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Intervenções na Ar (Escritas)
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17/10/2012
Declaração política a propósito do Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos e do projeto do Movimento Democrático das Mulheres no sentido do combate a estas situações
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Declaração política a propósito do Dia Europeu Contra o Tráfico de Seres Humanos e do projeto do Movimento Democrático das Mulheres no sentido do combate a estas situações
- Assembleia da República, 17 de Outubro de 2012 –

1ª Intervenção

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assinala-se amanhã o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos.
O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) veio hoje à Assembleia da República dar a conhecer um projeto que está a desenvolver, intitulado «Romper silêncios», sobre o tráfico de mulheres, e Os Verdes gostariam de traduzir uma parte da mensagem desse projeto hoje, aqui, no Plenário da Assembleia da República.
De facto, quem pensa que a escravatura é um fenómeno acabado engana-se redondamente. As Nações Unidas estimam que existam atualmente 27 milhões de escravos em todo o mundo. Em pleno século XXI a escravatura persiste no mundo, cresce e adota novas forças de exploração. Todos os anos milhões de pessoas caiem nas mãos de traficantes. As principais vítimas são mulheres e meninas reduzidas à condição de mercadoria, propriedade de outrem, enfrentando o inferno de uma vida de trabalho forçado, de exploração sexual e prostituição.
É uma grave violação dos direitos humanos e um crime no qual os traficantes lucram com a exploração de pessoas. É um processo que se oferece, entrega, alicia, aceita, transporta, aloja, acolhe, usando violência, rapto, ameaça grave, ardil, abuso de autoridade, aproveitamento de incapacidade psíquica, vulnerabilidade, com o fim de exploração sexual, exploração do trabalho, extração de órgãos.
O tráfico de seres humanos é um negócio altamente lucrativo e de grande expansão, gerando anualmente 32 biliões de dólares. É considerada a atividade criminosa mais rentável do mundo a seguir ao tráfico de drogas e de armamento.
Na verdade, traficar e explorar uma pessoa, significa obter elevados lucros correndo baixos riscos. É essa combinação que move os traficantes. Não é de pequena relevância que o Parlamento Europeu estime que, a cada ano, a indústria do sexo gere mais dinheiro do que o total dos orçamentos militares do mundo ou que o Conselho Económico e Social das Nações Unidas estime que, por exemplo, na Holanda anualmente o lucro atinja 1 bilião de dólares.
As mulheres são mais vulneráveis ao tráfico e à exploração na prostituição. Globalização, insegurança e dependência económica, pobreza, desemprego, ausência de um teto, racismo, migração, desigualdades, práticas discriminatórias contra as mulheres, abuso sexual, agressões físicas, incesto, institucionalização, dependências, é na exploração destes contextos socioeconómicos, culturais e pessoais que os traficantes sinalizam, atraem, coagem e dominam as suas vítimas.
Começa, na maioria das vezes, pela promessa de uma vida melhor e, em alguns casos, o intermediário ou o traficante é alguém que a própria vítima conhece, um conhecido, um amigo, um membro da família. Os métodos e as táticas usadas pelos traficantes podem variar, mas o objetivo é sempre o controlo e a subserviência da vítima.
Esse controlo é conseguido pela imposição sistemática e repetitiva de trauma psicológico e físico e pelos recursos a técnicas organizadas de convencimento de impotência da vítima face ao agressor.
As vítimas são mantidas em situação de total dependência económica e em medo constante. O agressor torna-se omnipotente, destruindo assim o sentido de autonomia da vítima.
A natureza clandestina do crime, a invisibilidade das vítimas e a falta de investimento dificulta a apresentação de estatísticas sólidas sobre o tráfico de seres humanos, sendo contudo possível apresentar estatísticas relevantes.
A exploração sexual é de longe a finalidade mais comum do tráfico de seres humanos, representando 79%, seguindo-se o trabalho forçado em 18%, sendo que as mulheres constituem dois terços das vítimas reportadas de tráfico humano, constituindo estas 98% das vítimas de tráfico para exploração sexual e 55% para trabalho forçado.
Portugal é país de destino, trânsito e fonte de adultos e crianças sujeitos a exploração sexual e trabalhos forçados. O perfil das vítimas: mulheres, com uma idade média de 29 anos, estrangeiras, vítimas de tráfico para exploração sexual, de acordo com o relatório anual sobre o tráfico de seres humanos de 2009.
Vivemos tempos de grave crise económica e social no qual as mulheres e crianças são as primeiras a sentir na pele as consequências mais devastadoras da degradação do nível de vida. Tempos de regresso de velhas formas de exploração, de desrespeito e de desprezo pelas pessoas, de aumento da vulnerabilidade dos mais pobres e carenciados, da cruel ideia de que tudo se compra e tudo se vende, mesmo o amor, mesmo a vida, mesmo a dignidade humana.
É neste quadro que surgem pressões visando a regulamentação ou legalização, por exemplo, da prostituição, promovendo-a a um negócio legítimo ou a uma profissão aceitável para as mulheres.
Sr.as e Srs. Deputados: Porque este é ainda um fenómeno oculto na nossa sociedade, que se alimenta do silêncio e da mais profunda clandestinidade, porque é necessário desconstruir estereótipos associados particularmente à natureza do crime e às suas vítimas, porque é fundamental aprofundar o conhecimento, o debate e o combate ao tráfico de seres humanos também na sua relação com o estudo sobre as causas e as consequências da prostituição, e porque urge atuar a todos os níveis, combatendo essa forma de violência sobre as mulheres, é preciso, então, como nos disse hoje o MDM, romper silêncios, e nós temos, aqui, na Assembleia da República, também a obrigação de procurar soluções para este gravíssimo problema.
Por isso, Os Verdes comprometem-se a trazer iniciativas legislativas ao Parlamento sobre a matéria.

