Pesquisa avançada
Início - Grupo Parlamentar - XII Legislatura - 2011/2015 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
Intervenções na Ar (Escritas)
Partilhar

|

Imprimir página
06/03/2015
Enriquecimento ilícito e combate à criminalidade e à corrupção
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Enriquecimento ilícito e combate à criminalidade e à corrupção
- Assembleia da República, 6 de Março de 2015 –

Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O combate à corrupção volta a marcar a agenda, volta a ser tema nesta Assembleia da República.
Temos, assim, pela frente a discussão de um importante pacote legislativo em matéria de combate à corrupção, um vasto e largo conjunto de propostas que vão desde o reforço do controlo de acréscimos patrimoniais não justificados ou não declarados dos titulares de cargos políticos e equiparados à transparência dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, até ao enriquecimento ilícito ou injustificado, passando, ainda, pelo reforço ao combate à criminalidade económica e financeira e pela extinção dos centros offshore.
Estamos, portanto, a discutir iniciativas legislativas que versam sobre matéria importante, algumas das quais já foram, aliás, objeto de discussão nesta Assembleia da República e até nesta Legislatura, mas nem por isso perdem a sua oportunidade e, sobretudo, a sua importância. Apesar de serem vários, os projetos em discussão, todos convergem, de uma forma ou de outra, num único propósito e num só objetivo: combater a corrupção.
Um combate que se impõe por imperativos éticos. Um combate que se impõe para melhorar a nossa democracia, tornando-a mais transparente e atribuindo mais rigor à gestão da coisa pública. Um combate para credibilizar as instituições da nossa democracia, mas também um combate na defesa e na afirmação de uma cultura de responsabilidade.
Em jeito de antecipação, mas certamente sem surpresa, porque Os Verdes estiveram sempre de acordo com as propostas aqui discutidas no que diz respeito ao combate à corrupção, quero dizer que Os Verdes acompanham globalmente todas as iniciativas legislativas hoje apresentadas e acompanham, portanto, os restantes grupos parlamentares neste elevado combate, que é o combate à corrupção.
Sem prejuízo da importância que as outras propostas revestem, Os Verdes pretendem destacar, por um lado, o conjunto de iniciativas que incidem sobre o enriquecimento ilícito ou injustificado e, por outro, aquelas que procuram reforçar o combate à criminalidade económica e financeira através dos centros offshore.
De facto, na nossa perspetiva, estas duas matérias assumem uma importância absolutamente decisiva no combate que todos reconhecemos ser necessário travar.
Comecemos pela criação do crime de enriquecimento ilícito ou injustificado, aplicável quer a funcionários públicos, quer a titulares de cargos políticos.
A criação deste tipo criminal pode não ser a solução para acabar com a corrupção, e certamente não será, mas reveste uma importância decisiva para o sucesso, no seu combate.
Na verdade, a impunidade com que os cidadãos, tantas vezes, vão assistindo ao enriquecimento «estranho» de pessoas que exercem funções públicas, não fragiliza apenas a ideia de justiça, acaba por descredibilizar também o conjunto das instituições democráticas, criando fortes desconfianças sobre o seu funcionamento.
É também por isso que entendemos que a transparência que deve nortear a gestão da coisa pública e, sobretudo, a responsabilização das pessoas que têm essa missão perante os cidadãos exigem, a nosso ver, a criminalização do enriquecimento ilícito.
Naturalmente que esta criminalização deve ser feita no respeito pelas garantias constitucionais, tanto a nível penal, como a nível processual penal, a começar pela presunção da inocência e tudo o que ela pressupõe, desde logo, o ónus da prova, que tem, obviamente, de recair sobre o Ministério Público.
Ora, a nosso ver, as iniciativas hoje em discussão, como, aliás, outras no passado, não procedem a qualquer inversão do ónus da prova e, portanto, pretendem promover o enriquecimento injustificado a crime, respeitando as garantias constitucionais.
Bem sabemos que o texto aqui aprovado em 2012, também com os votos favoráveis do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», acabou por ser declarado inconstitucional, apesar de entendermos que, nessa proposta, era ao Ministério Público que, no âmbito dos seus poderes de investigação, competia fazer prova da desproporção entre o património e os rendimentos normais que decorrem do exercício de determinada função e se essa desproporção fosse obtida de forma lícita, estaria obviamente excluída a ilicitude. Não havia, portanto, a nosso ver, inversão do ónus da prova.
Não foi, porém, esse o entendimento do Tribunal Constitucional, que, naturalmente, Os Verdes respeitam.
Ora, nas propostas hoje em causa, os proponentes apresentam soluções que procuram — uns mais do que outros, é verdade — dissipar quaisquer reservas de natureza constitucional.
No projeto de lei do PSD/CDS — que, a nosso ver, é o único que poderá apresentar um mínimo risco quanto à sua conformidade constitucional — não só se procura promover uma melhor e mais detalhada identificação dos bens jurídicos tutelados, como se caracteriza ainda com maior precisão o comportamento censurado, para além de se reforçar a garantia de que a prova dos elementos do crime compete exclusivamente ao Ministério Público.
