no tocante, concretamente à assistência e acompanhamento dos filhos.
Factores essenciais para a paz social, o clima de bem estar nas empresas e a modernização da sociedade, face aos quais este governo demonstrou ser incompetente e dos quais este Código de Trabalho, pela sua natureza se revela inimigo.
O Código de Trabalho que manifesta total falta de respeito e desprezo pela dignidade da pessoa humana, aqui sacrificadas em nome da pretensa saúde da economia. Um código que ignora a dimensão ética e a função social que ao trabalho tem de estar associada, numa perspectiva que contraria o sentido da evolução das sociedades, que despreza importantes valores civilizacionais, que afronta grosseiramente a essência do legado de toda a nossa tradição constitucional e jurídica.
Uma lei que ao introduzir factores de instabilidade, de insegurança e de injustiça, constitui uma declaração de guerra às famílias, que irá gerar na nossa vida colectiva disfunções graves e provocar feridas no tecido social.
Lei, em primeiro lugar, e na opinião dos Verdes em confronto nítido com o texto constitucional, ao introduzir uma alteração estrutural nas leis do trabalho em função do empregador, ao considerar o trabalhador, como no passado bem longínquo o foi, como uma mera mercadoria de aluguer, numa visão há muito afastada das convenções e do direito internacional e condenada pela doutrina social da Igreja, desde 1982 com a encíclica Laborem Exercens.
O Código de Trabalho que nessa óptica, de acordo com o livre funcionamento do mercado, coloca o trabalhador, frente a frente com o empregador, numa situação de total desigualdade, sujeito à ditadura contratual do empregador, desprovido da única arma de contra poder que possuía, i.e., a determinação colectiva das condições de trabalho, remetendo-se, de novo, à condição de indivíduo isolado na definição dos seus direitos, em substituição dos sindicatos, numa alteração da relação de força contratual manifestamente desigual e desfavorável, que só encontra paralelo no século passado, no início da revolução industrial.
Uma situação radicalmente nova de total desequilíbrio de poderes e de ausência de fixação de limites daqueles que ao empregador competem que irá forçosamente, a prazo, ter reflexos na perda do património de direitos alcançado aos mais variados níveis por sucessivas gerações: na limitação do tempo de trabalho, no descanso semanal e férias, no reconhecimento do direito à greve e à actividade sindical, no direito à contratação colectiva, à protecção social no desemprego, entre tantos e tantos outros.
Um Código de Trabalho que nessa perspectiva para Os Verdes atenta frontalmente contra valores matriciais da nossa vida colectiva e preceitos constitucionais, a saber, designadamente no tocante:
à salvaguarda da dimensão colectiva na relação de trabalho;
ao reconhecimento das funções de regulação social da actividade sindical, da contratação colectiva e do direito à greve;
às convenções colectivas como instrumento de progresso social, cuja função se desnatura;
à não discriminação e à igualdade de remuneração no trabalho
à preservação do direitos de personalidade
à igualdade entre mulheres e homens
O Código de Trabalho que, nessa mesma lógica, altera o conceito de flexibilidade, levando no limite, à total subversão do sistema tradicional das relações laborais, conduzindo à precarização dos vínculos laborais, à adaptabilidade dos horários e à mobilidade dos trabalhadores, seja ela funcional ou geográfica, o que fará dos trabalhadores nómadas à força, cuja vida, nomeadamente a familiar, mergulhará no caos e será impossível organizar impossibilitando o exercício do direito constitucionalmente consagrado relativo à família, que requer uma política global e integrada, e condições não só para a sua protecção, mas para a efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
A concepção que anula, em vez de se subordinar, ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias de que os trabalhadores enquanto cidadãos são titulares, em nome de uma liberdade e do supremo interesse da organização empresarial, se permite estabelecer na indeterminação da duração do contrato de trabalho, uma insegurança e uma instabilidade permanentes que durante 6 anos, pode fazer obrigar o trabalhador a ter a vida e os seus projectos, a prazo.
O Código de Trabalho mais, que incorre gravemente, por omissão, no dever constitucionalmente atribuído ao Estado de promover a igualdade entre mulheres e homens e de incorporar as questões do género na organização social, aqui totalmente negligenciadas em todo o corpo legislativo. No modo como se concebe a organização do trabalho, a mobilidade, a organização dos horários, os direitos de personalidade, o exercício dos direitos inerentes à maternidade, à assistência a menores, à dispensa para acompanhamento dos filhos.
O Código de Trabalho que nessa perspectiva ultrapassada omite as questões do género, contraria a efectivação de uma paternidade responsável, reproduz um olhar estigmatizante sobre os papeis femininos, penaliza a mulher, enquanto mãe trabalhadora e faz recair em exclusivo sobre si, os deveres e as limitações decorrentes do acompanhamento, da assistência, da protecção e da educação dos filhos.
O Código de Trabalho que arriscamos dizer, cria condições que favorecem, a prazo, o regresso das mulheres portuguesas hoje em significativa percentagem a participar no mundo laboral, à condição forçada de "fadas do lar".
O Código de Trabalho ainda que, no âmbito dos direitos de personalidade, prevê a possibilidade, em nome do interesse da empresa, de acesso a dados pessoais do trabalhador, o que representa uma autêntica devassa e um risco intolerável, concretamente no que respeita a informação referente a direitos sexuais e reprodutivos e a dados relativos à saúde, susceptíveis de constituir fonte de discriminação, uns e outros, em função da maternidade ou da despistagem de doença, como por exemplo a sida, facto este intolerável.
Uma lei, o código, por último que, numa grosseira inconstitucionalidade nega ao trabalhador despedido sem justa causa, o direito de reingresso ao seu local de trabalho.
O Código de Trabalho cuja visão terceiro mundista, colide com o legado europeu em matéria de direito ao trabalho, com o conteúdo progressista das Convenções da OIT, vem destruir todo um valioso património de direitos durante sucessivas gerações alcançado e irá, a ser aprovado, conduzir à asiatização do mundo laboral no nosso país, constituir um factor de tensão social, uma declaração de guerra às famílias, que tornará, a prazo, o trabalho com direitos uma espécie em vias de extinção, será a condenação à morte do sindicalismo e o regresso, a prazo das mulheres a casa ou a um estatuto de subalternidade intolerável.
Em suma:
Um Código de Trabalho contra a constituição.
Um código contra a dimensão social do trabalho.
Um código contra os trabalhadores.
Uma verdadeira fraude social.
Palácio de S. Bento 9 de Abril de 2003
A deputada Isabel Castro
do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista OS VERDES