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06/07/2006 |
Interpelação ao Governo sobre Política de transportes |
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Intervenção de abertura
Deputado Francisco Madeira Lopes
INTERPELAÇÃO DOS VERDES AO GOVERNO SOBRE POLÍTICA DE TRANSPORTES E DE MOBILIDADE
6 de Julho de 2006
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados,
Há um século, em Portugal, a maior parte das pessoas vivia a quase totalidade das suas vidas circunscritas a uns poucos Kilómetros quadrados, nascendo, crescendo, aprendendo, trabalhando, casando e morrendo praticamente na mesma localidade ou região, num tempo em que era outro o ritmo, a pressa, o tempo e o espaço.
As dificuldades de comunicação, transportes e de mobilidade eram há 100 anos enormes e o mundo era de facto maior. Tudo ficava mais longe do que hoje. Era desconhecido e inalcançável. A imobilidade física no espaço e no tempo, andava a par com a imobilidade social, e a dificuldade de operar uma mudança de vida e de melhoria das condições sócio-económicas de cada um. Talvez também por isso, se desse mais valor à terra onde se habitava e trabalhava e, em virtude da escassez de bens e de recursos, tudo fosse melhor aproveitado, cuidado, estimado e rentabilizado ao máximo. Tempos difíceis de um Portugal essencialmente rural, pobre, analfabeto e isolado, onde a única oportunidade de fuga à miséria e em busca de uma vida melhor para muitos, residia na emigração. Foi esse Portugal atrasado que 48 anos de ditadura fascista, metade do Século XX, de 1926 a 1974, ajudou a perpetuar, agravando ainda mais o fosso que nos separava e ainda hoje separa do resto da Europa.
Hoje os tempos são outros. Não há dúvida que Portugal cresceu e se desenvolveu, principalmente nestes 30 anos de Democracia. Mas a verdade também é que, ao longo destes últimos 30 anos, a esse crescimento frequentemente não correspondeu um desenvolvimento sustentável, equilibrado, com qualidade, tal como não se produziu a efectiva melhoria das condições de vida a que o povo português legitimamente aspirava e esperava alcançar quando rasgou a negra cortina do fascismo.
Com efeito, o crescimento a que assistimos, foi na maioria das vezes apenas um crescimento de betão, desregrado, desequilibrado e anárquico, alheio a qualquer regra de planeamento urbanístico ou de correcto ordenamento do território, tornando os centros urbanos locais congestionados, desumanizados, cinzentos e com graves problemas, associado por outro lado a um crónico movimento de migração interna do interior para o litoral, provocando o abandono, o despovoamento e a desertificação da maior parte do território nacional, o que necessariamente criou um país a duas velocidades assente em profundas desigualdades territoriais e assimetrias regionais, ambas comportando, cada uma ao seu nível, alguns dos mais graves problemas com que hoje nos defrontamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
É preciso, antes de mais nada, lembrar que alguns dos mais graves problemas com que Portugal hoje se defronta estão intimamente ligados ao modelo de desenvolvimento económico, social e ambiental que tem sido adoptado do qual faz parte integrante o modelo e as políticas de transporte e mobilidade que têm vindo a ser seguidas e implementadas nos últimos anos.
É preciso lembrar que as emissões para a atmosfera de gases com efeito estufa, à frente dos quais, o dióxido de carbono, têm no sector dos transportes o seu principal responsável, ou seja de acordo com os dados do próprio Governo, 35% dos Gases com Efeito Estufa que emitimos têm a sua origem na queima de combustíveis fósseis por veículos com motores de combustão, principalmente gasolina e gasóleo. Além disso, o sector dos transportes foi aquele que mais aumentou nos últimos anos as suas emissões, podendo, por isso, sem desconsiderar os restantes sectores (designadamente o industrial e a produção energética) ser considerado o principal responsável pela situação de não cumprimento em que Portugal se encontra neste momento e provavelmente vai se encontrar em 2012 face aos compromissos assumidos no âmbito do acordo de partilha de responsabilidades a nível da União Europeia relativamente a Quioto.
Portugal sofre, além disso, de níveis de dependência energética do exterior extremamente graves, num contexto de uma crescente escalada de consumos, aliada a usos ineficientes e desperdícios assustadores, assente numa carbonização excessiva da economia, ligada a modelos de produção e pseudo-desenvolvimento privilegiando a rapidez e o facilitismo, colocando-nos à mercê das flutuações e subidas crescentes do mercado do petróleo com a volatilidade das instabilidades da cena internacional.
Novamente, não menorizando o papel dos outros recursos energéticos, a importação energética assenta de forma monstruosa sobre as energias fósseis e, dentro destas, principalmente no petróleo que representa 60% do total de consumo energético, o qual ocorre primordialmente, mais uma vez, com uma quota de mais de 66%, nos transportes.
A falta de um correcto ordenamento do território conduziu a um aumento das distâncias percorridas diariamente nos movimentos pendulares entre casa e o trabalho, constituindo um factor de enorme desgaste, perda de tempo, roubado à produtividade ou ao lazer e à família, desperdício energético e falta de competitividade económica.
