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Início - Grupo Parlamentar - XII Legislatura - 2011/2015 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
Intervenções na Ar (Escritas)
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18/07/2013
Intervenção de abertura de Heloísa Apolónia no debate sobre a Moção de censura ao Governo apresentada pelos Verdes.

 

Senhora Presidente,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,

Esta moção de censura, que “Os Verdes” hoje apresentam na Assembleia da República, é uma moção de censura ao Governo, à sua política e à maioria parlamentar que o suporta.

Os Verdes trazem ao Parlamento, por via desta moção, a voz daqueles que, de tão flagelados pelo Governo PSD/CDS, estão saturados e não suportam mais a continuação de uma política absolutamente devastadora para os portugueses e para o país. A voz das pessoas que se viram empobrecer, por determinação do Governo e da Troika, enquanto a generalidade dos recursos financeiros do país são entregues aos bancos, aos bancos e aos bancos.

Esta moção de censura pode ser hoje rejeitada no Parlamento, pelo PSD e pelo CDS, mas se fosse votada lá fora, pela sociedade, todos os que aqui estamos sabemos que ela seria aprovada. Isto tem um significado: é que esta maioria parlamentar já não representa a expressão da vontade do povo. Esta maioria parlamentar PSD/CDS é hoje uma maioria artificial e falsa.

Não é de estranhar, porque quando uma maioria e um Governo se sustentam na mentira e na ilusão, e praticam políticas que estragam literalmente a vida às pessoas, tornam-se insuportáveis e  mergulham rapidamente no descrédito. Em política, como na vida, a falta de verdade, de coerência e de ética é fator de desmoronamento e de descredibilidade.

Os portugueses, fartos da austeridade crescente, oferecida PEC após PEC, e já com o memorando da Troika assinado pelo PS, PSD e CDS, ouviram na campanha eleitoral o PSD assegurar claramente ao país, por exemplo, que não aumentaria impostos e que era um disparate dizer-se que cortariam no subsídio de férias. O CDS vendia a imagem do partido dos contribuintes e dos pensionistas. Chegaram ao Governo e fizeram tudo ao contrário. Galoparam na austeridade, sem olhar a meios, e eis os resultados à vista: um país empobrecido, fragilizado e com menos meios para recuperar.

Do Primeiro Ministro ouvimos recorrentemente a ilusão de que os sacrifícios impostos dariam resultados no ano seguinte: em 2011 afiançou que 2012 era o ano de viragem e afinal foi um ano pior. Em 2012 assegurou que 2013 seria o ano do crescimento e, afinal, é o terceiro ano consecutivo de recessão. Agora, em 2013, diz que para o ano é que é, e o Banco de Portugal já veio dizer que em 2014 o PIB ficará muito abaixo da previsão de crescimento do Governo (que já era tão curta), não se esperando mais do que uma estagnação económica. Isto sem contar com doses de austeridade previstas, que a ter lugar conduzirão o país a mais metas falhadas e a novos níveis de recessão.

Ou seja, estamos num caminho de afundamento que não tem fim à vista. De tal modo, que as previsões do próprio Governo, sempre mais otimistas do que a realidade depois demonstra, revelam que em 2020 o potencial de crescimento de Portugal se ficará pelos 2% do PIB. Isto significa que estamos a criar um problema estrutural no país de incapacidade de gerar riqueza e de criar emprego.

Vejamos agora, concretamente, condições que tornaram um imperativo a apresentação desta moção de censura por parte dos Verdes:

As políticas do Governo PSD/CDS e da Troika construiram o país do milhão e meio de desempregados e a perspetiva é que este número continue a crescer. São as políticas da emigração forçada, onde jovens qualificados, contra a sua vontade, ou se obrigam a procurar no estrangeiro formas de subsistência, que lhes são negadas em Portugal, ou engrossam os cerca de 40% de desemprego jovem. São as políticas do encarecimento dos custos de serviços tão essenciais como o gás, a eletricidade, os transportes, a educação, a saúde. As políticas da destruição dos serviços públicos e do despedimento de funcionários públicos. As políticas do desinvestimento na garantia de melhores padrões ambientais. As políticas que dificultaram o acesso à habitação. São, simultaneamente, as políticas do aumento insuportável dos impostos. As políticas da destruição do mercado interno que leva empresas a encerrar todos os dias. As políticas que levam inúmeros idosos a desistir de consultas médicas e de medicamentos por não terem capacidade económica de os adquirir. Políticas que levam crianças para a escola com fome e que levam jovens a desistir do ensino por não terem condições de o pagar. Políticas do confisco dos salários e das pensões, onde, de repente, as famílias se viram a braços com rendimentos absurdamente encurtados. São as políticas do corte dos apoios sociais, onde se deixam famílias sem meios de subsistência que permitam suportar até despesas alimentares. São as políticas de alargamento da pobreza em Portugal. O INE revelou, esta semana, os indicadores de risco de pobreza e de privação material severa em Portugal: em 2011 cresceu e ultrapassou já mais de um quarto da população. Ora, se pensarmos que nos anos de 2012 e 2013 houve mais cortes nos rendimentos familiares e nos apoios sociais, adivinha-se que os indicadores, relativos aos tempos atuais, são um verdadeiro drama social!

