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Intervenções na Ar (Escritas)
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22/09/2011
Declaração política sobre a reestruturação do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia- Assembleia da República, 22 de Setembro de 2011

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
A Sr.ª Ministra Assunção Cristas fez ontem uma abordagem sobre a reestruturação orgânica do seu Ministério, integrada no designado Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado.
Ficámos a saber o que já se sabia, desde o Conselho de Ministros da semana passada: que o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território é o que mais organismos extingue e funde e que cria megaestruturas para promover as suas competências, as quais são, necessariamente, centralizadas.
Por outro lado, ficámos a não saber exactamente o mesmo que não sabíamos, depois do conhecimento do relatório do referido Plano. Não sabemos que avaliação foi feita de cada uma das estruturas e a razão que levou à extinção e à fusão de algumas, do ponto de vista da agilidade e melhoria do cumprimento de atribuições, nem ficámos a saber quais os meios de que se vão dotar, designadamente os meios humanos, absolutamente necessários ao cumprimento de funções. A essas questões a Sr.ª Ministra não respondeu, remetendo a clarificação para final de Outubro, só respondeu a quanto iria o Ministério poupar: 5 milhões de euros.
Ficou, assim, claro o objectivo desta reestruturação. Não se trata de avaliar objectivamente o desempenho de cada estrutura, de ditar objectivamente o que tem falhado no exercício das suas competências, reestruturando de acordo com a melhoria de desempenhos dos organismos, porque, de outra forma, isso teria sido revelado; o objectivo é cortar, dê por onde der — economicismo puro e duro na reestruturação do Governo.
Em todas as reestruturações orgânicas e em todas as reduções de investimento e funcionamento, o discurso dos governantes é sempre o mesmo: fazer mais com menos! Mas, depois, a consequência, infelizmente, também é sempre a mesma: fazer menos com menos!
O problema na área ambiental não reside num défice legislativo ou, substancialmente, no quadro legislativo que temos, se bem que há diplomas legais que abrem, eles próprios, espaço para duros golpes ambientais. Mas não reside na faceta legislativa o maior dano ambiental. O maior dano reside, muitas vezes, no não cumprimento da legislação, que se dá, na maioria das vezes, devido a uma falha de fiscalização, a qual leva a que, no terreno, na prática e na vida concreta, se tornem as agressões ambientais «produtivas». Por exemplo, no ICNB (Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade), o escasso número de vigilantes da natureza sempre foi um obstáculo, não o único, mas um sério obstáculo à prossecução de objectivos importantes de educação, formação e vigilância nas áreas protegidas. Ora, se, em vez de olharmos ao que falhou de verdade, ainda agravamos o problema, por cegueira economicista, é caso para dizer que isto vai de mal a pior. Extingue-se o ICNB, extingue-se a Autoridade Florestal Nacional (AFN) e fundem-se na Direcção-Geral da Conservação da Natureza e das Florestas. A questão que se coloca é: com que meios? Com que investimento? Com que recursos?
A mesma lógica se pode aplicar à integração da Inspecção-Geral do Ambiente na Inspecção-Geral da Agricultura. O que vai daqui resultar em termos de esforço de inspecção? Ou vai resultar daqui fragilização?
Uma das coisas que mais impressiona nesta reestruturação é a extinção das ARH (Administrações da Região Hidrográfica). Foram anos de luta pela gestão de recursos por bacia hidrográfica. Pouco tempo depois de constituídas acabam. Esta centralização pode resultar, agora, num recuo dessa lógica, com claro prejuízo para uma gestão regular e eficaz dos recursos hídricos.
Depois coloca-se igualmente o problema das megaestruturas. As megaestruturas podem perder eficácia num ápice e podem secundarizar funções com a maior das facilidades. Isto não significa que tenhamos que multiplicar entidades pelo número de competências. Nada disso. Mas há equilíbrios que são eficazes. Por exemplo, e desde logo, a junção do ministério da agricultura com o ministério do ambiente pode facilmente resultar numa secundarização de uma das pastas — da do ambiente, é certo. São pastas pesadas, caso o Governo as entenda prosseguir com competência, que precisam de uma dedicação grande por parte dos seus titulares.
Em praticamente 100 dias de governo, se olharmos para a componente de trabalho da Ministra na pasta do ambiente, reparamos que praticamente as únicas medidas que tomou foi autorizar a retirada de gravata no Ministério, mas não de casacos, para efeitos de poupança energética, e agora a redução de estruturas no Ministério. Ora, se este for o ritmo de trabalho em cada 100 dias, é caso para fortes preocupações. O ambiente neste País precisa de uma dedicação maior, sem a qual não se resolverão problemas que, pelo contrário, tenderão a instalar-se e a intensificar-se.
Na tendência das megaestruturas eliminam-se, designadamente, as ARH, o Instituto da Água, a Comissão para as Alterações Climáticas e a Agência Portuguesa do Ambiente e cria-se a agência portuguesa para o ambiente, a água e a acção climática, que tem uma dimensão perfeitamente colossal! Por exemplo, a componente das alterações climáticas é uma das matérias que o Partido Ecologista «Os Verdes» defende que se autonomize, dada a sua absoluta transversalidade nas mais diversas políticas sectoriais, correndo o risco de se encolher e desviar dos objectivos globais a seguir se ficar encaixada no meio de uma panóplia de atribuições sectoriais na área do ambiente.
Uma coisa é certa, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: sem massa humana dedicada às funções atribuídas aos mais diversos organismos, não é possível gerir com competência as funções destinadas aos mesmos. E o que ficou mais do que claro é que o Governo, nesta reestruturação, tem um objectivo essencial: despedir directamente pessoas da Administração Pública e, àqueles que têm vínculo garantido, propor-lhes rescisões ditas amigáveis, que bem se podem transformar rapidamente em pressões de despedimento, para além do uso de um instrumento chamado «mobilidade especial», que ameaça descartar pessoas como se de objectos se tratassem.
Este, diga-se em abono da verdade, é lamentavelmente o primeiro objectivo da tróica e do Governo.