Importa ainda referir as graves consequências a nível de saúde pública originadas pela poluição atmosférica, principalmente nos centros urbanos, com o aumento da incidência de doenças crónicas das vias respiratórias e alérgicas, cancro e do stress de quem passa em média, por dia, todos os dias, 1h40m no trânsito, importando um impacto enorme e incalculável, contribuindo fortemente para degradar a qualidade de vida e encurtar a vida dos portugueses, já para não falar da hecatombe dos acidentes rodoviários que todos os anos ceifam vidas e mutilam corpos e vidas.
O excessivo crescimento do sector rodoviário, face a outras modalidades de transporte, como o ferroviário, e as políticas erradas que têm sido seguidas com responsabilidades para os sucessivos Governos da direita e do Partido Socialista que as têm implementado, na área dos transportes públicos, têm empurrado o cidadão individual progressivamente para o automóvel particular, o que constitui um dos principais problemas da nossa sociedade de hoje.
Sucessivas políticas de desinvestimento do Poder Central, a não concretização em sede de orçamento de estado das verbas necessárias e respectiva fundamentação criteriosa, o contínuo aumento de preços das tarifas e passes sociais para os utentes muito acima da inflação e ainda mais das actualizações salariais ou das pensões, de privatizações a retalho dos sectores mais lucrativos sem a correspondente exigência de cumprimento, qualidade e cobertura territorial do serviço público, a desestruturação e desmembramento de serviços e entidades, fecho de linhas e de horários, não garantia dos direitos dos trabalhadores do sector, conduziram à progressiva degradação do transporte público, tornando-o cada vez mais, uma opção pouco segura, pouco confortável, pouco atraente e acima de tudo absolutamente incapaz de dar resposta cabal às verdadeiras necessidades de mobilidade dos cidadãos.
Esta situação não pode ser menorizada nem escamoteada, pois o que está em jogo é a realização ou, neste caso, a não realização, de um superior interesse público ao qual é necessário responder de forma eficaz, geograficamente acessível e socialmente justa, porque, convém, não esquecer, a mobilidade deve ser vista como um direito fundamental, direito este instrumental no acesso a numerosos bens e serviços fundamentais e na possibilidade de exercer outros direitos, do qual não podem estar excluídos quaisquer cidadãos por razões de poder económico, de idade, instrução ou de localização geográfica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
É fundamental reconhecer que o sector dos transportes públicos atravessa uma crise profunda; e que essa crise, associada ao exponencial uso do automóvel particular é uma das causas e está intimamente relacionada com os problemas, consequências nefastas e causas referidas, tal como é necessário reconhecer que este modelo de crescimento, que não corresponde a um verdadeiro desenvolvimento, está esgotado e precisamos urgentemente de alterar o paradigma.
“Os Verdes” querem deixar desde já muito claro que a nossa intenção com esta Interpelação ao Governo não é obrigar o Sr. Ministro a repetir o que já antes disse em relação aos grandes projectos nacionais da OTA, TGV ou das Autoestradas Marítimas, sem prejuízo do muito que ficou por dizer e por explicar, mas acima de tudo de abrir uma oportunidade para se centrar o discurso nos problemas que afectam a mobilidade dos portugueses, que afectam de forma profunda e determinante a vida das pessoas, estudantes, trabalhadores, reformados, cidadãos, todos os dias, e que neste momento constitui um verdadeiro entrave ao desenvolvimento, à coesão social e territorial.
É urgente inverter o preocupante rumo que o nosso país tomou, particularmente nos últimos dez anos durante os quais o transporte colectivo deixou de ser o meio mais utilizado para ceder esse lugar de honra ao automóvel particular responsável por 95% do total de emissões no sector dos transportes e um dos grandes responsáveis pelo falhanço de Portugal em relação às metas de Quioto. Todos os dias entram em Lisboa mais de 400 mil carros e no Porto mais de 175 mil, 80% dos quais transportando apenas uma pessoa.
Infelizmente, apesar de no discurso o Governo por diversas vezes se declarar extremamente empenhado em alterar este paradigma, em combater a poluição atmosférica, sonora, o mau ambiente urbano, as alterações climáticas, a dependência energética, em resolver os problemas da falta efectiva de mobilidade, a verdade é que esta tarefa não tem constituído uma prioridade do Governo, e mais concretamente do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Muito longe disso, infelizmente! Não tem constituído uma prioridade nem sequer no discurso do marketing e da propaganda, no qual tem andado azafamado o Governo com o anúncio de grandes projectos de infra-estruturas salvadores da pátria como a OTA e o TGV, e muito menos na acção ou na tomada de medidas concretas.