E a pergunta que o PEV faz é: como é que o país pode aceitar esta realidade? E sabendo que estas são consequências diretas do memorando da Troika e da política do Governo PSD/CDS, a pergunta que se impõe é: como é que o país pode aceitar esta continuidade?

 

E o que torna isto tudo mais revoltante é percebermos que o dinheiro público, que o Governo insiste em dizer que não existe para as pessoas e para a economia, está praticamente todo a ser canalizado, em largos milhares de Milhão, para os bancos e para os juros exorbitantes que pagamos, também à Troika diga-se de passagem! Foram 12 mil Milhões disponibilizados para a banca, pagamos 7 mil Milhões anuais em juros, são Milhões e Milhões (cuja soma já se perdeu a conta) para a fraude e o negócio ruinoso do BPN (que escandalosamente nos continua a absorver quantias estrondosas). Nós não temos dinheiro para isto! Nem temos dinheiro para swaps e para continuar a oferecer à banca tantas benesses fiscais, nem para parcerias público-privadas, nem temos condições de andar a fazer outros negócios ruinosos tais como andar a vender empresas públicas rentáveis, como a EDP ou os CTT, cuja privatização implica que o Estado deixe de arrecadar largos montantes de recursos financeiros!

Ora, assim, é evidente que o défice se mantém descontrolado e é óbvio que a dívida continua a galopar, já atingindo os 130% do PIB. Por este caminho, não só continuamos a perder capacidade de pagar dívida, como não paramos de nos endividar. É o que acontece quando se destrói capacidade de gerar riqueza num país. É o que acontece quando se governa ao serviço dos mercados financeiros, ao serviço da Sra Merkel e ao serviço da Troika, que nos sugam juros medonhos e que nos tornam mais e mais dependentes do exterior e, o pior, que não estão minimamente preocupados com as consequências daí resultantes para a vida dos portugueses.

Tudo isto é revoltante, por ser tão escandalosamente injusto! E é esta revolta que gerou no país lutas sociais com uma força, uma dimensão e uma frequência como não se via há muito! É o povo a dizer que basta! Que não dá para suportar mais! Que se ultrapassaram os limites da dignidade humana! É o povo a reclamar a demissão do Governo e destas políticas absurdas!

Foi neste quadro que um dos principais protagonistas desta política, Vítor Gaspar, pediu a sua demissão de Ministro de Estado e das Finanças, reconhecendo o falhanço das políticas prosseguidas, assumindo-as como causa dos níveis de pobreza e de desemprego, reconhecendo a sua incapacidade de contribuir para inverter a situação e, muito importante, dando nota de ter consciência daquilo a que chamou de «erosão significativa no apoio da opinião pública às políticas», o mesmo é dizer, reconhecendo, aquilo que é mais que óbvio, que o Governo não tem mais apoio da sociedade!

Seguiu-se um dos episódio mais enxovalhantes da vida política portuguesa. A demissão irrevogável do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, Presidente do CDS-PP. De um dia para o outro deixou de ser irrevogável e passou a ser trocável por um lugar de Vice Primeiro Ministro. Lamentamos, mas a este ainda membro do Governo não é mais possível sequer atribuir qualquer credibilidade, em relação ao que diz ou ao que faz.

Toda esta realidade e todos estes acontecimentos provaram inequivocamente o apodrecimento do Governo. Está em causa o regular funcionamento das instituições!

