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Intervenções na Ar (Escritas)
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15/12/2011
Declaração política - nova proposta de estrutura curricular dos ensinos básico e secundário
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia- Assembleia da República, 15 de Dezembro de 2011

 1ª INTERVENÇÃO – Declaração política

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresentou, na passada segunda-feira, um documento que intitulou de Revisão da Estrutura Curricular, composto por duas singelas páginas descritivas e mais três quadros referentes ao 2.º ciclo, ao 3.º ciclo e ao secundário. Este documento é, na perspectiva de Os Verdes, uma aberração e representa um retrocesso da concepção de ensino, como nunca se pensaria imaginar em pleno século XXI.
O que se defende aqui é que a escola seja uma fábrica com a seguinte linha de produção: os professores passam conteúdos para os estudantes e os estudantes passam os conteúdos para as provas de avaliação. Chegados aqui, temos o produto concluído.
Esta é uma concepção profundamente retrógrada que não privilegia as competências, mas apenas os conteúdos momentâneos e a memorização imediata desses conteúdos. Ora, como nós, supostamente, não estamos a formatar robôs mas, sim, crianças e jovens que, futuramente, serão o centro da actividade deste País e que, tendo todos os defeitos e todas as virtudes de se ser humano, devem ter todas as suas competências desenvolvidas para um amplo aproveitamento das suas capacidades, esta lógica torna-se, então, profundamente preocupante.
É nesta lógica que o Ministério da Educação concebe que há disciplinas essenciais e que as outras são meros «verbos de encher», como se costuma dizer.
Assim, a Formação Cívica sai do currículo, porque, provavelmente, aos olhos do Governo, ensaiar com os alunos práticas de civismo, práticas de solidariedade, práticas de cooperação e vivências colectivas é uma perda de tempo, mas a Educação Moral e Religiosa, essa, mantém-se em todos os níveis de ensino.
Por outro lado, o ensino artístico e tecnológico é completamente desvalorizado. Ora, é este ensino que passa competências de «saber-fazer» para os estudantes, é o que lhes permite, por exemplo, o contacto com os materiais, a identificação de matérias, as suas características e propriedades, o conhecimento das suas formas, dimensões, texturas, a prática de montagem e desmontagem, medições, representações, as funções técnicas dos objectos, as suas funções sociais, económicas, históricas, a sua técnica de manuseamento, e tantas outras coisas. Considerar isto não essencial é de uma visão absolutamente restritiva do acto de educar.
Se recuarmos 20 anos, apercebemo-nos que os alunos tinham três tempos de 50 minutos de Educação Visual com um professor e cinco tempos de 50 minutos de Trabalhos Manuais, aqui com dois professores. Em 1991, reduziu-se esta componente de ensino para cinco tempos de 50 minutos de Educação Visual e Tecnológica com par pedagógico. Em 2001, a Educação Visual e Tecnológica (EVT) passou a quatro tempos de 45 minutos, ainda com par pedagógico. Na Legislatura passada, as tentativas de eliminação do par pedagógico foram imensas. E agora o que este Governo propõe é a separação da Educação Visual e da Educação Tecnológica, integrando esta última com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que é coisa bem distinta, com dois tempos de 45 minutos cada uma e com apenas um professor para cada, ou seja, com o fim do par pedagógico. Percebe-se, nesta abordagem, de uma história de curto prazo, a desvalorização que esta componente de ensino inadmissivelmente tem tido. Isto no 2.º ciclo, porque no último ano do 3.º ciclo o Governo propõe-se acabar, pura e simplesmente, com a Educação Tecnológica e também em todo o 3.º ciclo acabar com as Tecnologias de Informação e Comunicação.
De referir que também as Ciências da Natureza perdem relevância para o Governo, quando se acaba com o desdobramento no 2.º ciclo, assumindo-se que a actividade experimental é perfeitamente passível de ser feita com toda a turma. Ou seja, ter 14 crianças a proceder a experiências práticas ou ter 28 crianças em simultâneo a fazê-lo é completamente igual para o Ministério da Educação ao nível das aprendizagens. Mas, segundo nos informaram professores reunidos com o Sr. Ministro da Educação, a explicação é lógica: é que no 2.º ciclo a experimentação em Ciências da Natureza passa a ser feita pelo professor e os alunos só têm que visualizar, mas experimentar não! Cá está a «técnica de empinar» levada ao extremo!
O que Os Verdes sentem profunda necessidade de afirmar neste momento é que o ensino é, necessariamente, formado pelas mais diversas componentes que devem trabalhar competências e conhecimentos e interligá-los de forma constante. O ensino trabalha desejavelmente a formação integral dos indivíduos, gerando-lhes oportunidade de conhecer, de desenvolver, de melhorar e de aperfeiçoar capacidades. É esse ensino que o Governo quer desprezar, remetendo-o à função central de ler, escrever e contar! Não chega, é demasiado insuficiente e redutor!
Mas não sejamos ingénuos em toda esta história: a verdadeira função central desta dita revisão curricular é reduzir o número de professores e de horários, poupando em salários e em gastos. Quando ouvimos o Ministro da Educação, em entrevista, afirmar que, por exemplo, em Educação Visual e Tecnológica, ter dois professores é um luxo — um luxo!! —, percebemos o objectivo e que a escola pública para o Governo é para dar os mínimos possíveis, porque quem quer luxos, leia-se «boas aprendizagens», optará por escolas privadas. É isto: o esvaziamento da qualidade da escola pública para o Governo não gastar recursos e porque a garantia é que quem pode paga escolas privadas aos seus filhos.
Mesmo para finalizar, resta afirmar que Os Verdes consideram que importa melhorar a componente curricular, mas isto é nitidamente piorá-la. Os Verdes desejam também que o projecto de resolução, apresentado, em boa hora, pelo PCP no Parlamento, que prevê o alargamento da consulta pública deste documento, a qual é manifestamente curta, seja discutido rapidamente e aprovado para garantir uma verdadeira participação de todos os interessados.

