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Intervenções na Ar (Escritas)
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21/02/2013
Interpelação n.º 9/XII do PEV — Sobre funções sociais do Estado (Abertura: intervenção da deputada Heloísa Apolónia)

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Interpelação n.º 9/XII (2.ª) do PEV — Sobre funções sociais do Estado
- Assembleia da República, 21 de Fevereiro de 2013 –

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, a Assembleia da República discute, por iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes», as funções sociais do Estado. No entanto, para que esta matéria seja discutida com seriedade, é preciso desfazer alguns equívocos que têm sido usados recorrentemente pelas maiorias parlamentares e por comentadores de serviço que suportam os Governos, para distorcer a realidade de modo a tentar convencer os cidadãos da inevitabilidade de medidas maquiavélicas e para fingir que não há alternativa.
O primeiro equívoco é a ideia de que despesa é igual a desperdício. Nada mais falso. Quando falamos de despesa, temos que aferir de que despesa estamos a falar. No que respeita à despesa pública, há despesa que serve para dinamizar a economia, há despesa que serve para combater a pobreza, há despesa que serve para gerar serviços públicos e qualidade de vida aos cidadãos, e estas não podem, de todo, ser consideradas desperdício — são despesas boas, legítimas e até devidas pelo Estado à sociedade.
Perguntar-nos-ão, então: mas não há despesa do Estado que seja verdadeiro desperdício? Os Verdes são os primeiros a dizer: há, sim senhor! Há despesa má, ilegítima e não devida. Por exemplo, quando o País paga, em três anos, mais de 20 000 milhões de euros em juros pela dívida pública resultante de jogos de especulação, Os Verdes dizem que esta despesa é insuportável. O País é pobre de mais para se sujeitar a estes níveis de especulação.
Se pagássemos a taxa de juro que o Banco Central Europeu cobra à banca comercial, só pagaríamos, no mesmo período, uma quantia que não chegaria aos 5000 milhões de euros. Pouparíamos, pois, mais de 15 000 milhões de euros! Mas alguém ouviu alguma vez o Governo português referir que não temos dinheiro para pagar estes juros? Ou alguma vez se ouviu o Governo defender que o Banco Central Europeu gerasse uma política de favorecimento aos Estados como tem para os bancos? Nunca!
Outra despesa muito má é a despesa fiscal que decorre dos vastíssimos benefícios fiscais que têm os grandes grupos económicos e financeiros. Qualquer micro, pequena ou média empresa paga 25% de IRC. Por que razão pagam os grandes grupos económicos e os bancos uma taxa real de IRC bastante inferior, chegando ao ponto de a tributação só incidir sobre 30% a 50% dos lucros obtidos? Se estas grandes empresas pagassem o mesmo que pagam as micro, pequenas e médias empresas só no ano de 2010 poderiam ter entrado para os cofres do Estado mais cerca de 8000 milhões de euros. Alguém ficou imoralmente com estes milhões de euros, e os portugueses pagam os custos da não obtenção dessa receita.
Muitos outros exemplos poderíamos aqui apresentar de má despesa: as parcerias público-privadas, que se sustentam em contratos profundamente lesivos para o Estado; as rendas excessivas, que na verdade são rendimentos fixos garantidos para as grandes empresas, como a EDP, que já tanto lucram; o financiamento de hospitais privados; o financiamento de seguradoras que se recusam a assumir pagamentos de serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde; já para não falar do descalabro do BPN e de negócios ruinosos como o dos submarinos. São milhares de milhões de euros que saem dos bolsos dos contribuintes!
Se é, portanto, importante cortar na despesa, há muita despesa injusta e ilegítima para cortar, não sendo admissível que cortem no que é vital para o País, ou seja, nos salários e nas pensões, já tão curtos para a generalidade dos portugueses, e nas funções sociais do Estado, designadamente nas áreas da saúde, da educação e da proteção social.
Outro equívoco que o Governo e os seus porta-vozes usam frequentemente é o de que Portugal gasta muito dinheiro com despesas sociais, como se gastássemos muito mais do que outros países. Nada mais falso! A verdade é que a despesa pública de Portugal em 2012 foi de 45,6% do PIB, enquanto a média da zona euro foi de 49,5%. Ora, um País que gasta menos e que tem como ponto de partida pior nível de vida, pior economia e pior taxa de desemprego é um País que opta por fazer perdurar esta drástica situação.
Igualmente equívoca é a ideia de que temos funcionários públicos a mais e é preciso reduzir o seu número. É falso! O peso do emprego nas administrações públicas na população ativa era, em 2008, de 12,1%, enquanto a média da OCDE era de 15%. Atualmente, depois de tantos despedimentos ocorridos e do engrossar da bolsa da mobilidade especial, temos um rácio de funcionários públicos ainda menor. E é preciso que todos tenhamos consciência que para que os serviços públicos funcionem é preciso trabalhadores que prestem esses serviços. Quando vamos a uma unidade de saúde ou a um balcão público menos funcionários públicos representam inevitavelmente pior atendimento, mais tempo de espera ou degradação dos serviços. E, como sabemos, muitos foram os serviços públicos encerrados com o objetivo de despedir funcionários, prejudicando em muito as populações.
