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23/05/2013
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia Sobre a “Lei das sementes”
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia Sobre a “Lei das sementes”

Sra. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,

A chamada “lei das sementes” não passa, por enquanto, de uma intenção da Comissão Europeia. É esta a altura de envidar todos os esforços para que dela não resulte o que nela está previsto.

Desde 2011 que a Comissão Europeia ensaia a elaboração de uma proposta de regulamento que visa rever a legislação europeia sobre comercialização de material de propagação de plantas, ou seja, sobre produção e comercialização de sementes, exigindo o registo de todas, todas as sementes, ilegalizando, a partir daí, as que não estão registadas. A proposta de regulamento da “lei das sementes” foi aprovada pela Comissão no passado dia 6 de Maio, já deu entrada no Parlamento Europeu e o objetivo da Comissão é que seja aí aprovada e que entre plenamente em vigor no ano de 2016.

Esperemos, entretanto, que o Parlamento Europeu tenha o bom senso de chumbar esta proposta! Mas importa que não deixemos a matéria relegada apenas ao âmbito das instituições europeias. Importa que a Assembleia da República aja rapidamente e, para isso, o PEV apresentará a breve prazo uma iniciativa legislativa que impeça a restrição do direito de reproduzir, semear e trocar livremente sementes para cultivo.

Sras. e Srs. Deputados,

Hoje a comercialização de sementes agrícolas já se encontra muito, em cerca de 67%, dominada por uma meia dúzia de multinacionais do setor agroalimentar, como algumas de que já ouvimos tanto falar: a Monsanto, a Syngenta, a Bayer. Fabricam sementes, manipulam geneticamente sementes, patenteiam sementes, cobram direitos para reprodução de sementes, em suma são donos e senhores de sementes. O objetivo destas multinacionais é dominar o mercado de sementes ao mais vasto nível – é um poder imensíssimo… dominar a quantidade e a qualidade da alimentação mundial… de algo que é o suporte de vida!!

Imaginemos um mundo, e não estamos tão longe dele, em que estas multinacionais são donas das sementes e onde os agricultores só podem cultivar estas sementes! Seria um mundo de domínio destas multinacionais e seria um mundo onde se perderia uma imensidão de biodiversidade agrícola, por via da perda de uma enorme variedade de sementes tradicionais.

Ora, o que a proposta de regulamento da Comissão Europeia prevê é justamente a privatização de sementes agrícolas, tornando depois todos os agricultores dependentes das sementes disponibilizadas e legalizadas por via de um sistema obrigatório de registo e de certificação de toda e qualquer, qualquer planta de cultivo.

Esse registo implica processos administrativos profundamente burocráticos e onerosos, impedindo, desta forma, os pequenos agricultores de entrar neste esquema de certificação. Mas mesmo que não fosse o processo burocrático, este esquema montado pela Comissão Europeia impediria os sistemas milenares e informais de troca e de comercialização de um sem número de sementes, que são praticados pelos agricultores de todo o mundo, em especial na agricultura de subsistência, pelos agricultores familiares e de pequena escala, que geram a riqueza da biodiversidade agrícola e o pilar da segurança alimentar.

Curiosamente, ou não, a segurança alimentar é um dos principais argumentos da Comissão Europeia para a apresentação da proposta de regulamento. Nada mais hipócrita. Os escândalos alimentares, que até hoje conhecemos, não foram gerados pelas realidades agrícolas tradicionais e biológicas, mas sim pelas práticas industriais, e pelo desejo de ganhar uma escala tal e uma dimensão tal que se inventam práticas de manufaturação e de culturas sintéticas, sustentadas em químicos, em pesticidas e em fertilizantes, daquilo que afinal se desejaria 100% natural! Quem tem ganho com tudo isto são as multinacionais do setor. Entretanto, a fome no mundo continua, os pequenos agricultores têm sido espezinhados e os consumidores, que o podem ser, ficam prejudicados.

Se esta proposta da “lei das sementes” fosse por diante, seria ilegalizada a reprodução, a conservação e a utilização de sementes de múltiplas variedades agrícolas convencionais e não registadas. Importa também aqui realçar que é a soberania alimentar que está em causa.

A Comissão Europeia, cedendo claramente aos interesses das multinacionais do setor agroalimentar, predispõe-se a liquidar um património agrícola tradicional, um património natural diversíssimo, um património cultural imensamente rico e um fator de sustentabilidade económica que se sustenta não apenas na agricultura, mas nos produtos e na sua diversidade de variedades regionais.

A produção agrícola não é um catálogo do tipo cardápio para uma refeição em restaurante. A produção agrícola tradicional e de subsistência quer-se viva e livre na Natureza e não aprisionada aos interesses de multinacionais. Faz por isso todo o sentido que o PEV apresente, a breve prazo, aqui na Assembleia da República, uma iniciativa legislativa que assegure o direito de reproduzir, semear e trocar livremente sementes para cultivo. 

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