2ª INTERVENÇÃO – responde a pedidos de esclarecimento

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Paulo Sá e Miguel Freitas, quero agradecer as questões colocadas e clarificar uma coisa.
O objectivo da minha declaração, até considerando o tempo de que dispúnhamos, não era o de analisar pormenorizadamente as propostas feitas. De resto, queremos aproveitar a vinda da Sr.ª Ministra ao Parlamento, na próxima semana, no sentido de podermos esclarecer muitas questões que aqui foram levantadas.
O objectivo foi, naturalmente, alertar o Srs. Deputados para o que está em causa numa área que está nitidamente a ser secundarizada — a pasta do ambiente — e também despertá-los para, na próxima terça-feira, todos confrontarmos a Sr.ª Ministra sobre estas matérias, de modo a que possamos ter alguns esclarecimentos.
Agradeço ao Sr. Deputado Paulo Sá o facto de ter referido uma questão que, de facto, falhou na minha intervenção e que é extraordinariamente importante. Refiro-me ao esvaziamento a que estamos a assistir neste caso concreto do Ministério do Ambiente, considerando aquilo que temos ouvido, com «sede» de privatização em muitos dos sectores desta tutela. Temos que ligar todos estes factores e perceber que, através desta reorganização, está a promover-se a uma desresponsabilização total do Estado para entregar sectores a privados. Isto é extraordinariamente preocupante! Isto é extraordinariamente preocupante em áreas fundamentais, como, por exemplo, a da água! Mas também, seguramente, sobre esta matéria, teremos outras oportunidades de falar.
A operacionalidade é, igualmente, a nossa grande preocupação nesta matéria. Tal como foi, Sr. Deputado Miguel Freitas, quando o governo anterior apresentou o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE),… que também não explicava como é que se davam aquelas reestruturações e a que propósito aconteciam aquelas reestruturações, extinções e fusões. Este é um erro que os sucessivos governos têm cometido. Em vez de olharem justamente para aquilo que o Sr. Deputado falou, a operacionalidade, olham para a redução dos custos! Lá vêm os milhões, os milhões sempre a caírem!!
Mas sabe o que é que significam esses milhões, Sr. Deputado? Significam desemprego para muitas famílias e falta de operacionalidade dos serviços! E isso é que é extraordinariamente importante.
O Sr. Deputado focou ainda um conjunto de exemplos. Também tenho uma grande preocupação no que respeita aos exemplos concretos que deu e que são extraordinariamente significativos, justamente em relação à matéria da operacionalidade.

