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07/03/2007 |
Interpelação ao Governo sobre “Desenvolvimento Rural e Agricultura” |
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Interpelação ao Governo sobre “Desenvolvimento Rural e Agricultura” Intervenção de abertura Deputado Francisco Madeira Lopes
7 de Março de 2007, Assembleia da República
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,
Se há quem debata hoje se foi a descoberta da agricultura que levou durante a revolução do Neolítico à fixação do homem à terra ou, pelo contrário, se foi do assentamento com carácter de permanência de comunidades humanas em certos locais que, conduzindo ao esgotamento dos recursos naturais por via da recolecção, obrigou o homem a virar-se para a agricultura como último recurso, ninguém certamente dúvida que a actividade agrícola desempenha ainda um fundamental papel, a diferentes níveis, no desenvolvimento e na sustentabilidade das sociedades humanas.
A importância da agricultura para a humanidade é absolutamente inegável enquanto primeira fonte de alimento e de subsistência do homem, enquanto actividade produtora de múltiplos recursos indispensáveis, de riqueza e de bem-estar e enquanto factor de fixação do homem ao solo, no quadro fundamental dum correcto ordenamento do território e aproveitamento integral e sustentável das potencialidades que o mesmo encerra, com evidentes benefícios aos níveis social, económico e ambiental.
Contudo, apesar desta inegável importância, a agricultura nacional não tem merecido a devida atenção por parte do poder político, nem tem sido devidamente defendida e estimulada pelos sucessivos Governos.
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, ciente de que o rumo do desenvolvimento ambiental e socialmente sustentável passa necessariamente pela existência de uma agricultura e de um mundo rural vivos, entendeu usar a sua Interpelação Parlamentar ao Governo para o confrontar com a preocupante situação vivida no sector e sobre as futuras orientações políticas nacionais, que ditarão, ou não, uma inversão de sentido, nos próximos sete anos, com o novo Quadro Comunitário de Apoio.
Ao longo dos últimos vinte anos assistimos ao progressivo abandono dos campos, dos terrenos agrícolas e florestais e do mundo rural, ao despovoamento de vastas zonas do interior do país, ao avanço da desertificação e da erosão pelo nosso território, à perda de riqueza, destruição de ecossistemas e perda de biodiversidade, à diminuição da floresta e em particular das folhosas como os carvalhos, castanheiros ou a azinheira, à desprotecção dos recursos hídricos e ao alastrar dos incêndios florestais em proporções e com consequências profundamente preocupantes à escala local e nacional.
Associada a uma política que tem sido das mais negras bandeiras deste Governo de desmantelamento de serviços públicos que garantem direitos sociais, desde os mais importantes e significativos como o direito à educação, com o fecho de escolas, ou o direito à saúde, com o encerramento de salas de parto e de atendimentos de urgência, até aos mais variados serviços de correios, finanças, polícias, etc. e também as previstas concentrações e encerramentos de serviços, nomeadamente do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas que contrastam com a inexistência de um serviço nacional de extensão rural e com a falta de apoio à maioria dos pequenos e médios agricultores, tem contribuído decisivamente para um despovoamento acentuado do nosso mundo rural com todas as consequências nefastas conhecidas.
Ao mesmo tempo, numa dicotomia bem conhecida de falta de coesão territorial, a concentração da população no litoral, em aglomerados urbanos de vária dimensão, acarreta por sua vez complexos problemas que vão desde as dificuldades de mobilidade pelo trânsito caótico nas grandes urbes, ao desemprego, à falta de espaços verdes e bom ambiente urbano, com consequências negativas na saúde e na qualidade de vida das populações, grandes concentrações de emissões e descargas poluentes e uma excessiva e desregrada actividade de construção, betonização e impermeabilização de solos, associada aos fenómenos da especulação imobiliária e desrespeito pelas mais elementares normas e planos, que constitui a outra face do desordenamento do território que sofremos em virtude da recusa do Estado em assumir as suas responsabilidades nesta matéria.
É uma realidade que radica essencialmente na falta de noção e de compreensão de que o solo é, tal como a água, um bem escasso e, como tal, absolutamente precioso.
