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27/07/2004
Moção Nº. 4/IX de rejeição do Programa do XVI Governo Constitucional.
A Assembleia da República acaba de apreciar o Programa do XVI Governo Constitucional. É um programa apresentado no contexto de uma grave crise nacional, numa situação de enorme instabilidade, em condições que o descredibilizam e são politicamente censuráveis.

É, em primeiro lugar, o programa apresentado por um governo que, em 13 de Junho, sofreu uma pesadíssima derrota eleitoral e viu reduzida para um terço a sua base social de apoio. É, assim, o programa de um governo que detém maioria no Parlamento, mas é minoria na sociedade, que carece de legitimação democrática e cuja concretização não é susceptível de mobilizar, nem os cidadãos nem a sociedade.

É, em segundo lugar, o programa de um governo formado na base de uma coligação eleitoral e do acordo entre dois partidos, PPD/PSD e CDS-PP, que como tal não se apresentaram aos cidadãos, nem foram, desse modo, sufragados pelo voto popular. É, assim, o programa de um governo, que não emana da vontade soberana expressa pelos cidadãos, em consulta popular, mas de uma solução de poder artificialmente concebida, sem transparência nem verdade democráticas.

É, em terceiro lugar, o programa de um governo cuja indigitação ocorre em circunstâncias que o fragilizam. É o programa de um governo formado, a meio de um mandato, na sequência do rompimento do compromisso de Durão Barroso para com os cidadãos portugueses, da sua decisão de fuga e abandono, de auto demissão das funções que exercia à frente do Executivo, com a consequente queda do XV Governo. É, assim, o programa de uma coligação de direita responsável exclusiva pela crise política criada no País, a qual veio somar-se ao clima de instabilidade social e económica e que a aplicação do programa deste Governo irá, decerto, agravar.

É um programa apresentado por um governo diferente e um diferente primeiro-ministro. O programa de um governo que o Presidente da República, no quadro das competências próprias que lhe estão constitucionalmente atribuídas, entendeu viabilizar e indigitar, no pleno uso dos seus poderes, naquilo que considerou dever ser uma solução de continuidade. É, enfim, muito em especial nas actuais circunstâncias, o programa de um governo totalmente descredibilizado, ferido de legitimidade ética, política e democrática.

Ora, este Governo é diferente nas caras, mas igual nas políticas, daí, a ter em conta a experiência governativa anterior, ser um governo incapaz de resolver os problemas das pessoas e do País, incapaz de enfrentar os novos desafios colocados no plano nacional e internacional. Nas medidas que preconiza, o programa deste Governo reproduz, dá continuidade e acentua mesmo a matriz marcadamente de direita e ultra liberal dos seus membros, as desastrosas políticas pelas quais foi responsável, nestes dois anos e meio, e que contribuíram para o significativo aumento de problemas que afectam a vida dos cidadãos e se revelaram um factor permanente de contestação e de tensão social.

As políticas no Governo de direita conduziram a uma crise económica, social e ambiental, sem paralelo, em Portugal, traduzida no aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão. E significaram retrocessos sociais graves, no domínio da insegurança face ao emprego, dos direitos sexuais e reprodutivos, na igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, no descomprometimento do Estado das suas funções em domínios essenciais para o País e para as pessoas, como o são a educação, a saúde, a investigação científica, quer na sua função de protecção social quer na função de direcção estratégica do desenvolvimento nacional.

E implicaram uma mais acentuada perda de qualidade de vida dos cidadãos, a acelerada degradação dos nossos recursos naturais, o desaparecimento do ambiente da agenda política, a incapacidade em dar resposta aos novos desafios, como as alterações climáticas, a defesa da biodiversidade, a prevenção da poluição, o ordenamento do território e a qualidade de vida urbana, a segurança alimentar, tratados como questões ultraperiféricas ou como mero pretexto para especulação e negócio. 

