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Intervenções na Ar (Escritas)
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05/12/2012
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre a 18º COP - Alterações climáticas
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Declaração política sobre Conferência das Partes da ONU e Alterações Climáticas
- Assembleia da República, 5 de Dezembro de 2012 –

1ª Intervenção


Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está a decorrer, em Doha, a 18.ª Conferência das Partes, outra Conferência da ONU sobre as alterações climáticas.
As negociações iniciaram-se no dia 26 de Novembro, os trabalhos decorrem agora com membros e representantes de governos, desde ontem, até ao próximo dia 7 de dezembro. Reparem que não dizemos Chefes de Estado e de Governo, como dizíamos há umas Conferências das Partes atrás, porque certos dos falhanços das sucessivas tentativas de negociação mundial sobre o clima e na plena convicção de que, em Doha, as conclusões serão praticamente insignificantes, grande parte dos Chefes de Estado e de Governo deixaram de se envolver nestas cimeiras.
O Protocolo de Quioto, com todos os defeitos que tem, é o único protocolo vinculativo até hoje conseguido para combater o fenómeno das alterações climáticas. O período de cumprimento de Quioto decorreu de 2008 até 2012. Termina daqui a uns dias, em 31 de dezembro de 2012.
Estipulava este acordo que, neste período, as emissões de gases com efeito de estufa teriam de ser reduzidas em 5,2%, ao nível global, com valores de referência de 1990. Estamos a curtos dias de finalização desse prazo e a meta atingida foi outra: de 1990 a 2011, as emissões aumentaram 30%; desde 2000, as emissões aumentaram 20%; e o ano de 2011 foi recordista no lançamento de gases com efeito de estufa para a atmosfera.
Estes dados são bem elucidativos no que respeita à nulidade de qualquer ação global eficaz para travar a velocidade das mudanças climáticas no planeta.
Nada que não se esperasse, quando os Estados Unidos, o maior poluidor do mundo per capita, nunca ratificou o Protocolo de Quioto e fez sempre questão, apesar de algumas promessas e expetativas criadas pelo meio de toda esta história, de não integrar qualquer plano global ou meta de redução de emissões. Os Estados Unidos têm aqui uma responsabilidade determinante e, na sequência da posição que têm assumido, uma irresponsabilidade vergonhosa que arrasta depois outros afastamentos desta luta global, designadamente a entrada da China ou da Índia para acordos de vinculação para redução de emissão de gases com efeito de estufa.
Desta vez, em Doha, nada foi diferente: a dois dias do final da Cimeira da ONU, os Estados Unidos não apresentaram qualquer proposta de compromissos sérios para redução de emissões e arrastaram a desvinculação de outros países como o Canadá, o Japão, a Rússia, a Nova Zelândia, entre outros.
Os falhanços de negociações globais para o período pós-Quioto foram de tal ordem que corremos o risco, já entrados no mês de dezembro de 2012, de entrar num período de vazio no que respeita a ações concretas sobre o clima, ou de prolongar o Protocolo de Quioto com uma ínfima parte de países envolvidos e, portanto, sem resultados eficazes.
Em cada Conferência das Partes se determinava que a próxima é que resolveria tudo. Estamos na última Conferência das Partes do período de Quioto e sabe-se que nada ficou nem ficará resolvido, a não ser o que já se sabia em Durban, ou seja, que tudo foi «chutado» para o futuro, futuro esse onde se tentará um acordo para estar pronto em 2015 e para entrar em vigor em 2020. E de 2012 até 2020, o que acontece? E depois de 2020, o que vai ser acordado? O certo é que, até 2020, era preciso que, das 50 000 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa lançados anualmente para a atmosfera, se conseguisse, pelo menos, a redução para 44 000 milhões e que, que uma década depois, se conseguisse reduzir para 35 000 milhões.
A verdade é que se perspetiva hoje que podemos chegar a 2020 com emissões mais intensas, de 52 000 milhões de toneladas anuais.
Esta irresponsabilidade determina que tudo depois será mais difícil de atenuar e que será sempre mais caro, a cada ano que passa, mitigar e promover adaptações sobre o que está aceleradamente em curso, no que respeita ao aquecimento global.
Sabendo-se tudo o que hoje se sabe sobre as consequências do aquecimento do planeta, sendo já tantas populações e Estados deste mundo vítimas diretas do fenómeno das alterações climáticas, é legítimo perguntar a razão de ser desta declaração de guerra ao mundo. Por que razão para os mercados financeiros se esbanjam horrores de dinheiro, por que razão se gastam tantos biliões em programas bélicos e por que razão se poupa tanto no que tem repercussões tão diretas sobre as economias, sobre a sustentabilidade, sobre as populações ou sobre o ambiente?
Sr.as e Srs. Deputados, o tempo é cada vez mais escasso para atingir resultados frutuosos. As consequências da mudança climática são já hoje amplamente sentidas, os extremos climáticos cada vez são mais regulares, como o mundo assistiu, por exemplo, com o furacão Sandy, que causou dezenas de mortes, ou com o tufão Bopha, agora, nas Filipinas, que já causou mais de 230 mortes e mais de 120 000 desalojados; os tornados mais expostos, que até em Portugal experimentámos há pouco tempo no Algarve; as cheias devastadoras como as que ocorreram em Inglaterra; as secas intensas como as da África subsariana; a proliferação de doenças como a malária ou a dengue em lugares onde estavam atenuadas ou de há muito ausentes.
Chegar-se-á a um ponto onde este clima grosseiro e impiedoso quebrará a produção de alimentos, gerando mais fome no planeta. Não são profecias, Sr.as e Srs. Deputados! São conquistas de conhecimento científico, hoje demonstradas já por sinais demasiado claros.
O mundo ameaça ser invadido por um aumento de 4º C de temperatura média, no decurso deste século. A luta, hoje, é para que essa temperatura média não aumente mais do que 2º C. Mas, por este andar, com estes Chefes de Estado e de Governo, com esta obsessão pelos ditames do mundo financeiro, com esta incompetência no que respeita à tomada de medidas que promovam um mundo melhor e mais sustentável, corremos o risco de o planeta ditar a sua própria resposta. A todos nós, aqueles que acreditamos que a humanidade não pode desistir, compete-nos continuar a exigir, a propor e a pressionar para o sucesso dessa humanidade e do nosso planeta. Esse é obviamente um compromisso de Os Verdes.

