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09/01/2003
Intervenção da Deputada Isabel Castro sobre o Projecto de Resolução nº. 70/IX Criação de Corredores Ecológicos
Assembleia da República, 9 de Janeiro de 2003

 

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Os oceanos são um património da humanidade, cuja preservação tem vindo a ser gradualmente compreendida como um dever face a um bem comum, essencial para a vida e para o desenvolvimento ecologicamente equilibrado do planeta e dos povos.

Um dever que assume particular importância e interesse estratégico num país com um vasto território marítimo como Portugal, detentor de uma das mais extensas zonas económicas exclusivas, cujos recursos naturais, águas e orla costeira compete ao Estado a responsabilidade acrescida de proteger e preservar.

A responsabilidade de protecção e de preservação que os Verdes entendem dever ser prioritária, tendo em conta a natureza destes territórios, a sua determinante influência na fixação e na vida das comunidades ribeirinhas e na manutenção de actividades vitais para o país.

O dever que se impõe, ainda, atendendo ao valor singular deste património ambiental de cujo equilíbrio ecológico depende, no caso português, quase em absoluto a sustentabilidade do desenvolvimento nas múltiplas vertentes ambientais, sociais e económicas, ser considerado.

A defesa da nossa costa e das nossas águas, que requer mudanças de atitude do poder político e tem de corresponder a uma atenção que, lamentavelmente, em matéria de políticas do mar, de prevenção da poluição e de segurança marítima, não foi, pelos sucessivos governos, dada.

Medidas e decisões várias que urge tomar, tendo em conta as características deste património particularmente vulnerável, desde logo, pela sua dimensão, pela descontinuidade territorial, pela elevada sensibilidade ecológica, e precisamente por isso riqueza de algumas das zonas localizadas junto ao litoral, não só no Continente mas também nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, e igualmente pelo facto de ser atravessado por cerca de 40% do comércio marítimo mundial, cujas rotas, cruzando o nosso país, colocam diariamente o litoral português em situação de risco.

O risco que resulta da passagem anual de milhares de navios pela nossa costa ( mais de cem por dia), muitos dos quais, e tendencialmente cada vez mais, navios de grande tonelagem, em precárias condições de segurança, sem tripulações devidamente preparadas, velhos e obsoletos, sem inspecções credíveis, refugiados em bandeiras de conveniência, alguns dos quais procedem ao transporte de cargas altamente contaminantes, de substâncias perigosas, petróleo e produtos derivados.

Cargas potencialmente perigosas e de elevado risco, de produtos químicos, hidrocarbonetos ou até substâncias radioactivas que circulam em navios provenientes do Norte de África, do Mediterrâneo ou da América e confrontam, diariamente, do Minho ao Algarve e nas regiões insulares, as nossas costas com a ameaça e o potencial perigo, de um derrame ou maré negra que qualquer avaria ou acidente, até provocado pelo mau tempo, facilmente pode provocar com consequências dificilmente previsíveis.

Um perigo a que não estamos imunes e que o acidente e consequente maré negra com o "Aragon", em Porto Santo, de que alguns se lembrarão ainda, há precisamente 12 anos e outros derrames posteriores, nomeadamente com o "Marão" na costa alentejana, obrigam nas suas consequências, a equacionar.

Consequências devastadoras e dramáticas visíveis no caso do petroleiro "Prestige", na Galiza, arruinando toda aquela região e para já também em França, que obrigam o actual Governo a não negligenciar a questão e a saber interpretar estes factos pelas suas dramáticas consequências, ambientais, sociais e económicas, através de decisões sérias e da adopção de medidas políticas concretas.

Medidas políticas essas que passam, com carácter de urgência, por atribuir prioridade a medidas de precaução e orientadas para um efectivo reforço da prevenção da poluição e aumento da segurança marítima, com vista a reduzir riscos.

Riscos estes nos seus múltiplos impactes destruidores, nomeadamente os ecológicos, dificilmente passíveis de recuperação e quantificação como facilmente se pode adivinhar, mas que seriam totalmente devastadores e arruinariam um país como o nosso, no qual a esmagadora maioria da população e das actividades dependem do mar, e no qual algumas regiões e pessoas, em exclusivo, dele dependem para a sua sobrevivência, como é caso de Algarve.

Uma realidade incontornável que impõe medidas imediatas, aos mais diversos níveis, desde logo antecipando a instalação - já de si tardia e inquietantemente travada - do sistema de vigilância costeira, permanente, o sistema VTS, para dotar o país de um meio de controle do tráfego, de segurança e de prevenção da poluição.