Como bem precioso e escasso que é, o solo deve ser protegido e reservado cada metro quadrado para os usos mais adequados à respectiva aptidão.
É absolutamente criminoso, sabendo que os melhores solos com aptidão agrícola são extremamente reduzidos no nosso país, que se promova a destruição irreversível de solos de elevado potencial agrícola, como o Governo tem pretendido fazer, para neles implantar infra-estruturas, de interesse público muitas vezes duvidoso ou pelo menos discutível, como sejam as plataformas logísticas ou a famigerada linha de alta velocidade, falhando na demonstração inequívoca, como é sua obrigação, da bondade da localização, ou da inexistência de alternativas viáveis sustentadas em rigorosos estudos de impacte ambiental.
É uma realidade que importa, que é urgente, que é fundamental alterar. Portugal precisa de um mundo rural povoado, habitado e vivo, que crie riqueza e emprego, com oportunidades de desenvolvimento sustentável, que aposte nas nossas vantagens competitivas, não apenas no turismo de luxo e muito menos em mega-empreendimentos turísticos invariavelmente com campos de golfe, mas nas mais valias e especificidades da agricultura e da floresta portuguesas, nas potencialidades das nossas áreas protegidas e classificadas, nas nossas culturas e espécies tradicionais, nos nossos produtos regionais de qualidade, nas práticas culturais sustentáveis.
Mas um mundo rural, necessita naturalmente de agricultores, e de pequenos e médios agricultores, e não apenas de grandes empresas agrícolas a agir no grande mercado global.
Precisamos da agricultura familiar, com rosto humano e multifuncional, oferecendo diversidade e proximidade de produtos e alimentos de qualidade, preservando a nossa identidade cultural e gastronómica, de agricultores que povoem o território de forma equilibrada e harmoniosa, que cuidem, vigiem, conheçam e respeitem o meio agrícola e o ecossistema no qual e com o qual trabalham, e que desempenhem, com a justa e condigna remuneração, todo um conjunto de funções sociais e ambientais indispensáveis que vão muito para além da mera função produtiva, como o controlo do flagelo dos fogos florestais.
Infelizmente, na União Europeia a 25, desaparece 1 Agricultor a cada minuto que passa.
Precisamos igualmente de abandonar gradualmente a lógica de produção intensiva e em massa responsável pelos escândalos e alarmes alimentares conhecidos das vacas loucas, dos frangos com dioxinas, dos porcos com antibióticos ou até dos riscos de pandemias como a gripe das aves, e de resistir, em nome do princípio da precaução da saúde e do ambiente, à introdução de culturas geneticamente modificadas na agricultura que as multinacionais agro-alimentares querem impingir aos agricultores para lhes retirar a liberdade e o direito ancestral a cultivar e reproduzir sementes.
O modelo vigente da Política Agrícola Comum e da União Europeia ao longo deste últimos vinte anos, não apoiou sempre os agricultores que mais necessitavam, nem promoveu sempre as práticas agrícolas mais sustentáveis, antes fomentou desigualdades, injustiças e paradoxos com regimes de quotas na produção ou ajudas para a não produção, gerando realidades insólitas e absurdas como a de existirem mais de 1500 grandes proprietários a receberem milhões de euros por ano, sem qualquer obrigação de produzir!
Foram políticas como essas, submetidas aos ditames da Organização Mundial do Comércio, desajustadas das necessidades dos agricultores portugueses e do interesse nacional que ao longo destes 20 anos de adesão à União Europeia que, convertendo a nossa agricultura em moeda de troca em negociações internacionais, comprometeram a nossa auto-suficiência alimentar.
Portugal é hoje um país que importa cerca de 75% do que consome a nível alimentar, incluindo produtos agrícolas e animais, com evidentes prejuízos para a Balança Comercial, e que é por esta via profundamente dependente do exterior, também a nível da alimentação, em que nem sequer está garantido, na prática, o direito a consumir produtos produzidos localmente e é verdadeiramente posta em causa a nossa soberania alimentar.
Esta é a situação actual: um país cuja agricultura e cuja maioria dos agricultores atravessam efectivamente uma grave crise há longos anos e em que as perspectivas para o futuro não são as melhores.