3ª INTERVENÇÃO – responde a pedidos de esclarecimento

Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados Pedro Lynce e Altino Bessa as questões colocadas, mas vou ser sincera e dizer que penso que o Sr. Deputado Pedro Lynce colocou as questões de uma forma séria e o Sr. Deputado Altino Bessa não. Isto por uma razão: penso que quando estamos aqui a defender aquilo em que acreditamos, não precisamos de ludibriar algumas realidades para tentarmos ter razão.
Sucede que o Sr. Deputado disse «Sr.ª Deputada, veio aqui dizer um conjunto de generalidades». Mas como é que eu podia ser mais concreta se não sabemos mais nada, Sr. Deputado?!
A Sr.ª Ministra, ontem, também fez uma conferência de imprensa cheia de generalidades.
Faziam-se-lhe perguntas concretas e a Sr.ª Ministra não respondia. Estamos num País de generalidades, não é verdade, Sr. Deputado? É uma pena, é mesmo uma pena!
Ora, foi exactamente isso que eu disse na minha intervenção: precisamos de informação mais concreta! Precisamos de saber por que é que algumas se extinguem, qual é a avaliação que se faz, porque se fundem, porque se criam, e é isso que não está explicado! O único «rótulo» que vem com esta proposta são 5 milhões de euros. Pergunta-me o Sr. Deputado: «então, não considera importante fazermos essa «poupançazina para o País?»
É que dessa poupança pode resultar outra falta de poupança, se os serviços não agirem convenientemente. Entende, Sr. Deputado? É que se os serviços não agirem convenientemente, isso sai caro ao País! Portanto, temos de relacionar aqui tudo isto, e se essa poupança servir para a eficácia dos serviços, pois claro que todos concordamos que se tire ineficácia aos serviços, dando-lhes eficácia.
O Sr. Deputado disse: «a Sr.ª Deputada vem aqui, à Assembleia, criticar as entidades que, agora, se vão extinguir» — e não me deu exemplos porque também não valia a pena, não é Sr. Deputado? Não veio nenhum exemplo concreto à cabeça… —, «vem sempre aqui criticar as entidades porque não actuam e, agora, acaba-se com as entidades e crítica». Sr. Deputado, que grande «lata» — desculpe a expressão!
Aquilo que criticamos permanentemente é a falta de investimento que gera a falta de funcionalidade dessas entidades.
Lembra-se de tudo aquilo que dissemos relativamente ao ICNB?
Pois é! A falta de investimento, até no funcionamento, gera justamente essa ineficácia e é isso que criticamos, como, naturalmente, bem deve saber.
Sr. Deputado Pedro Lynce, considero interessantes as questões que colocou mas queria referir-me apenas à questão da agricultura do ambiente.
É que, se fossemos por essa lógica, poderíamos juntar a pasta do ambiente à de muitos outros ministérios, designadamente ao da economia e das obras públicas. Portanto, poderíamos acrescentar o título «ambiente» a muitos outros ministérios, porque é, de facto, uma área extraordinariamente transversal e precisa de ser assim.
O Sr. Deputado entende esta junção dos ministérios como uma oportunidade para gerar mais ambiente, digamos assim, na pasta da agricultura, mas eu tenho outro receio, que é o da secundarização absoluta dessa potencial transversalidade da área do ambiente noutras áreas governativas, ficando com o ministério da Agricultura — agora, sem avaliar a pasta da agricultura e as políticas que aí se vão desenvolvendo. Em suma: tenho um grande receio da secundarização da pasta do ambiente.
Mas vamos ver uma coisa, Sr. Deputado: queremos uma agricultura sustentável, seguramente. E o Sr. Deputado sabe por onde é que ela passa, não sabe? Pelo enorme fomento da agricultura familiar, que é a agricultura mais amiga do ambiente e a que mais pode potenciar a geração de riqueza neste País, amigavelmente, com o ambiente.

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