2ª INTERVENÇÃO – Responde a pedidos de esclarecimento

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, começo por agradecer às Sr.as Deputadas Odete João, Rita Rato e Ana Drago as questões que me colocaram.
Concordo com as observações que fizeram, algumas das quais já tinha frisado na intervenção que fiz da tribuna, mas há uma coisa que me parece certa, que nos deve preocupar e que deve preocupar também o PSD e o CDS, porque, na legislatura passada, era isso que diziam. Agora não vos oiço, desejo ouvir-vos e não vos consigo ouvir porque os senhores calam-se, amordaçam-se, talvez falem só quando o Ministro da Educação vos der autorização para o efeito. Mas era importante ouvir-vos antes porque, na legislatura passada, os senhores também juntavam a vossa voz à nossa quando contestávamos aquelas alterações que queriam fazer, como o fim do par pedagógico em EVT e outras alterações feitas pelo anterior governo.
Na altura, dizíamos que eram razões meramente economicistas que estavam na base dessas decisões e não razões pedagógicas e os senhores salientavam também essa questão até ao limite; agora, deixámos de vos ouvir, mas a verdade é que as alterações que estamos a verificar agora, de facto, têm também um objectivo economicista: números, contas, salários, aquilo que tem de se pagar, professores para a rua, já, quantos menos melhor, independentemente do resultado nas aprendizagens que daí advier. Ora, isto é absolutamente inadmissível.
Não foi por acaso que iniciei a minha intervenção a falar, de alguma forma irónica, das duas páginas descritivas desta dita revisão curricular, porque aquilo não tem fundamento pedagógico absolutamente nenhum — nada, nem com três pares de óculos conseguimos vislumbrar alguma coisa, nem com muito boa vontade. Absolutamente nada! Aquilo é uma coisa descritiva, é até confrangedora, não justifica absolutamente nada e, portanto, provavelmente, os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP não sabem o que dizer relativamente a esta matéria.
Estamos aqui perante uma proposta que tem como único objectivo, de facto, matérias orçamentais, aquilo que a tróica ditou. Aquilo que o Governo quer fazer não tem qualquer sustentabilidade pedagógica. Despedimento de professores, professores em horário zero, é este o resultado, é este o grande objectivo!
Por outro lado, gostava ainda de dizer uma coisa: pela boca do Sr. Ministro, isto é uma coisa intercalar e a grande reforma há-de vir aí. Até nos assustamos com isto mas, enfim, a questão é a seguinte: qualquer revisão ou reforma curricular — chamemos-lhe aquilo que entendermos —, não funcionará, mas nunca funcionará, se as escolas não se dotarem de meios para promover as aprendizagens. Ou seja, podemos até fazer brilhantes reformas curriculares — não é o caso do que aqui é apresentado— mas, se as turmas tiverem um número absurdo de alunos, se as componentes práticas forem eliminadas, se não houver professores suficientes, se não tivermos auxiliares de educação suficientes nas escolas, se a escola não for um mundo composto por uma série de factores que interagem entre si, e todos são relevantíssimos para as diversas e diferentes aprendizagens dos alunos, nós falhamos.
A grande preocupação que Os Verdes têm é que, de facto, parece que há aqui forças políticas que não têm qualquer preocupação com esse falhanço. Parece que têm outro objectivo à frente, que é a degradação da escola pública, porque estão descansados: aqueles que podem, colocarão sempre os seus filhos em escolas privadas, prosseguindo o seu percurso naturalmente. Mas não é assim que se promove igualdade, não é assim que se promovem oportunidades para todas as crianças, para formarmos bons adultos que hão-de ser o centro de actividade deste País.
Ora, é isto que queremos e gostávamos muito de participar numa reforma curricular que tivesse a participação de todos os interessados e de todos aqueles que se envolvem no sistema educativo e, a partir daí, melhorássemos sempre. Mas não é esse o objectivo, o objectivo é sempre cortar, cortar, cortar e nunca melhorar, melhorar, melhorar e promover a qualidade no ensino, logo, das nossas crianças e dos nosso jovens.
Lamentavelmente, é esse o percurso que os sucessivos governos têm seguido e, lamentavelmente, é esse o resultado daquilo que aqui nos é apresentado.
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