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Intervenções na Ar (Escritas)
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19/06/2014
Interpelação n.º 17/XII (3.ª) — Sobre precariedade laboral
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Interpelação n.º 17/XII (3.ª) — Sobre precariedade laboral
- Assembleia da República, 19 de Junho de 2014 -

1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro falou na sua intervenção da segmentação do mercado de trabalho, das oportunidades preenchidas, das políticas ativas para empregos sólidos, mas sobre a precariedade disse muito pouco. Aliás, disse tão pouco que até parece que a precariedade não é um problema, não existe em Portugal, para o Governo parece que não é problema.
Sucede que todos os estudos e todos os relatórios de diferentes entidades, como seja a Organização Internacional do Trabalho ou até o Eurostat, não só colocam Portugal nos lugares cimeiros ao nível da precariedade laboral como destacam, claramente, que esta é uma realidade que tem vindo a ganhar peso e a assumir proporções crescentes, uma realidade que, aliás, ganhou uma nova dimensão com as políticas, com as medidas e com as opções deste Governo, políticas que estão a contribuir para aumentar o desemprego, que estão a deixar milhares e milhares de desempregados sem qualquer apoio social e que estão a generalizar a precariedade.
Há um esforço, há uma tentativa para tornar a precariedade a regra das relações laborais e o Estado, que devia dar o exemplo no cumprimento da lei, está a entrar no jogo.
Segundo dados do próprio Governo, divulgados pela Direção-Geral da Administração Pública, as formas precárias de trabalho duplicaram em 2013. O Estado tinha, em 2013, mais de 27 000 pessoas a trabalhar de forma precária, enquanto que em 2012 tínhamos 11 000 casos, ou seja, houve um aumento absolutamente inadmissível.
Existem, hoje, no nosso País milhares de trabalhadores em escolas, hospitais, centros de saúde e outros serviços do Estado que desempenham funções permanentes mas com vínculos laborais precários. Desde estágios profissionais, a falsos recibos verdes, a contratos a termo, a trabalho temporário, a regime de horas e a outras situações de verdadeira mentira laboral, tudo serve para não cumprir as regras laborais estabelecidas.
O Governo dá assim o pior dos exemplos que poderia dar para o setor privado ao mesmo tempo que enfraquece a qualidade dos serviços públicos, porque não pode haver serviços públicos de qualidade sem emprego com direitos e sem trabalhadores valorizados.
É por isso que consideramos que o combate à precariedade laboral, o combate à mentira nas relações laborais, o combate ao trabalho não declarado e ilegal deve ser encarado pelo Governo como uma prioridade absoluta.
Assim, a pergunta que lhe faço, Sr. Ministro, é a seguinte: o Governo vai continuar a fingir que não se passa nada e a permitir e, de certa forma, até a colaborar na manutenção da mentira nas relações laborais? Ou está disposto a assumir o seu combate e a colocar ordem no abuso que se está a instalar nas relações laborais, nomeadamente na Administração Pública?
Creio que era bom que os portugueses soubessem a opinião do Sr. Ministro para saber com aquilo que podem contar nesta matéria.

2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do que diz o Governo e os partidos da maioria, a verdade é que a precariedade parece querer tomar conta da realidade laboral do nosso País das mais diversas formas. Seja através de contratos a prazo, seja através de contratos de trabalho temporário ou até do recurso aos falsos recibos verdes, a precariedade avança perante a passividade deste Governo.
O recurso ao trabalho temporário ou precário cresceu assustadoramente com este Governo; mais que duplicou no espaço de um ano, de 2012 para 2013 — são dados do próprio Governo. O recurso ao trabalho temporário, aos falsos recibos verdes e aos contratos a termo deixou de ser visto como uma forma de responder a necessidades pontuais.
A precariedade laboral atinge hoje mais de 1,5 milhões de trabalhadores, sobretudo jovens, que passam a vida forçados a saltitar entre o desemprego e o trabalho sem direitos.
O Governo não só finge que nada se passa como ainda «ajuda à festa». Ao nível da administração central é o Governo a promover a contratação precária para satisfazer necessidades permanentes e, ao nível da administração local, é o Governo a impor despedimentos de trabalhadores das autarquias locais, obrigando as autarquias a recorrer aos contratos emprego-inserção.
Fica a ideia de que o Governo pretende institucionalizar a precariedade, transformando-a em regra.
E é por isso que se exige um combate sério contra este problema até porque o aumento da precariedade faz aumentar o desemprego, o que significa que, combatendo a precariedade, também estamos a combater o desemprego.
Por outro lado, os trabalhadores precários apresentam salários mais baixos do que os restantes, porque, de facto, o trabalho precário é sempre um fator de discriminação e condena o trabalhador a uma completa desproteção, ou, dito de outra forma, a precariedade, que afeta principalmente as mulheres e os jovens, é socialmente injusta e degradante, afeta o próprio País na sua produtividade e no seu desenvolvimento.
Mesmo assim, o recurso aos falsos recibos verdes tem vindo a representar uma prática recorrente, usual e quase institucionalizada como forma de desresponsabilizar a entidade patronal e de acentuar a precariedade de quem se vê forçado a trabalhar sem direitos.
Assistimos ainda a uma utilização abusiva dos contratos a prazo. De facto, estes contratos apenas deveriam ter lugar para a satisfação de necessidades temporárias, mas o que acontece é que, na maior parte dos casos, são utilizados para preencher postos de trabalho e funções permanentes.
O mesmo se diga relativamente aos contratos de trabalho temporário. Uma boa fatia dos contratos de trabalho temporário não se destina a satisfazer necessidades de trabalho temporário mas, sim, a dar resposta a funções de natureza permanente. Desta forma o trabalhador perde em toda a linha: perde direitos ou não chega sequer a adquiri-los; perde segurança no emprego e perde em termos salariais.
É este o resultado da precariedade.
Sucede que os falsos recibos verdes, porque falsos, são uma mentira e os contratos a prazo, bem como os contratos de trabalho temporário, que visem satisfazer necessidades permanentes, não são, substancialmente, nem contratos a prazo nem contratos de trabalho temporário, são uma fraude, são uma mentira.
O Governo não pode ficar indiferente ao que se está a passar e deverá proceder a um verdadeiro combate no sentido de acabar com a falsidade e a mentira contratual nas relações laborais.
Do que se trata é de colocar verdade no vínculo que é estabelecido nas relações laborais. Porque se quem trabalha faz a sua parte, cumpre as suas obrigações, respeita a lei, o mesmo se exige das entidades empregadoras, nomeadamente o respeito pelas leis laborais.
O Governo tem de impor verdade nas relações laborais.
Chega de falsidades, chega de mentira e de fraude nas relações de trabalho.
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