Pesquisa avançada
Início - Grupo Parlamentar - XII Legislatura - 2011/2015 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
Intervenções na Ar (Escritas)
Partilhar

|

Imprimir página
04/03/2015
Discussão de iniciativas sobre terrorismo e combate à criminalidade
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Discussão de iniciativas sobre terrorismo e combate à criminalidade
- Assembleia da República, 4 de Março de 2015 –

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, na reunião onde a Sr.ª Ministra nos apresentou as linhas gerais que estiveram na base deste pacote legislativo, Os Verdes tiveram oportunidade de expressar ao Governo não só as suas preocupações, mas também algumas matérias que, no seu entender, assumem muita relevância neste combate.
Sobre as preocupações, desde logo, a necessidade de procurar soluções sem comprometer direitos fundamentais dos cidadãos, o que era e é, para nós, um ponto de honra, porque, se é verdade que todos concordamos na necessidade de combater o terrorismo, também é verdade que, para nós, há limites, e esses limites são os valores que moldam o Estado de direito e a nossa Constituição.
Sobre as matérias que consideramos importantes no combate ao terrorismo, referimos a necessidade de o Governo assumir o compromisso de se envolver ativamente dentro da União Europeia e de outras organizações internacionais na promoção de políticas de paz entre os povos e os Estados; referimos a necessidade de adotar medidas de combate ao financiamento do terrorismo através de offshore e de outras práticas pouco ou nada claras; referimos a necessidade de ver nas escolas um palco importante neste combate, principalmente quando falamos da prevenção da violência, assunto que, aliás, a Sr.ª Ministra sublinhou com entusiasmo, mas no conjunto das propostas do Governo estas medidas não são visíveis.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, nós também referimos a necessidade de dotar as forças e os serviços de segurança de meios adequados para materializar o pacote legislativo que o Governo viesse a propor.
A pergunta que lhe faço, Sr.ª Ministra, é a seguinte: considera que, hoje, os serviços e as forças de segurança estão dotados de meios humanos, técnicos, tecnológicos e financeiros para poderem desenvolver o trabalho que o Governo agora propõe nestas propostas? É que, de facto, com leis, mas sem meios, não vamos a lado nenhum.

2ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por referir que Os Verdes acompanham o Governo na necessidade de encontrar medidas de combate ao terrorismo. Temos, portanto, uma concordância de princípio quanto aos objetivos, desde que esse combate seja feito sem colocar em causa direitos, liberdades e garantais dos cidadãos. Este é o nosso limite.
Sobre as propostas do Governo, as mesmas assentam, por um lado, no ajustamento da ordem jurídica e na compatibilização de leis já existentes e, por outro, em propostas igualmente sobre matérias sensíveis mas com alterações mais profundas e mais substantivas, que devem ser abordadas com mais cautela e com mais reflexão, porque podem chocar com outros princípios, como é o caso das alterações propostas à lei da nacionalidade ou à lei da imigração, com novas restrições, tanto num caso como no outro.
Na lei da imigração, prevê-se, por exemplo, limitar as autorizações de residência ou alargar a pena acessória de expulsão, o que representa obviamente um retrocesso, do ponto de vista da nossa civilização, e cuja eficácia é, a todos os títulos, duvidosa.
Já quanto às alterações à lei da nacionalidade, temos fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade desta proposta. De facto, a criação de requisitos negativos de aquisição da nacionalidade, cujos fundamentos assentam em conceitos abertos e abstratos, como aqueles que constam da proposta de lei, ainda por cima para serem apreciados por uma entidade de natureza administrativa e sem qualquer intervenção judicial como garantia de defesa de direitos fundamentais, parece-nos de duvidosa constitucionalidade.
É que, quando falamos de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, estamos a reportar-nos a conceitos não diria indeterminados mas abertos e abstratos.
Mas também temos dúvidas sobre a proposta do Governo quanto à punição de acesso às mensagens de incitamento público à prática do terrorismo, através do sistema informático. O Governo pretende punir não só quem difunde a mensagem de incitamento mas também quem aceda à mensagem com intenção de ser recrutado para a prática de atos terroristas.
Estamos, portanto, diante de um caso de antecipação da tutela penal, o que, aliás, é aceitável, já que estamos a falar de fenómenos penais de risco. Portanto, o problema não reside aqui.
O problema é que não se faz a previsão de atos concretos e objetiváveis, capazes de permitir essa antecipação. Ou seja, não pretendendo formular qualquer juízo de valor sobre a proposta em si, e muito menos questionar a eficácia preventiva ou até mesmo repressiva da punição destes comportamentos, o que nos parece é que, neste caso, a ação material típica não se encontra, clara e objetivamente, definida, o que naturalmente dificulta, para não dizer que não permite, traçar a fronteira entre aquilo que é um comportamento punível e um comportamento não punível.
Está, assim, em causa o princípio da intervenção mínima e, portanto, estamos diante de uma solução de duvidosa constitucionalidade.
Até porque a antecipação da tutela penal exige a definição de critérios rigorosos e objetivos, pois, de outra forma, podemos colocar em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, abrindo, assim, a possibilidade de inclusive haver perseguição penal a pessoas que acedem a essas mensagens para outros efeitos e com outra intenção que não a prática de atos terroristas.
Ou seja, da forma como está construído, o tipo de crime proposto, a nosso ver, não delimita, de forma clara, as condutas puníveis e não puníveis.
Portanto, quanto ao combate ao terrorismo, todos de acordo, mas não a todo o custo, porque é necessário acautelar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e fazer esse combate dentro das regras constitucionais.
Para terminar, quero dizer apenas que Os Verdes acompanham o Governo em algumas das suas propostas mas não noutras, pelos motivos que, creio, ficaram agora claros.
Voltar