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15/10/2008
Exploração de Urânio em Niza
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes
Reunião plenária de 2008-10-15
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
No próximo domingo, dia 19 de Outubro de 2008, o Estado português sentar-se-á, simbolicamente, no banco dos réus de um tribunal cívico, reunido em Nisa, que apreciará as responsabilidades do Estado português face aos passivos ambientais e sociais causados pela exploração de urânio em Portugal ao longo de muitas décadas.
É sabido como a exploração de urânio em Portugal, ao mesmo tempo que criou riqueza para o País e deu lucros às empresas que o exploraram, também deixou um pesadíssimo passivo ambiental e social atrás de si, com a contaminação radioactiva de solos, através da deposição incontrolada de toneladas de resíduos acumuladas em escombreiras e barragens, contaminado também aquíferos e constituindo um gravíssimo perigo de saúde pública para os mineiros, suas famílias e as populações das zonas das minas, designadamente na Urgeiriça, no distrito de Viseu.
Mas se, por um lado, felizmente, o passivo ambiental ali existente conheceu, nos últimos anos, alguns desenvolvimentos, muito graças a quem denunciou esta vergonhosa situação, a quem «Os Verdes» deram voz na Assembleia da República, exigindo investimentos para a resolver e, adicionalmente, para compensar aquela região e seus habitantes com o desenvolvimento sustentável a que também têm direito, pese embora estes ainda estejam longe da sua total resolução, a verdade é que, já no que toca ao passivo social e laboral, constituído pelo risco agravado de contraírem doenças do foro oncológico, neoplasias malignas, designadamente cancro de pulmão, que afecta muitas centenas de pessoas e já causou a morte a várias dezenas de trabalhadores das minas e seus familiares, a recusa na assumpção das responsabilidades tem sido ainda mais flagrante.
Em Março deste ano, o Partido Socialista demonstrou, mais uma vez, uma total insensibilidade social, também relativamente a este problema, ao chumbar várias iniciativas legislativas destinadas a dar um passo importante no reconhecimento do direito a todos os ex-trabalhadores das minas de urânio e da ENU, independentemente do momento em que cessaram o vínculo à empresa, a gozarem do regime específico de pensão de invalidez e velhice de 2005, que reconhece a especial perigosidade e danos a que estiveram sujeitos todos os trabalhadores, quer os de fundo de mina quer os de superfície, por exposição prolongada, ao longo de anos, ao minério radioactivo.
Infelizmente, esta questão não se fica, no plano social e de salvaguarda de saúde pública, apenas pelos direitos laborais dos trabalhadores, de todos os ex-trabalhadores. Também os seus familiares, pela coabitação nos bairros operários a escassos metros das minas ou das escombreiras, muitas vezes habitando em casas construídas com materiais radioactivos e que lhes foram vendidas pela própria empresa, apresentando níveis de radão muito acima dos limites máximos admissíveis, e os seus descendentes directos, já que os efeitos, infelizmente, podem passar de geração em geração, sofrem o perigo e partilham deste pesado passivo ambiental e social que marcou e marca toda uma região afectada.
Para com todas estas pessoas são justamente devidas da parte do Estado uma atenção e um respeito que têm faltado na total recuperação do passivo ambiental; no acompanhamento médico, em rastreios e vigilância; na integração de todos os trabalhadores afectados; e na devolução de oportunidades de desenvolvimento seguras e sustentáveis àquela região. Em todas estas matérias o Estado está em falta e tem de responder por tal.
Por tudo isso, o Estado português irá ser acusado, no próximo domingo, em Nisa, numa iniciativa promovida por várias associações locais e nacionais, com o envolvimento de mineiros, ex-mineiros e suas entidades representativas.
Mas este fórum não se limitará, certamente, a debater os passivos e responsabilidades públicas existentes.
A sua realização em Nisa relembra-nos a existência de interesses em iniciar a exploração de urânio na área daquele concelho do norte alentejano, perante os quais o Governo se tem mostrado pouco claro.
Depois de Viseu, Guarda, Coimbra e Castelo Branco, é agora Nisa que está na mira da exploração de urânio, um concelho que, dotado de enormes potencialidades de desenvolvimento sustentado nos seus recursos naturais endógenos, no património histórico, natural e paisagístico, nas Termas da Fadagosa, no Geopark Naturtejo e no Tejo Internacional, nos produtos agro-alimentares, como o famoso queijo de Nisa, no artesanato e no turismo, sendo nestes que aposta, e bem, para fixar as populações no seu território e combater a desertificação que o ameaça, com soluções sustentáveis, seguras, de longo prazo e que assentem nos agentes económicos da terra e podem trazer riqueza para todos.
Face a interesses económicos e empresariais, que, de vez em quando, vêm à superfície, revelando o desejo de ali iniciar um projecto de mineração uranífera, seria fundamental que o Governo esclarecesse, quanto antes, se existe, de facto, a intenção de permitir a exploração de urânio em Nisa.
A questão fundamental, do ponto de vista de Os Verdes, é pensar se, face ao que a história da exploração de urânio em Portugal demonstrou, aos impactos e perigos que esta apresenta e a um enorme passivo existente noutras zonas do País, antes de resolver integralmente todos os graves problemas existentes, se se pode ou deve pensar, desde já, em criar um novo problema.
Os Verdes saúdam, pois, finalmente, a iniciativa que várias associações tiveram de realizar o debate no próximo domingo, em Nisa, e exortam fortemente o Governo a vir a público manifestar qual a sua posição relativamente a esta matéria.
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