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26/06/2009
Interpelação sobre Política de Saúde

Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes

 
 
 
 
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde,
a falta de médicos de família é um dos mais graves problemas do nosso SNS. Desde logo, porque estes profissionais são, reconhecidamente, uma das pedras angulares dos cuidados básicos de saúde, seja no acompanhamento de proximidade, na prevenção da doença, no conhecimento personalizado e continuado de cada paciente ou utente.
A sua falta marca, da forma mais vincada, os cuidados básicos de saúde no nosso País e mostra, de resto, como a abertura das unidades de saúde familiares não resolveu este problema, pois onde não há profissionais no total não é possível criar novas unidades sem desmantelar os centros de saúde tradicionais.
Quantos utentes dos centros de saúde não perderam o médico de família neste processo, sem esquecer que alguns, naturalmente, foram recuperá-los numa unidade de saúde familiar? Esse é um balanço que tem de ser levado em conta na análise dos ditos «números de sucesso» das unidades de saúde familiares. Ou seja, em muitos casos, não houve ganhos mas apenas meras transferências.
Sabemos que a falta de médicos que afecta várias regiões do País tem muitos culpados ao longo dos anos em diferentes governos, que não cuidaram, depois da criação do SNS, de amortizar a saída destes profissionais do sistema, fosse pela idade, fosse pela «caça ao médico» promovida pelo privado, que teve, infelizmente, tanto sucesso nos últimos tempos.
Ainda hoje, o Governo faz bandeira de ter aberto mais vagas em Medicina no ensino superior, mas assume que não sabe quantos portugueses não têm médico de família. Então, com base em que estudo e com base em que números, Sr.ª Ministra, é que abriram as vagas que abriram?
Fala-se em 500 000 pessoas sem médicos de família, uma verdadeira vergonha! Mas, dizia o Governo — mais concretamente, o Sr. Secretário de Estado Manuel Pizarro — que vai demorar mais de um ano a saber, com rigor, quantos utentes temos sem médico de família e justificava o Sr. Secretário de Estado essa demora com o facto de ser necessário concentrar 400 bases de dados que existem no País.
Entretanto, ontem, nos jornais, o Sr. Secretário de Estado dizia que neste momento, dessas 400 bases, já só existe uma base de dados. Pergunto, portanto, se esses números já estão disponíveis, Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado, para sabermos, de facto, quantos portugueses estão sem médico de família para, possivelmente, podermos começar a trabalhar com base em números reais, numa estratégia de futuro para resolver este problema.
Todavia, infelizmente, não há apenas falta de médicos, Sr.ª Ministra, também há falta de enfermeiros. E este caso é mais grave, porque não temos falta de enfermeiros no País, temos falta de enfermeiros nos centros de saúde, no Serviço Nacional de Saúde.
Ora, isto é ainda mais grave, Sr.ª Ministra, quando é acompanhado de um aumento de desemprego dos enfermeiros. Sabemos que temos falta de enfermeiros com base nos dados da OMS (nos ratios enfermeiro por utente). Apesar de existir desemprego, também esta pedra angular dos cuidados básicos de saúde continua por resolver.
São estas duas pedras-base que estão a falhar no sistema, Sr.ª Ministra.
Já agora, como é que estão a correr as negociações da carreira de enfermagem, Sr.ª Ministra? O Sr. Deputado Paulo Pedroso diz que o PCP não teve 1 segundo para falar das carreiras médicas e o Sr. Deputado Paulo Pedroso, aparentemente, não teve 1 segundo para falar das carreiras de enfermagem, que é também uma componente fundamental do Serviço Nacional de Saúde.

Há alguns meses, questionei aqui, nesta Sala, a Sr.ª Ministra da Saúde relativamente ao estado das carreiras e a Sr.ª Ministra respondeu que era um processo difícil, mas que estava a andar. Neste momento, também é «difícil» e «está a andar»?! Será porque VV. Ex.as não conseguem responder às necessidades do Serviço Nacional de Saúde, nem às expectativas destes profissionais de trabalhar em condições no Serviço Nacional de Saúde?
Pedia-lhe uma palavra sobre esta questão, Sr.ª Ministra.

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, o Relatório Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde — cuja continuidade, aliás, por razões de financiamento, tem vindo a ser posta em causa, há alguns dias, por uma das coordenadoras, não sei se com algum fundamento — refere questões preocupantes, como a da espera excessiva para cirurgias oncológicas, mas também aponta para os maus resultados das parcerias público-privadas, que, sabemos, aliás, estão a ser alvo de uma auditoria conjunta da Inspecção-Geral de Finanças e da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.
Mas refere ainda outra questão, que é a da relativa inocuidade na mera transformação dos hospitais SA para hospitais EPE, dizendo que a lógica empresarial, no fim de contas, é a mesma. Curiosamente, também já assistimos à Sr.ª Ministra, nos jornais, apontar críticas a esta mesma lógica empresarial, pelo mercenarismo, dizia a Sr.ª Ministra, que criou na classe médica.
Gostava de saber se, tal como produziram alguma «correcção no tiro» relativamente às parcerias público-privadas, infelizmente não indo tão longe quanto se devia e se impunha, vão ter a coragem de «corrigir também o tiro» no que diz respeito à empresarialização na gestão do Serviço Nacional de Saúde, face às críticas que a própria Sr.ª Ministra teceu a esse modelo.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, constatamos que os lucros do sector privado a nível da saúde continuam a crescer vergonhosamente, enquanto os custos para as famílias no acesso à saúde continuam, por outro lado, a aumentar. É neste cenário de violação do princípio constitucional do acesso ao direito à saúde que assistimos a uma situação de discriminação nos hospitais privados face aos utentes da ADSE. O Ministério da Saúde vem dizer que, a partir de agora, vão ser aplicadas multas.
A minha pergunta é esta, Sr.ª Ministra: só agora?! Existindo este modelo já há tanto tempo, sendo previsível que este tipo de situações poderia acontecer, o que é que justifica que só agora seja possível aplicar multas aos hospitais privados?
Para terminar, Sr.ª Ministra, queria colocar-lhe uma questão já aqui hoje abordada, mas que, penso, não foi cabalmente respondida, que tem a ver com o estudo que foi divulgado pela Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) relativamente aos dados dos diabéticos e dos pré-diabéticos no nosso país.
A preocupante conclusão que há a retirar é que houve um falhanço enorme no despiste da situação de diabetes no nosso país. Quando o estudo indica que cerca de 50% das pessoas com diabetes não sabem sequer que têm diabetes, penso que há aqui um falhanço grande por parte do Estado no acompanhamento desta situação a nível da sociedade. Diz a Sr.ª Ministra que o Ministério da Saúde não tem estado afastado, que pagou o estudo.
Sr.ª Ministra, para além da questão do apoio à respectiva Associação, coloca-se a questão de saber se o Governo está disponível para encetar, junto da sociedade portuguesa, um programa sério de despiste do problema da diabetes e de tantos outros que estão relacionados, tal como a própria Sr.ª Ministra reconheceu, como a obesidade, que também já está a afectar, designadamente a diabetes de tipo 2, a própria infância, coisa que há 10 anos era, se calhar, inconcebível.

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