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08/06/2005 |
Manuais escolares |
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INTERVENÇÃO DO DEPUTADO FRANCISCO MADEIRA LOPES ACERCA DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA RELATIVAMENTE AOS MANUAIS ESCOLARES
8 de Junho de 2005
Os manuais escolares constituem uma fundamental ferramenta pedagógica no processo educativo de ensino-aprendizagem de um aluno ao longo de todo o seu percurso escolar formativo. Não substituindo de forma alguma o papel indispensável da transmissão e do auxílio da descoberta e de aquisição de conhecimentos oral e vivenciada quotidianamente, realizada por intermédio da experiência e interacção pedagógica entre aluno, professor, colegas e escola, deve ser encarado não só como um importante mediador curricular, mas como algo mais.
Num país como o nosso, com tão elevadas taxas de analfabetismo, iletracia e abandono escolar, com baixíssimos níveis de frequência e sucesso escolar, necessariamente decorrentes, entre outros factores, de todo o contexto sócio-económico vivido pela maioria da população e das famílias portuguesas a quem é constantemente pedido que faça mais um esforço, bem como dos gravíssimos níveis de pobreza e exclusão social de que padece o nosso tecido social e que nos envergonham a todos como cidadãos do “Portugal de Abril por cumprir”, os manuais escolares assumem outra dimensão.
Representam desde logo a ferramenta, o repositório de conhecimento ao qual o aluno pode recorrer, mesmo depois de frequentado e transitado com sucesso o ano de escolaridade a que o mesmo supostamente corresponde, a fim, de rever matéria já antes dada numa lógica de consolidação de conhecimentos e de aprendizagem contínua. São ainda, quantas vezes, reutilizados pelos próprios alunos e professores nas aulas de anos lectivos seguintes, não só para a consolidação de conhecimentos já referida, mas também para dar matéria que não foi leccionada no ano em que teoricamente deveria ter sido dada, mas na prática não foi … mas mais ainda: os manuais escolares são por vezes os únicos livros que de todo e em absoluto entram nas casas de algumas famílias no nosso país, desempenhando assim um papel social, cultural e educacional com implicações mais profundas do que à primeira vista se possa pensar. Ignorar este facto é ignorar o país em que vivemos, ou pelo menos boa parte dele …
Tem, infelizmente razão o PP, e temos que concordar quando referem os valores assustadores que as famílias portuguesas pagam todos os anos pelos manuais escolares. Mas infelizmente, temos que dizê-lo, com esta proposta de lei, esta situação vai manter-se praticamente inalterada. A maioria das famílias portuguesas continuará a suportar valores astronómicos com a educação dos membros dos seus agregados familiares.
Essa questão só se resolverá com a assunção por parte do estado das obrigações que a ele, e só a ele, devem competir na senda do reconhecimento de que a educação é um investimento em cultura, em produtividade económica, em cidadania e em democracia, e não uma despesa.
A progressiva gratuitidade do nosso sistema de ensino, inscrita na nossa constituição, “Os Verdes” defendem, para todos os graus de ensino, implica também a correspondente gratuitidade dos respectivos manuais escolares, principalmente e desde já, ao nível da escolaridade obrigatória, a qual deveria ser estendida até ao fim do actual ensino secundário, até ao décimo segundo ano inclusivé.
Não nos podemos esquecer que as famílias portuguesas são das que mais pagam na Europa, são aquelas a quem mais pesam as despesas com a educação em termos percentuais no orçamento familiar.
A ideia que os proponentes apresentam no presente PJL em discussão, de instituir um sistema de empréstimo aos estudantes pertencentes a agregados familiares mais carenciados, não pode merecer a nossa aprovação. Não só pelo real papel que desempenham os manuais escolares no nosso contexto sócio-cultural, mas principalmente pelo princípio que lhe está subjacente e que, quando eram governo tentaram instituir a todo o custo: a institucionalização dos pobrezinhos que têm direito a uma esmola de caridade, mantendo-se a obrigatoriedade para todas as outras famílias, de pagar os manuais. Todas as outras famílias, que, apesar de verem as suas condições laborais, os seus direitos sociais, o seu poder de compra a baixar drasticamente, num contínuo aparentemente irreversível, seja PS ou PSD que estejam no Governo, apesar de todos estes ataques, por ainda não terem atingido o limiar da exclusão social, serão condenadas a continuar a pagar um encargo cada vez mais pesado.
Não podemos ainda de deixar de referir que esta proposta, a ser aprovada, aumentará em mais um metro de profundidade o fosso que separa os alunos ditos normais, oriundos de famílias ditas normais, dos alunos carenciados em que os primeiros se apresentarão no início do ano escolar com livros novos e os segundos, os outros, se apresentarão com um livro que é a sua marca de estigma social e a negação a, pelo menos nos bancos da escola, iniciarem o ano escolar um pouco mais iguais aos demais alunos.
O princípio que nós defendemos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é o princípio da solidariedade, da justiça e da igualdade e não o princípio da caridade.
Estender uma esmola a alguns, dando-lhes, por favor aquilo a que, não só eles mas todos os outros alunos deveriam ter já acesso no nosso estado de direito social, por força dos princípios matriciais que enformam a nossa Constituição, não é resolver o problema das famílias, não é resolver o problema da educação é apenas atrasar a consagração de um direito e negar a dignidade devida aos alunos e suas famílias, que é o direito à gratuitidade dos manuais escolares.
Disse.