2ª Intervenção

Sr.ª Presidente, dirijo-me, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado António Leitão Amaro, agradecendo as considerações que fez e as questões que colocou, mas dizendo-lhe o seguinte: de facto, existem estudos concretos que incidem sobre as consequências diretas das alterações climáticas em Portugal, e o futuro não é risonho para nós. É que somos um País muito ligado ao mar (e o aumento dos níveis do mar tem sobre nós reflexos intensos, ainda por cima um País que tem mais de dois terços da sua população e da sua atividade concentrada no litoral, pelo que isto tem consequências diretas), um País que sofrerá cada vez mais de fenómenos climáticos extremos e, por outro lado, também com riscos de desertificação extraordinariamente elevados, designadamente no sul e no interior do País, o que é algo que tem reflexos económicos, sociais e ambientais gravíssimos, que têm de nos alertar de uma forma ou de outra.
Sr. Deputado, Portugal não estava exatamente em terceiro lugar, mas em sexto lugar. É que o Sr. Deputado diz que, se os três primeiros lugares não foram atribuídos, na prática, Portugal é terceiro, pelo que estamos muitíssimo bem. Mas o Sr. Deputado, depois, não foi capaz de esconder a razão pela qual estamos com estes níveis: é por causa da crise. E à sua pergunta sobre se Portugal deve ou não ser exemplo para o mundo, nesta matéria, respondo que não. E não porquê? Porque estes níveis decorrem da desindustrialização deste País, da falta de atividade produtiva deste País e de muitos outros fenómenos, Sr. Deputado, que estão associados à crise e não a um comportamento direto do Governo, através da aplicação de medidas internas, que gerem, de facto, aquela eficiência de que necessitávamos. Aliás, não foi por acaso que o Sr. Deputado não fez qualquer referência à questão dos transportes públicos. Não podia! É o setor onde as emissões de gases com efeito de estufa, designadamente o dióxido de carbono, mais galopa. Mas os Governos não incentivam as pessoas à utilização do transporte público. O Sr. Deputado diz: «Mas pessoas não andam de transporte público». E porquê, Sr. Deputado? Porque estão desempregadas, em casa, Sr. Deputado. Não andam de transportes públicos porque não podem, Sr. Deputado!
Portanto, não há uma política direcionada para o combate às alterações climáticas, designadamente também no setor dos transportes.
Por exemplo, quanto à eficiência e poupança energética, o Plano Nacional de Barragens (e não vou agora pronunciar-me sobre o seu conteúdo) foi construído no pressuposto de que o consumo energético ia galopar, em Portugal — é que este é o nosso pressuposto de desenvolvimento.
Nós temos tanto desperdício! No transporte de energia, nos serviços… Em tudo! Nós não combatemos a ineficiência energética. E é algo que temos de fazer, para que Portugal consiga níveis no combate às alterações climáticas que não tenham como pressuposto uma crise, um drama. Não, isso não é resposta, nem exemplo para ninguém no mundo!
Sr. Deputado Paulo Sá, concordo muito com aquilo que o Sr. Deputado disse, designadamente em relação aos mecanismos de mercado. Ou seja, fingir que se reduz para «rodar» poluição pelo mundo não é solução para ninguém. E esse é justamente um dos mecanismos que consideramos que deveria ser corrigido ao nível do Protocolo de Quioto.
Depois, o Sr. Deputado coloca a seguinte questão: por que é que têm tido insucesso as sucessivas conferências da ONU e as Conferências das Partes a propósito das alterações climáticas? Sr. Deputado, justamente porque não há vontade política para assumir esta matéria como uma das prioridades a nível nacional; porque se gosta muito mais de gastar em material bélico, a fazer guerras e a matar gente também de outra forma; porque se gosta mais de esbanjar dinheiro para os mercados financeiros; e porque as pessoas contam tão pouco neste mundo, Sr. Deputado. É que a humanidade é tão fragilizada pelo poder político, pelo poder financeiro e pelo grande poder económico que isto se torna perfeitamente insustentável.
Portanto, como isto não é prioridade política, obviamente que as conferências da ONU nunca tiveram resultado. E sabe, Sr. Deputado, digo-lhe, com tristeza: duvido que venham a ter a curto prazo.
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