Medidas que passam, ainda, como prioridade pela disponibilização de outros meios, nomeadamente a aquisição de um rebocador de alto mar, que permita intervir em situação de emergência e risco.

Factos, por fim, que impõem ao actual Governo a responsabilidade de accionar outras decisões em defesa do interesse nacional e do equilíbrio ecológico, concretamente em matéria de regulação da circulação marítima.

Uma regulação que, na perspectiva do nossa defesa exige, depois de anos e anos de laxismo, o desencadear do processo tendente ao afastamento dos corredores de passagem de navios da nossa costa.

Uma passagem inquietantemente fixada hoje a escassas seis milhas da nossa costa e o dever de prevenção impõe alterar.

A exigência do afastamento dos corredores que há longos anos a esmagadora maioria dos países costeiros fizeram, que os Verdes têm defendido ser fundamental e que esteve na origem há cerca de dois anos de uma petição dirigida por cerca de 30.000 cidadãos à Assembleia da República e à qual mais recentemente se vieram juntar moções aprovadas em diversos municípios costeiros do país.

Um exigência cívica de cidadãos conscientes do potencial perigo que para as regiões em que vivem a actual situação pode vir, num qualquer momento, a significar.

Regiões cuja actividade económica, às vezes sazonal, de pesca, de turismo e de comércio, cujo próprio desenvolvimento está condicionado e depende, em absoluto, da protecção e do equilíbrio de uma orla costeira cuja defesa tem sido, de forma chocante, negligenciada.

Uma ameaça particularmente evidente para a Região algarvia, que vê diariamente o Cabo de S. Vicente, junto ao qual está definido um dos 3 corredores marítimos de passagem internacionalmente estabelecido entre o Estado português e a OMI, ser quase tangencialmente tocado por petroleiros carregados que em sentido ascendente, com particular perigo em tempo de ventos de sudoeste (nesta época do ano), passam a escassas milhas com as suas cargas cujo derrame, por exemplo em caso de desastre, provocaria na região e no pais, uma catástrofe de dimensões sociais e ambientais inaceitáveis.

Uma hipótese entre outras de potencial risco, que os Verdes consideram não deve continuar a ser negligenciada e está na origem da decisão de apresentação da presente iniciativa e das medidas nela contidas.

Medidas que pressupõem e têm como condição prévia de aceitação, imposta pela própria Organização Marítima Internacional, a OMI, a instalação e operacionalização do sistema de vigilância costeiro, VTS, mas cuja negociação entendemos dever desde já com vantagem iniciada.

Uma proposta que compete ao Governo pôr em prática, tendo em conta a experiência que outros países ribeirinhos já adoptaram em defesa das suas zonas económicas exclusivas, da sua segurança e do seu litoral e que, obviamente, não esgota outras medidas que é necessário tomar, designadamente no plano da União Europeia.

Uma proposta, por fim, que visa mais do que um simples afastamento dos corredores de passagem de navios, que esse afastamento se paute e subordine às características, aos valores ambientais, à especial sensibilidade dos ecossistemas a cruzar e naturalmente a preservar, definindo para isso zonas de risco e corredores ecológicos.

É, pois, conscientes da actualidade política da questão da prevenção da poluição e da segurança marítima, e fazendo-nos eco da preocupação de milhares de cidadãos e da responsabilidade que todos temos e a que ninguém, nem nenhum partido, se pode furtar que propomos:

A iniciação do processo junto da OMI tendente à fixação e aprovação de novos esquemas de tráfego marítimo junto à nossa costa;

A fixação, nesse sentido, para aqueles corredores de uma distância não inferior a vinte e cinco milhas da costa;

A ponderação, na definição desses novos corredores de circulação de navios, de outros valores e valias conciliando com a distância outros factores, designadamente, questões como as correntes, ventos predominantes, zonas de risco e a mais-valia e elevada sensibilidade ecológica de zonas de passagem ou a proximidade de sítios ou áreas classificadas e relevantes para a conservação da natureza, próximos das áreas percorridas.

Propostas, Srs. e Sras. Deputadas, em nome da segurança marítima e da prevenção da poluição, cuja necessidade, essa é a minha convicção, todos queremos, a todos obrigam e não deixaremos de viabilizar.


Ver tambêm:

Projecto de Resolução Nº. 70/IX Projecto de Resolução- Criação de corredores ecológicos

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