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19/06/2009 |
Interpelação ao Governo - Ambiente e Política Energética - Intervenção de Abertura |
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Intervenção de abertura – Interpelação de “Os Verdes” sobre ambiente e política energética do Governo –
proferida pelo Deputado Francisco Madeira Lopes na Assembleia da República a 19 de Junho de 2009
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Ministro do Ambiente,
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes” tomou a decisão de agendar esta Interpelação sobre Ambiente, Desenvolvimento e Política Energética do Governo no dia em que foi publicamente conhecido o aval político dado pelo Ministério do Ambiente ao Estudo de Impacto Ambiental da Barragem da Foz do Rio Tua.
A homologação política de Parecer Favorável Condicionado da Avaliação de Impacto Ambiental daquela Barragem, constituiu a gota de água que fez transbordar o limite da paciência face à incúria de um Ministério que, de Ambiente, tem cada vez menos.
Com este acto, que é apenas mais um duma cadeia de actos políticos danosos a que nos foram lamentavelmente habituando, o Governo carimbou mais um atentado ambiental, atentado ao potencial de desenvolvimento económico local, atentado ao património cultural da Humanidade classificado pela Unesco do Alto Douro, atentado a uma das mais belas linhas ferroviárias, a linha do Tua que tanto potencial de mobilidade e afirmação em si encerra, atentado à sustentabilidade social e ambiental do território e reafirmou aquela que tem sido a linha de força desta Governação: teimosia, arrogância e cegueira política. Teimosia pela insistência em opções energéticas que são falsas soluções para os problemas energéticos de Portugal. Arrogância que os leva a desprezar o coro de críticas de especialistas, académicos, ambientalistas, populações, associações locais e nacionais. Cegueira política de quem não quer ver quando os impactos negativos são claramente superiores aos benefícios prometidos.
A Barragem da Foz do Tua é o exemplo mais acabado disso mesmo, integrada no chamado Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico, um programa apresentado como verde e como novo mas que nem de novo nem de verde tem nada.
Apesar da vergonhosa mega campanha que a EDP e o Governo têm promovido, de publicidade enganosa, mobilizando avultados meios nas televisões, rádios, imprensa e Internet, com o intuito de ludibriar os portugueses, lavar a cara ao Programa ou afogar a sua má consciência, “Os Verdes” não se calarão na denúncia do que esta opção verdadeiramente representa.
Um Programa nacional de barragens que agrava a qualidade da água, num país em que 43% dos recursos hídricos de superfície se encontra em mau ou muito mau estado, como acontecerá necessariamente com a eutrofização (como alerta o Presidente da Administração da Região Hidrográfica do Norte) causados pelas barragens e agravados pelos cenários de seca que são expectáveis.
Um Plano que descarta por completo a gestão por bacia já que se antecipa aos Planos de Ordenamento de Bacia Hidrográfica, ainda inexistentes, e que deveriam ser o instrumento basilar e prévio de ponderação e definição de estratégias e prioridades em relação aos nossos rios, nomeadamente no que toca à construção das infra-estruturas mais pesadas e destruidoras que se podem impor a uma linha de água e cujos impactos profundamente negativos são por todos reconhecidos.
Que desconsidera os cenários do IPCC para Portugal que apontam uma redução da capacidade de produção hídrica por falta de chuvas em 20% até 2020 e de 50% até 2070, o que tornará ainda mais diminuto e pouco significativo o seu futuro contributo energético e climático.
Que dá de barato por aceitáveis os impactos directos na Biodiversidade, na fauna piscícola, avícola e outros vertebrados, na flora rupícola, nos solos agrícolas e florestais, como sumidores de CO2 e suporte de habitats.
Não se fala nem nunca foram avaliado os impactos no regime de inertes e transporte de areias para o litoral, factor fundamental de protecção da nossa costa contra a erosão e que será enormemente agravado com mais barragens, nomeadamente na Região Hidrográfica da Bacia do Douro a qual é já a mais sacrificada a nível nacional, e que tem custos inclusivamente económicos pesadíssimos (veja-se os milhões que temos que alocar em planos de defesa da costa e transporte artificial de inertes por rodovia para encher praias).
Nunca este Ministério fala ainda no CO2 e óxido nitroso que as barragens produzem nas águas paradas com decomposição de matéria orgânica e na produção de metano 20 vezes pior do que o CO2 para o efeito estufa. Em muito não se falou e não se ponderou.
Por outro lado, acena-se às populações e aos autarcas com promessas de criação de emprego e de grande desenvolvimento, designadamente turístico, mas, infelizmente, como a realidade das 65 barragens já hoje existentes demonstrou à saciedade, a verdade é que após o período inicial da construção da barragem, em que são criadas de facto algumas centenas de emprego mas temporários, muitas vezes precários e que em geral não absorvem sequer o desemprego criado na região com a destruição de postos de trabalho permanente, segue-se sempre um período de acentuada depressão económica e social.