Com efeito, só nos últimos 2 anos de Governação do PS os agricultores portugueses tiveram que suportar:
- O pior ano agrícola de que há memória, em 2005, com a Seca extrema em relação à qual o Governo pouco mais fez do que antecipar ajudas que já estavam previstas não tendo acorrido com medidas específicas;
- O aumento do custo dos factores de produção, nomeadamente do gasóleo e electricidade;
- A subida exponencial da Segurança Social que aumentou em quase 50% para os agricultores o que tem empurrado muitas pessoas, com as mulheres à cabeça e em primeiro lugar, para fora do regime contributivo;
- O congelamento e em muitos casos a baixa dos preços dos produtos agrícolas na produção, por força da abertura dos mercados e das regras da OMC não acompanhada necessariamente da baixa do preço ao consumidor final, revertendo sempre a mais valia para a indústria e intermediários.
De acordo com dados da EUROSTAT divulgados no ano passado, o rendimento dos agricultores portugueses caiu 12% em 2005. Portugal foi, na Europa a 25, o país onde os agricultores ficaram mais pobres tendo-se registado novas quebras na produção (- 4,8%) e novo aumento dos factores de produção (+ 1,9%).
E mesmo em 2006, em que as condições climatéricas foram mais favoráveis, o rendimento agrícola apenas subiu cerca de 1,2%, ou seja abaixo de metade da média Europeia que se situa nos 2,6%.
A verdade nua e crua é que, ano após ano, os agricultores portugueses estão cada vez mais pobres, mais envelhecidos e mais distantes dos seus congéneres da UE.
Segundo os dados do INE, efectuado em 2005 e divulgado no final de 2006, desapareceram 92 mil explorações agrícolas nos últimos sete anos e houve uma redução da população agrícola familiar de 30%!
E perante este quadro profundamente preocupante o que é que este Governo PS fez pela agricultura Portuguesa nos últimos dois anos?
- Reduziu o Orçamento da Agricultura para 2007, em 238 milhões de euros, ou seja, cerca de 10% a menos, a qual somada aos 211 milhões de euros (- 8%) perdidos em 2006 relativamente a 2005, e tendo ainda em conta as estimativas de inflação para 2006 e 2007, em 2,5% e 2,1% respectivamente, permite afirmar, que o orçamento do Ministério da Agricultura perdeu, em apenas 2 anos deste Governo, qualquer coisa como 566 milhões de euros (-21,6%), ou seja, mais de um quinto do seu valor total;
- Em nome da poupança e do sacrosanto défice, o Governo fechou antecipadamente (antes do fim do QCA III) os programas de investimento AGRIS e AGRO, originando uma descida drástica no número de novas candidaturas aprovadas em 2005 e 2006, negando assim importantes ajudas ao investimento;
- Não assumiu os compromissos nem tem pago a tempos e horas os serviços assegurados pelas Organizações de Agricultores, em substituição e desonerando o Ministério da Agricultura, designadamente nas áreas da formação profissional com milhares de euros de dívidas, asfixiando e penalizando fortemente o sector associativo;
- Decidiu desmantelar a sua própria estrutura com o encerramento de Zonas Agrárias e Direcções Regionais de Agricultura;
- Suspendeu a Ajuda à Electricidade Verde (para apoio às explorações agrícolas existente há cerca de 12 anos) em Fevereiro de 2006 e com efeitos retroactivos a contar desde Setembro de 2005, ou seja na prática há um ano e meio, sob o pretexto da existência de irregularidades em 45%, não dos agricultores beneficiários, mas de uma pretensa amostra, cujo universo de agricultores abrangidos até hoje não se conhece, realizada no âmbito de uma auditoria, cujos resultados ainda ninguém conhece, porque o Sr. ministro nunca os revelou, preferindo colocar em causa a imagem e o bom nome de todos os agricultores Portugueses em vez de punir apenas os prevaricadores e fazer justiça aos restantes repondo a ajuda;
- Decidiu inviabilizar, para 2006, a existência de novas candidaturas às Medidas Agro-ambientais e decidiu não pagar as que já tinham sido feitas em 2005 justificando a decisão com a falta de orçamento e acrescentando a injustiça desta medida que iria beneficiar cerca de 1.000 grandes latifundiários, esquecendo-se porém de referir que por acréscimo prejudicariam também cerca de 20.000 pequenos e médios agricultores, que assim viram também, ser-lhes recusado, o pagamento destas ajudas.