Assim,

Considerando que o Programa apresentado pelo XVI Governo Constitucional vem prolongar e procurar legitimar políticas que os cidadãos expressivamente rejeitaram, em 13 de Junho, ao impor ao Governo da coligação uma pesada derrota e a perda de 2/3 do seu eleitorado;

Considerando que o Programa da coligação apresentado pelo XVI Governo Constitucional, a meio de um mandato, adopta, de modo populista e a pretexto de uma pretensa descentralização, medidas de duvidosa utilidade e oportunidade (com a criação de novos ministérios e alterações profundas nos existentes) as quais representam um escandaloso desperdício de meios e um agravamento de custos;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional adopta uma concepção organizacional que é politicamente datada e rejeitável, de que são exemplos, a subordinação do trabalho ao Ministério da Economia ou da associação das questões do mar, à Defesa, numa lógica, respectiva e estritamente, economicista e não civilista;

Considerando que o XVI Governo Constitucional, não obstante os complexos problemas a que vai ter necessariamente de dar resposta, é integrado por diversas individualidades de discutível perfil político, profissional ou técnico ou com perigosas ligações profissionais aos grupos de interesse instalados, o que suscita a maior reserva quanto à sua inadequação política ou ética para o exercício de funções que vão desempenhar;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional se propõe atribuir, depois de dois anos de total invisibilidade política dos seus três titulares na pasta, a responsabilidade do ministério do ambiente, actualmente no centro do debate político na esmagadora maioria dos países, a um partido que defendia precisamente a sua extinção. E desconhecendo-se em absoluto qualquer competência própria do novo titular para o exercício do cargo, mas conhecendo-se as ligações profissionais do actual ministro a sectores cuja privatização ou decisão se preparam, casos da água e dos resíduos, sobre os quais vai ser chamado a decidir, para viabilizar aquilo que se considera ser o negócio do milénio;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional ao separar funcionalmente o desenvolvimento regional do ordenamento do território e, este das cidades, dá testemunho da enorme confusão conceptual e deixa antever uma mais nítida impossibilidade de qualquer política de cidades, por um lado, e de desenvolvimento com sustentabilidade dignas desse nome, com todas as consequências daí decorrentes para o acentuar da degradação da qualidade de vida dos cidadãos;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional, apesar da total vulnerabilidade das nossas águas, zonas costeiras e ZEE, evidenciadas aquando da catástrofe ecológica com o Prestige, continua a não assumir a prevenção da poluição e a segurança marítima como prioridades nacionais e, sem adoptar nenhum compromisso, nomeadamente no tocante à imediata instalação do Sistema de Vigilância Costeiro (VTS);

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional insiste, num domínio estratégico e decisivo para o desenvolvimento do País, como é o da educação, em desinvestir na preparação dos portugueses, ao manter o inconstitucional descomprometimento do Estado em relação a este sector, ao pôr fim à escola inclusiva, ao transformar a educação num mercado para elites, reprodutora de exclusão e de desigualdades sociais;

Considerando que o XVI Governo Constitucional, ao manter o titular da pasta da saúde, dá sinal inequívoco de pretender prosseguir a sua política de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, de entrega da saúde ao sector privado, com todas as consequências daí decorrentes, em termos, designadamente, da negação do acesso universal e equitativo dos cidadãos a cuidados de saúde, da degradação da qualidade dos serviços prestados e da manutenção de factores de discriminação e de desigualdades no acesso;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional traduz, na estrutura proposta, que só encontra paralelo com o verificado antes do 25 de Abril, a total subordinação do trabalho à economia, revelando que o direito ao trabalho deixa de ter autonomia, dignidade própria e fica, de modo instrumental e secundário, à mercê da lógica estrita do lucro e do mercado;

Considerando que o Programa do XVI Governo Constitucional persiste, numa posição isolacionista e de confronto directo com as recomendações europeias, sem dar resposta, por exemplo, à questão da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens e ao grave problema do aborto clandestino, numa atitude hipócrita, de discriminação contra as mulheres e de violação de direitos sexuais e reprodutivos;

Considerando mais, que a situação grave em que se encontra o País implica a adopção de reformas políticas, em múltiplos domínios como a energia, os transportes, o ambiente, a educação, a modernização da economia, o combate às alterações climáticas, a Administração Pública, as quais só podem ser asseguradas se forem fortemente participadas e capazes de mobilizar as energias nacionais, o que manifestamente este Governo e esta coligação são incapazes de assegura;

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe-se que a Assembleia da República rejeite o Programa do XVI Governo Constitucional.

Assembleia da República, 27 de Julho de 2004
Os Deputados de Os Verdes: Isabel Castro e Álvaro Saraiva.

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