Rejeitando que lhe compita sequer dar opinião acerca de certas medidas de desincentivo do uso do automóvel particular, deixando o odioso de algumas dessas medidas para os autarcas, por serem manifestamente impopulares, como é o caso das portagens à entrada das cidades, (e justamente impopulares porque inexistindo alternativas viáveis ao automóvel não passará de mais uma forma de sobrecarregar ainda mais as famílias, que neste momento já encaminham uma média de cerca de 20% do seu orçamento familiar para os transportes, para além de já terem contribuído para o erário público através dos impostos), o Ministério, que para além das Obras Públicas também é dos Transportes (convém lembrar não vá cair no esquecimento), não assume sequer aquela que, lá vai reconhecendo de vez em quando, nos intervalos da apresentação das obras megalómanas, ser a sua tarefa: a de incentivar o uso do transporte colectivo.
Com efeito, não se conhece até à data uma única medida tomada ou sequer anunciada que vá no sentido de mudar o actual paradigma de mobilidade. Antes pelo contrário. Tudo o que se conhece tem a ver com a mesma política de continuidade, de aceitação pacífica do actual status quo, em que o modo rodoviário é rei e senhor e os cidadãos não têm na maior parte dos casos alternativas viáveis ao carro particular. É significativo que, de acordo com dados do Eurostat 2004, em 2001 Portugal era o 4º país da Europa a 25 com mais carros particulares por 1000 habitantes. Entre 1991 e 2001 Portugal encerrou mais de 300 Km de ferrovia (correspondente a quase 10% da rede então existente) e de muitas estações e apeadeiros, enquanto a rede de auto-estradas aumentou 350%!
Nestes primeiros 16 meses de Governação, mais não se fez do que prosseguir as políticas erradas que têm sido adoptadas em relação aos transportes, que têm empurrado cada vez mais os portugueses para fora dos transportes colectivos e para o recurso ao automóvel individual, votando ao total desprezo a resolução dos problemas dos vários sistemas de transporte colectivos.
Os preços dos transportes continuam aumentar a uma média de duas vezes por ano: em 2004, aumentaram 6,8%, em 2005 7,7%, em 2006, até agora mais 4,65% quer no que diz respeito às tarifas dos bilhetes quer no que diz respeito aos passes que de sociais têm cada vez menos. Na verdade desde que este Governo tomou posse os transportes, aumentaram, no espaço de um ano cerca de 10,2% e desde 1 de Julho mais 2,65% em cima. O passe social L123 aumentou nos últimos 6 anos 37,5%, mas os salários, pelo menos da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, e as pensões não aumentaram nem de perto nem de longe o mesmo.
Igualmente grave é que a esse aumento brutal de preços, profundamente injusto e insustentável do ponto de vista social, profundamente errado do ponto de vista político, e criminoso do ponto de vista ambiental e do desenvolvimento sustentável, encontramos do outro lado, do lado da prestação do serviço, o crónico subfinanciamento e endividamento dos operadores públicos, a não actualização e desconhecimento dos critérios em relação aos pagamentos das indemnizações compensatórias, a pulverização dos serviços por várias entidades, a falta de compatibilização de horários e falta de harmonização bilhética, e inexistência na prática da intermodalidade aos mais diferentes níveis, a falta de actualização das coroas urbanas, em suma a degradação do serviço e aumento do preço que desincentiva a utilização do transporte colectivo e não o torna sequer competitivo com o automóvel individual.
Face a este preocupante cenário que é sobejamente conhecido e reconhecido por todos e à longa data vivido e suportado pelos portugueses, é mais que legítimo questionar a prioridade que o Governo insiste em dar a grandes projectos que, implicando um enorme esforço financeiro ao país e aos contribuintes e principalmente porque não respondem nem procuram sequer responder à maior parte dos problemas de transporte e mobilidade da maior parte dos cidadãos, como ainda por cima, pelo esforço de investimento que consomem impedem o investimento necessário para responder aos desafios fundamentais da mobilidade.
Não é aceitável que se privilegie grandes infra-estruturas, que não vão servir a maior parte dos cidadãos e ainda por cima impedem a resolução dos problemas de mobilidade dos portugueses, designadamente no interior do país, que sendo já neste momento o mais mal servido de transportes colectivos, nomeadamente depois do desmembramento da Rodoviária Nacional que foi seguido do desaparecimento de inúmeras carreiras numa visão unicamente virada para o lucro, tem assistido impotente ao fecho de linhas, como agora volta a acontecer com as previstas eliminar no Plano Líder 2010 Tua, Corgo, Tâmega, Ramais da Figueira da Foz e Cárceres, ao encerramento de serviços (infelizmente não apenas na área dos transportes), que vão acentuando o despovoamento e a desertificação do território, isolando cada vez mais populações que se encontram entre as que são económica e socialmente mais desprotegidas e mais idosas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Com esta Interpelação, “Os Verdes” pretendem alertar para a urgência de investimentos sérios nos transportes públicos colectivos, para a necessidade de articulação racional entre os diversos operadores do sector, para a necessidade de um Plano Nacional de Transportes capaz de enquadrar todos os diferentes sectores, de forma integrada e intermodal, aproveitando sinergias, combatendo a dispersão e o desperdício, e acima de tudo garantindo o fundamental direito à mobilidade, com justiça social e sustentabilidade económica, energética e ambiental.