É caso para dizer que se as coisas não iam bem para os agricultores portugueses este Governo conseguiu decisivamente piorar as coisas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
É neste cenário que o Governo se prepara para apresentar o Programa de Desenvolvimento Rural - PDR, instrumento de gestão dos fundos comunitários na área da agricultura, floresta e do mundo rural para os próximos sete anos, persistindo nos erros do passado e ignorando o coro de criticas, que pela primeira vez une Organizações de Agricultores e Associações de Ambiente, não verificando que está praticamente sozinho na defesa deste instrumento.
Com efeito, é notório que o PDR apresentado não serve o desenvolvimento rural, nem o ambiente, nem a agricultura portuguesa.
A ênfase colocada no objectivo da dita competitividade, ao qual são afectas quase metade (45,9%) das verbas, demonstra que a preservação do ambiente, da biodiversidade e da paisagem rural, a produção agrícola de qualidade e segura, bem como a fixação de populações no interior, não constituem a prioridade deste PDR que privilegiará a quantidade, a rapidez e o baixo preço mais competitivos, em detrimento da qualidade e da sustentabilidade ambiental.
A forte quebra do investimento público nas Medidas Agro-Ambientais, reduzido para menos de 1/3, com perda de cerca de 515 milhões de euros face ao período anterior, 2000/2006, e com a redução de 21 para apenas 3 medidas, é uma morte anunciada das mesmas em completa contradição com os discursos e directrizes comunitárias.
Da mesma forma, é profundamente preocupante que os incentivos à gestão agrícola e florestal adequada para a Rede Natura 2000, que corresponde a mais de 20% do território nacional e a 13% da área agrícola, e que estão previstas nas Intervenções Territoriais Integradas (ITI’s), contem apenas com uns modestos 141 milhões de euros para sete anos, o que pouco ultrapassa os 3% do total da despesa pública do PDR, com a agravante de que apenas 8 das 20 áreas da Rede Natura serão abrangidas!
Por outro lado, a exigência de empresarialização da estrutura produtiva agro-florestal, completamente desajustada da nossa realidade e das nossas potencialidade endógenas agro-rurais terá inevitavelmente repercussões negativas a nível do aproveitamento dos fundos pelos agricultores e silvicultores.
Com este PDR, aliado à Estratégia Nacional para as Florestas, este Governo demonstra não ter aprendido nada com a lição dos fogos florestais absolutamente incontroláveis nas grandes manchas de contínuo florestal de pinho e eucalipto, ao privilegiar a industrialização e a especialização do território, destinando grande parte do território nacional à produção lenhosa intensiva, em detrimento da floresta de uso múltiplo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Depois de cortar no investimento, por falta de previsão no Orçamento de Estado, nos dois últimos anos do QCAIII, inviabilizando candidaturas aos programas AGRO e AGRIS, os atrasos, na entrega e discussão do PDR, levarão finalmente à sua não aplicação na prática em 2007, o que significa que teremos praticamente três anos seguidos de completa ausência de investimento na agricultura e no mundo rural com componente comunitária (num momento em que será previsivelmente o último grande quadro de apoio face aos alargamentos).
Prevê-se para 2008 uma nova reforma da PAC que previsivelmente, e à imagem das anteriores, não augura nada de bom para a agricultura portuguesa, pelo que seria fundamental contar com um PDR que não fosse apenas um pálido paliativo para disfarçar a situação de gravidade existente no mundo rural português e antes respondesse à necessidade um Desenvolvimento Rural autêntico, o que só é possível com Agricultura, com Agricultores e, o que é cada vez mais claro, com de políticas agrícolas alternativas, que se tornam cada vez mais urgentes para o defender, enquanto ainda é tempo.