O Governo tem, assim, com base em tantos pressupostos falsos e deturpadores da realidade, sugerido aos portugueses que andamos a viver acima das nossas possibilidades porque temos demasiados serviços e apoios públicos, rematando que ou perdemos direitos sociais ou pagamos mais impostos. Mais uma vez, nada mais equívoco!
Curiosamente, nos últimos anos temos vindo a perder direitos sociais e, simultaneamente, a pagar mais impostos. Ou seja, encerram-se escolas e unidades de saúde; vamos a um centro de saúde ou a uma unidade hospitalar e pagamos mais; pagamos mais pelos medicamentos; pagamos mais propinas; pagamos mais pela educação e por tudo o que ela implica; cada vez se reduzem mais os apoios sociais levando ao aumento da bolsa de pobreza; reduz-se o abono de família; reduzem-se as bolsas de estudo; reduz-se o complemento solidário para idosos; reduz-se o subsídio de doença; reduz-se o subsídio de desemprego, levando a que mais de metade dos desempregados não tenha direito a este apoio social; acaba-se com o passe para os jovens. Simultaneamente, pagamos mais impostos, muito mais IVA, muito mais IRS. Para quê? Para que o Estado disponibilize milhares de milhões de euros para os bancos e para que o Estado pague juros agiotas!
A vida dos portugueses, Sr.as e Srs. Deputados, está infernizada pelo Governo e pela troica. Por isso, quando o Governo nos disser que não tem dinheiro para pagar salários ou para garantir as funções sociais do Estado, é preciso que se responda que este País tem dinheiro para isso e ainda sobram receitas, o que não tem é dinheiro para pagar estes níveis de juros nem para alimentar o sistema financeiro e os seus lucros inesgotáveis, como tem acontecido.
Para além de que não foram as funções sociais do Estado que levaram o País à destruição da economia e a estes níveis de recessão. O que nos trouxe a esta situação foi a liquidação gradual da atividade produtiva, a nossa maior dependência do exterior, a desvalorização salarial dos portugueses, a nossa entrada no euro, uma moeda fortíssima para uma economia cada vez mais débil, a nossa dependência dos mercados financeiros e, nos últimos anos, uma austeridade sem precedentes que intensificou a recessão económica, que não segurou o défice, que fez disparar a dívida pública e que gerou situações de calamidade social, com famílias a cair na bolsa de pobreza e no desemprego galopante.
São décadas de políticas, umas vezes mais intensamente outras vezes mais disfarçadamente, destruidoras de sustentabilidade económica, que culminam agora numa austeridade que falha objetivos prometidos em toda a linha e que o Governo pretende que seja o mote para definhar de vez o Estado social.
Os Verdes sempre disseram que era determinante renegociar os termos do nosso défice e da nossa dívida. O Governo rejeitou essa ideia considerando-a o descalabro para o País. Os Verdes sempre disseram que, mais tarde ou mais cedo, era inevitável essa renegociação. Foi mais tarde que o Governo, contra a sua própria palavra, veio dar passinhos para a inevitável renegociação, pedindo o alargamento de prazos de pagamento de dívida e de regularização do défice.
Precisamos de mais tempo sim, mas não de um tempo tímido. Precisamos de mais tempo para, depois de nos terem levado ao fundo do poço, criarmos condições para gerar crescimento económico.
Só a dinamização da economia permitir-nos-á gerar riqueza e receitas para financiar devidamente o nosso Estado social e, depois, para termos capacidade de pagar a nossa dívida. É caso, então, para perguntar por que razão não têm o Governo e a troica um plano de crescimento da economia, designadamente por via do alívio de medidas de austeridade, e para a alavancagem da produção nacional, determinante para essa dinamização económica. Por que razão se centrarão na semana que vem, aquando da sétima avaliação da troica, num corte de 4000 milhões de euros em despesas sociais do Estado? E por que razão já se sabe que dali não virá nada em termos de eficácia no que concerne ao crescimento da economia? Se, na sétima avaliação, houvesse perspetiva de medidas para o relançamento da economia, o Sr. Ministro das Finanças não tinha ontem anunciado que a recessão em 2013 vai ser, pelo menos, o dobro do que o Governo previa.
De forma direta, hoje, Os Verdes afirmam que nos parece que o Governo quer mais tempo não por boas mas por más razões. Parece-nos que o Governo quer mais tempo para prolongar mais uma situação dramática em que colocou o País, sem alívios, de modo a ir justificando e concretizando a delapidação das funções sociais do Estado, na verdade para implementar o plano ideológico que escondeu na campanha eleitoral…e que agora quer convencer ser necessário, a pretexto da crise.
É a implementação do Estado mínimo — é esse o Estado que a direita defende, onde tudo é privatizável, até o setor da água; onde se delira com a privatização da saúde, da educação e da segurança social, garantindo que quem tem recursos económicos tem acesso aos serviços privados e quem não tem beneficia de poucos e desqualificados serviços públicos.