No projeto de lei do PCP, o valor jurídico-penal que se pretende tutelar acaba por ser a transparência da aquisição de património ou de rendimentos de valor elevado, estabelecendo-se não só o dever da sua declaração às finanças, como ainda o dever de declarar a origem desse acréscimo anormal de património. Ou seja, o acréscimo patrimonial não constitui de per si qualquer presunção de ilicitude. Neste projeto de lei, o que se sanciona como ilícito é a falta de declaração ou da indicação da origem desse património, que, quando e se corrigido, dispensa a pena.
No caso do projeto de lei do BE — e ainda que, a nosso ver, não se tipifique propriamente o enriquecimento injustificado como crime —, sempre que houver uma disparidade suscetível de ser enquadrada como enriquecimento injustificado, torna-se necessário justificar a origem daquele enriquecimento, sob pena de o enriquecimento injustificado vir a ser tributado a uma taxa de 100%, para além de se prever uma agravação da pena nos casos em que se provar que houve falsas declarações ou omissão de informações relativas aos esclarecimentos sobre enriquecimento injustificado.
Estamos, assim, perante soluções que afastam quaisquer reservas do ponto de vista da constitucionalidade deste importante instrumento no combate à corrupção, que é o enriquecimento injustificado.
Cai, assim, por terra, estamos em crer, o único argumento de todos quantos, no passado, se opuseram à tipificação do enriquecimento ilícito como crime.
Estamos, portanto, em condições de dar um passo importante para moralizar a gestão da coisa pública, para tornar a nossa democracia mais transparente, para responsabilizar ainda mais as pessoas que têm a missão de gerir e tomar conta daquilo que é de todos, mas também para ir ao encontro de um sentimento generalizado nos portugueses, onde reina o desânimo e o desacreditar, perante a impunidade com que, tantas vezes, vão assistindo ao enriquecimento «estranho» de pessoas que exercem funções públicas.
Mas estamos ainda em condições de avançar no sentido de dar resposta a compromissos que o Estado português assumiu no plano internacional, desde logo ao nível das Nações Unidas, através da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
De facto, nessa Convenção das Nações Unidas, também conhecida como Convenção de Mérida, o Estado português assumiu o compromisso de introduzir o crime de enriquecimento ilícito na sua arquitetura legislativa, em matéria penal.
Recordo que essa Convenção subiu a Plenário nesta Assembleia, em junho 2007, tendo sido ratificada em setembro do mesmo ano. E quando aqui colocada a votação para ratificação, essa importante Convenção das Nações Unidas, através da qual Portugal assumiu o compromisso de elevar o enriquecimento ilícito a crime, mereceu a concordância de todas as bancadas deste Plenário.
Vamos, portanto, esperar que os projetos de lei hoje em discussão sobre esta matéria tenham o mesmo desfecho.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como tive oportunidade de referir no início desta intervenção, no conjunto dos projetos de lei que agora discutimos, Os Verdes pretendem destacar também a importância que, a nosso ver, assumem as iniciativas que procuram reforçar o combate à criminalidade económica e financeira através dos centros offshore. Na verdade, os offshore são a imagem da injustiça no sistema: enquanto uns poucos vivem em paraísos fiscais, a maioria das pessoas vive num verdadeiro e penoso inferno fiscal.
Mas, para além desta imoralidade e injustiça, os paraísos fiscais apenas servem para os grandes grupos económicos e as grandes fortunas criarem mecanismos altamente elaborados para fugir aos impostos ou para proceder ao branqueamento de capitais.
Bem sabemos que um Governo não pode, por si, impor o fim dos paraísos fiscais fora das suas fronteiras. Mas também sabemos que qualquer Governo pode e deveria ter a obrigação de canalizar esforços, junto dos restantes Estados e das organizações internacionais de que faz parte, para procurar medidas e encontrar soluções no sentido de acabar com os paraísos fiscais.
Não faz qualquer sentido que haja no planeta zonas absolutamente intocáveis, zonas onde a supervisão financeira não entra, onde a cooperação judicial fica à porta e onde os próprios Estados preferem fingir que não existem ou, então, que está tudo bem, que faz parte do sistema, que é assim, e pronto. Não pode ser.
Nem faz sentido, nem os cidadãos compreendem, como é que um simples contribuinte que se esquece das suas obrigações fiscais ou que não sabia que tinha de as pagar, neste caso, como a ignorância da lei a ninguém aproveita, é perseguido pelo Estado, e a nosso ver bem, mas, quando se trata da grande criminalidade fiscal, os Estados fingem que nada se passa.
Não pode ser, tem de haver formas de pôr fim a este verdadeiro e monstruoso pecado com perdão consentido.
Para tal, haja vontade e coragem política, porque o combate à corrupção também passa por aqui. Também tem de passar pelos paraísos fiscais, porque nada deve ficar de fora neste combate.
Para terminar, Sr.as e Srs. Deputados, quero dizer apenas que Os Verdes consideram que todas as contribuições que, de uma forma ou de outra, potenciem e reforcem a eficácia no combate à corrupção são sempre bem-vindas, mas também é necessário que respeitem as respetivas garantias constitucionais, tanto a nível penal, como a nível processual penal, o que, a nosso ver, sucede nos projetos hoje em discussão, ainda que haja, como referi, algumas reservas relativamente ao projeto de lei do PSD/CDS.
Voltar