 

Face a esta situação, o senhor Presidente da República reconheceu que o Governo já não é confiável e que está sobremaneira descredibilizado. Assume que o Governo não pode chegar ao final da legislatura, contudo decide não convocar já eleições antecipadas, de modo a garantir mais um ano para as políticas da Troika.  Decidiu arrastar o desastre nacional, em co-autoria com os seus protagonistas. Para isso, decidiu convocar os três partidos que assinaram o memorando da Troika, PS, PSD e CDS - voltaram a sentar-se os três à mesma mesa para negociar. Sendo inaceitável, foi todavia demonstrativo de quais são, de facto, os partidos que se reconhece que podem protagonizar a continuidade desta política e de quais são os partidos que se reconhece que podem protagonizar uma política diferente e uma alternativa, justamente os que não foram convocados pelo senhor Presidente.

Ora, é dessa política alternativa que o país precisa. Primeiro que tudo, fazer com que o povo português seja o centro das medidas a tomar, e não os grandes grupos económicos e financeiros ou os interesses estrangeiros. Recentrados nos destinatários de para quem se governa, é preciso trocar o memorando da Troika, que nos trouxe a esta desgraça, pela renegociação da dívida, de modo a garantir que o seu pagamento se compatibiliza com a necessidade de desenvolvimento económico do país. Esta renegociação permite ganhar espaço para promover a redinamização da atividade produtiva nacional, com vantagens ambientais de grande monta, com impactos diretos na redução da dependência externa e constituindo um pressuposto determinante para a criação de emprego. Simultaneamente é preciso colocar os setores estratégicos a servir essa capacidade produtiva, a sustentabilidade ambiental e o interesse nacional. Criar um sistema fiscal justo e eficaz, que ponha cada um a contribuir em função da sua real capacidade contributiva, é a base de uma mais justa redistribuição da riqueza, substituíndo uma elevadíssima carga fiscal pelo alargamento da base de tributação, com resultados mais positivos nas receitas arrecadadas pelo Estado. Para garantir essa justa distribuição dos recursos, e para atacar a quebra da procura interna, é necessário valorizar a componente salarial, designadamente repondo o que foi confiscado ao nível de salários e pensões, para que se torne os portugueses agentes dinamizadores do mercado interno e, consequentemente, salvaguardando a vida das micro, pequenas e médias empresas. Para além disso, promover o investimento público com vista à promoção dos padrões e das atividades mais sustentáveis do ponto de vista ambiental e ao combate às assimetrias regionais, é igualmente relevante para potenciar melhor qualidade de vida, dinâmica territorial e oportunidades de emprego nas diversas regiões do país.

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Três curtas considerações finais que importa salientar:

Primeiro: esta moção de censura visa a verdadeira condenação deste Governo e destas políticas. Ela constitui a expressão da saturação de um Governo e de uma política esgotados. E, no momento que o país atravessa, a discussão desta moção tornou-se também uma oportunidade relevante para que todos possam clarificar as suas posições em relação ao que querem e ao que propõem.

 

Segundo: o Governo é hoje o maior fator de instabilidade no país, porque se sustenta em políticas falhadas, demonstrando uma total incapacidade até de apresentar previsões realistas sobre o resultado das suas medidas, mas também porque vive no seio de uma crispação interna, que procura disfarçar em momentos diversos, mas que recorrentemente se evidenciou, se evidencia e se evidenciará.

Terceiro: não é por via da moção de censura que os Verdes apresentam, que o país descobrirá que existe uma maioria parlamentar PSD/CDS que apoia o Governo. Isso não é novidade para ninguém. O que é preciso confirmar é que essa maioria parlamentar está isolada, completamente isolada, que vive de si para si e para um Governo já moribundo. E, assim, será percetível aos olhos de todos que a maioria formada no Parlamento não é já representativa da expressão da vontade popular.

PSD e CDS receiam eleições antecipadas, porque sabem que se sujeitassem a eleições não voltariam mais a ser maioria e não formariam novamente Governo. Quando rejeitam eleições antecipadas, não é no país que pensam, mas sim em si próprios. É por terem consciência do quanto estão a prejudicar os portugueses, em benefício de outros grandes interesses, que temem eleições.

Ora, como o que importa não é salvar o PSD e o CDS, mas sim o país e os portugueses, os Verdes reclamam eleições antecipadas para que o povo português possa decidir sobre o seu próprio destino e a formação do seu futuro.

Esta moção de censura ao Governo é, portanto, uma reclamação do exercício pleno da democracia!

 

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