É o Estado das injustiças, onde a precariedade no trabalho é a forma de submeter trabalhadores a tudo o que for preciso; onde os que mais poder económico têm desenrolam o País à luz dos seus próprios interesses.
É o Estado onde a concentração da riqueza numa minoria é feita à custa da retirada de recursos económicos a uma larga maioria; onde para manter um rico é preciso criar um grupo de pobres.
É este o Estado amado pela direita — o Estado das desigualdades sociais, onde o grande poder económico e financeiro manda, o poder político executa sob a capa da regulação, a generalidade dos portugueses submete-se e os mais pobres dos pobres terão a benesse das cantinas sociais.
Derrubar esta linha de destruição do Portugal de Abril tornou-se hoje um imperativo nacional. O povo sai à rua, como aconteceu nas enormíssimas manifestações no passado sábado, canta-se a Grândola, Vila Morena pelo País e o Governo assiste, teimoso, ao real e crescente sentimento de repúdio pelas suas políticas.
São os valores de Abril que se reclamam, são os valores da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da fraternidade que se querem de volta a este País.
Foi Abril que fez nascer as funções sociais do Estado, foi Abril que democratizou a sociedade. Para que Abril vença é preciso que o Governo saia. E Abril vencerá!

2ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Educação, Os Verdes entendem que o sector da educação é bem exemplificativo do que o Governo está a fazer a todo o Estado social.
No meio da sua intervenção, o Sr. Ministro, a páginas tantas, fez uma afirmação do género «a educação é importante, mas não tem de ser prestada pelo Estado». Cá está, Sr. Ministro: a fúria, a ânsia da privatização, também neste sector!
É óbvio, por via das medidas que têm tomado, que o que os senhores estão a fazer é a fragilizar a escola pública. Ora, a fragilização da escola pública significa a desqualificação da escola pública. Ao que é que isto levará no futuro? Levará à argumentação de que não vale a pena e que, portanto, deve ser o sector privado a ter dar a resposta que os senhores dirão que as famílias precisam.
Não, Sr. Ministro! As famílias portuguesas precisam de uma escola pública forte!
Ora bem, este desinvestimento é de tal ordem que, em percentagem do PIB, chegámos sensivelmente ao que o Estado gastava em 1989, Sr. Ministro. O recuo é desta ordem! E as políticas do Governo, na área da orientação, têm-se centrado todas — todas, Sr. Ministro! — no despedimento dos professores. Esse tem sido o vosso grande objetivo: agarrar metas de despedimento.
Este Governo, também neste sector, é uma fábrica de despedimento. Os senhores, quando trataram dos mega agrupamentos, do número de alunos por turma, da reorganização curricular, foi para mandar professores embora. E agora, neste concurso extraordinário para professores contratados, a resposta está dada outra vez: 600 vagas, Sr. Ministro?! Isto é contribuir, com todas as mãos, para índices brutais de desemprego neste sector.
O Sr. Ministro disse uma coisa curiosíssima: disse que a educação é um sector extraordinário para o combate à interioridade. Mas, então, o Sr. Ministro vai fazer o favor de explicar como é que vai conseguir esse objetivo depois de ter encerrado não sei quantas escolas e de ter deixado fragilizadas as pequenas localidades no interior, que precisam de serviços de proximidade. Os senhores roubaram esses serviços de proximidade, Sr. Ministro.
Então, fará o favor de dizer como é que consegue esse objetivo.
Para finalizar, Sr. Ministro, gostaria de lembrar que, quando Os Verdes chegaram à Assembleia da República, há tempos, a dizer, cara a cara, ao Sr. Ministro, que havia muitas crianças, cada vez mais, a chegar às escolas com fome e sem o pequeno-almoço tomado, a primeira reação do Ministério da Educação foi de que isso não estava provado. Está hoje provado, não está, Sr. Ministro? O programa não abrange todas as crianças e o Sr. Ministro sabe disso.
Mais, Sr. Ministro: quando chegámos aqui e dissemos que há muitos estudantes a abandonar o ensino superior porque não têm capacidade de o pagar,… o que o Ministério da Educação disse foi: «Isso é uma coisa que ainda está por provar, porque as universidades ainda não têm essa contabilidade feita». Já está feita, Sr. Ministro! O Sr. Ministro já é capaz de reconhecer hoje que há estudantes que abandonam o ensino porque as famílias não têm capacidade de o pagar?
Há estudantes, hoje, Sr. Ministro, que não receberam bolsa — aquela que o Estado lhes deve — e que por isso passam fome. Isto é perfeitamente inqualificável!
O que os senhores estão a fazer é a formatar tudo para a elitização do ensino. É assim: quem pode pagar, paga; quem não pode pagar, azar!
É extraordinariamente deplorável o que o Governo está a fazer com o Estado social, e a educação é, de facto, um bom exemplo nesta matéria.
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