2ª Intervenção

Sr. Presidente, queria começar por agradecer às Sr.as Deputadas Francisca Almeida e Rita Rato as considerações que fizeram em torno da matéria que Os Verdes aqui trouxeram nesta declaração política, sobre o tráfico de seres humanos e, em particular, o tráfico de mulheres, e associo-me a muitas das considerações que fizeram, de repúdio relativamente a este fenómeno.
Na verdade, associamo-nos a estas iniciativas, venham de onde vierem, pois entendemos que tudo o que contribua para o esclarecimento e o alerta é extraordinariamente importante e necessário.
De facto, como o MDM veio, hoje, trazer ao conhecimento da Assembleia da República, é fundamental romper silêncios, porque só amamos aquilo que conhecemos mas o inverso também é verdade, ou seja, só odiamos e repudiamos aquilo que, verdadeiramente, conhecemos. Podemos ouvir falar do fenómeno em abstrato e até nos arrepiamos, mas quando começamos a trabalhar com números concretos e a perceber que esses números se traduzem em pessoas concretas, começamos, de facto, a odiar. E odiar, ao nível do processo político, implica agir, agir contra isto que se odeia, porque é preciso criar soluções. Aliás, por isso mesmo, hoje, Os Verdes gostariam de informar a Câmara de que estão disponíveis para contribuir e para encontrar essas soluções.
Por último, quero apenas dizer à Sr.ª Deputada Francisca Almeida que todos podemos encontrar muitas soluções, e espero que, de facto, trabalhemos para isso em conjunto, mas, Sr.ª Deputada, quando o Governo, paralelamente, trabalha para o empobrecimento brutal do País — e sabemos que o fenómeno da pobreza é a maior vulnerabilidade, a maior causa para que este fenómeno do tráfico de seres humanos e, em particular, do tráfico de mulheres aconteça —, estamos a trabalhar com uma mão para destruir imediatamente com a outra.
Não, Sr.ª Deputada! A Sr.ª Deputada, o País e, fundamentalmente, o Governo e a maioria PSD/CDS têm de meter uma coisa na cabeça: trabalhar para o empobrecimento do País e para o alargamento da bolsa de portugueses que, hoje, procuram emigrar, custe o que custar, em busca de um melhor nível de vida, porque o País lhes fechou a porta, é de uma grande brutalidade, Sr.ª Deputada, é pôr as pessoas na base desta problemática mundial que todos queremos erradicar.
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