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Intervenções na Ar (Escritas)
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31/08/2011
Declaração política sobre aumento do preço dos transportes públicos e a criação do «passe social +»

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia- Assembleia da República, 31 de Agosto de 2011  

 
 Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Depois do anúncio e da entrada em vigor do aumento do preço dos transportes públicos, entre 15 a 25%, e depois de ter garantido que em Janeiro de 2012 se concretizará novo aumento do preço dos títulos desses transportes, o Governo veio anunciar agora a criação do «passe social +».
Depois de conhecidos os contornos gerais desta modalidade de passe (que, na verdade, é o que as pessoas conhecem na véspera da sua disponibilização), só há uma conclusão a tirar: o Governo anda a brincar à «caridadezinha»!
Vejamos: este passe destina-se apenas a agregados familiares com rendimento médio bruto de 545 euros, ou seja, agregados familiares que levam para casa 485 euros por mês! O Governo considera, então, que todos os que ganham acima disto estão aptos a pagar o passe social normal a um preço que o Governo tornou mais caro e que se prepara para, em Janeiro, tornar mais exorbitante ainda. E é aqui que reside um dos grandes problemas da lógica da «caridadezinha»: é que ela nunca toca todos aqueles que verdadeiramente precisam de ajuda e que engrossam, involuntariamente, a bolsa de pobreza!! Nunca!
Mas mais: estamos a enveredar por caminhos que devem envergonhar qualquer sociedade e que são de uma desumanidade atroz. O que o Governo pede aos cidadãos é que, se forem muito pobres, se apetrechem de «atestado de pobreza» e que o exibam nos serviços que têm de pagar — neste caso, nos pontos de venda de passes sociais. É como se as pessoas tivessem de ter um novo documento de identificação a rotulá-las de pobres! Isto é ridículo e absolutamente desrespeitador das pessoas!
E agora diga-se a verdade: o problema «genético» destes esquemas é termos um sistema fiscal onde há muitas fortunas que não são tributadas! Assim, para disfarçar essa injustiça e para compensar a necessária contribuição para o Estado, cria-se o princípio do «utilizador (muito) pagador» para tudo o que é essencial — na educação, na saúde, nos transportes… —, levando a uma sobrecarga de pagamento por famílias que, para além dos impostos, têm dificuldade em pagar a totalidade das contas no final do mês…, na verdade, têm dificuldade em sobreviver! Mas pede-se-lhes mais e mais e mais, e os detentores de fortunas não contribuem proporcionalmente na mesma medida!
O que se deveria pedir era apenas que cada um contribuísse de acordo com a sua real capacidade de contribuição. Porque é que se recusa o princípio da justiça fiscal e o princípio da solidariedade? E por que razão se substituem esses princípios por lógicas de pagamentos absurdos, complementados com «caridadezinha», que deixam gente com muita necessidade de fora? Será pelo mesmo motivo que alguns conseguem tolerar ouvir o homem mais rico de Portugal declarar que não é rico, mas sim um «singelo trabalhador»?! Os ricos enriquecem mais, os medianos empobrecem e aos pobres não se lhes permite sair da pobreza — são condenados à pobreza eterna, e aqui e ali dá-se-lhes uma migalha!… Isto é de bradar aos céus, Srs. Deputados!!!
Mas, voltando concretamente ao «passe social +», há coisas que se tornam incompreensíveis, como, por exemplo, a razão de ser de esta modalidade de passe ter sido criada apenas para as áreas de Lisboa e do Porto. Logo, tornou-se legítimo questionar se 545 euros fora de Lisboa e do Porto são diferentes de 545 euros em Lisboa e no Porto… Parece que, perante esta aberração, já veio o Ministério dizer que ia ser alargado ao resto do país, mas sem dizer quando, nem em que moldes!…
E não deixa de ser caricato que a primeira declaração política do PSD nesta Legislatura tenha sido sobre o combate às assimetrias regionais — sem ter apresentado soluções, é certo! — e que o mesmo PSD venha agora aplaudir esta medida profundamente injusta no que toca também à coesão territorial!…
Por outro lado, por que razão este «passe social +» só abrange passes intermodais e não abrange passes combinados? Então, 545 euros valem diferentemente para uns e outros? Nada disto se entende. O que é certo é que o Governo procurou ao máximo reduzir a abrangência desta sua «caridadezinha», quer pela dimensão salarial abarcada, quer pela dimensão territorial, quer pela modalidade de passe a abranger. Não falou em número de utentes abrangidos, mas se a medida fosse abrangente o Governo teria acenado números de destinatários. Mas aquilo que já se percebeu é que milhares de «famílias carenciadas» — aquele conceito que o Ministro da Economia tem dificuldade em definir… — vão ficar fora de um desconto supostamente destinado a quem?… Às «famílias carenciadas»!!
Há outra coisa absolutamente caricata neste «passe social +», segundo nos foi dado perceber: é que o passe intermodal normal para jovens (o sub 23) é sujeito a um desconto. O certo é que nalgumas modalidades o «passe social +», não abarcando o desconto para os jovens, acaba por ficar ao mesmo preço (ou seja, sem desconto) e noutras modalidades fica mesmo mais caro do que o passe social normal para jovens, o que é incrível!
Por exemplo, nos passes sociais 12 e 123, a diferença é quase de 8 euros, sendo o «passe social +» mais caro. No passe social 123, a diferença é mesmo mais de 10 euros, sendo o «passe social +» mais caro. Já se está mesmo a ver um membro do agregado familiar a comprar quatro passes sociais para toda a família e a exibir ou a recolher a sua declaração de IRS em função do facto de estar a comprar para jovens ou para adultos a vinheta do passe!… Absolutamente ridículo!!
E pronto, Sras e Srs. Deputados, é a isto que o Governo chama Programa de Emergência Social… E agora digam, por favor, se o Governo, que empobrece o País e as pessoas, anda ou não anda a brincar à caridadezinha??!!
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