Os Concelhos que viram território seu inundado, incluindo povoações, floresta e campos agrícolas, estão entre aqueles que conheceram maior processo de despovoamento e desertificação. É o caso do Concelho de Carrazeda de Ansiães, que conta com a Barragem da Valeira há 30 anos, e é só o Concelho do vale do Tua com piores indicadores de desenvolvimento e de interioridade, tal como destaca o próprio Estudo de Impacto Ambiental. Podemos ainda lembrar as Freguesias de Abrantes em torno de Castelo do Bode, que conheceram um acentuado despovoamento desde a barragem, as aldeias de barragistas abandonadas em Carrapatelo, Cinfães e Marco de Canaveses, Bemposta, Picote ou Bagaúste. Podia continuar pois o cenário é praticamente sempre o mesmo. A barragem traz lucros para a concessionária, mas quase nunca trouxe ou traz desenvolvimento a médio longo prazo para a região onde é implantada bem pelo contrário…
Por outro lado, a grande bandeira hasteada pelo Governo e pela EDP é o contributo das barragens na produção renovável, dita limpa, e seu contributo para o combate às alterações climáticas.
O Problema, é que, os pressupostos nos quais o governo se baseia são falsos. A Hídrica não é verde nem limpa pois é das que tem maiores e mais profundos impactos, já referidos. Há cada vez mais vozes a defender que a Hídrica não deveria, em bom rigor, sequer ser considerada renovável já que degrada a fonte energética. As 10 novas barragens, apesar da destruição que vão causar, do investimento que vão exigir, do tempo que vão demorar a construir, apenas vão produzir 1% do total de consumos energéticos, e não chegam sequer a representar 1% do valor das emissões de gases com efeito estufa estabelecidos no acordo base de Quioto!
É isto que o Governo nos oferece! É isto que o Governo oferece ao país. Investir 3.000 milhões de Euros para responder a 1% da procura energética!
Toda a gente sabe que os piores sectores em desperdício energético e emissões de CO2 são os transportes e os edifícios. É absolutamente criminoso, em vez de apostar numa política forte, consequente, estruturada e planeada, de apoio aos transportes públicos e à poupança e eficiência energética, com um potencial nacional de correcção possível na ordem dos 20 a 40%, preferir responder dando a prioridade às barragens.
Mesmo a energia solar, que o governo agora quer embandeirar em arco, e para a qual acordou tão tarde, continua sem contar com um Plano Estratégico e consequente no país que tem só a maior exposição solar da Europa e apesar disso está a anos luz da Alemanha, Áustria ou Grécia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
O que está aqui hoje em causa é perceber que no plano energético e das alterações climáticas é possível fazer mais, melhor, mais depressa e com menos recursos do que o Governo está a fazer, com menos impactos ambientais e mais vantagens sociais.
O que está em causa é perceber que o Sr. Ministro do Ambiente desistiu, também nesta matéria, de assumir as suas responsabilidades, demitindo-se do seu papel de defender os valores, bens públicos, o património e recursos naturais que lhe foram confiados, seja na área do ordenamento do território, no combate às alterações climáticas, no ambiente e conservação da natureza, na defesa da água e dos recursos hídricos.
O Sr. Ministro do Ambiente, ao longo deste mandato foi muitas coisas. Foi Ministro da Economia, Ministro das Privatizações encapotadas de concessões pelo tempo de uma vida humana, Ministro do Turismo, Ministro dum Qren invisível, Ministro das Suspensões dos PDM, Ministro dos PIN, etc., Ministro de tanta coisa que se esqueceu de ser Ministro do Ambiente.
Esqueceu-se que o Ambiente não é, nem pode ser encarado apenas como mais uma oportunidade de negócio, numa lógica de que todo o património e recursos do território, do domínio público hídrico às áreas protegidas, deve ser posto à venda ou a saque no mercado privado, ao serviço apenas do lucro de alguns em vez de estar ao serviço do interesse geral de todos os portugueses.
Esqueceu-se o Sr. Ministro que o Ambiente é um pilar fundamental do próprio desenvolvimento, da qualidade de vida das populações, da saúde pública, da segurança, mas, antes de tudo isso, da própria subsistência da vida humana e selvagem no nosso planeta, dependente da boa saúde e capacidade dos ecossistemas se regenerarem.
O Sr. Ministro provou, de facto que, consigo, o Ambiente vem sempre em segundo lugar quando em confronto com os interesses económicos.
À semelhança de outros Ministros seus colegas, Ministros de consenso, como os da Agricultura ou da Educação que conseguiram juntar e pôr todas as organizações representativas dos agricultores e sindicatos de professores a uma só voz a criticar o Ministério, também todas as Associações de Ambiente criticam não só o Plano nacional de barragens mas principalmente a errada política energética que perdeu de horizonte por completo as preocupações ambientais e a aposta no Desenvolvimento Sustentável. E isso, neste momento crucial do nosso país e do planeta é absolutamente inaceitável e incomportável. Não é assim que vamos responder a esta crise ambiental e energética e apenas vamos deixar uma herança ainda mais pesada para os nossos filhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Nesta altura, como é óbvio, Sr. Ministro não faz nenhum sentido pedir a sua demissão nem é o que pretendemos. Não apenas por que estamos no final da legislatura mas sobretudo porque esta não é apenas a sua política, é sobretudo a política do Governo de Sócrates que no essencial não mudaria com a mudança de Ministro e que vai, estamos convictos, ser fortemente penalizada nas urnas no tempo próprio que não vem longe.
Com esta Interpelação “Os Verdes” cumprem a sua obrigação de denúncia de um caminho errado, mas principalmente de proposta de uma alternativa energética ambientalmente sustentável que é possível e urgente e que queremos construir como alternativa política.