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Intervenções na Ar (Escritas)
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31/10/2014
Orçamento de Estado para 2015 - discussão na generalidade - encerramento
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Orçamento de Estado (generalidade) - encerramento
- Assembleia da República, 31 de Outubro de 2014 -

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, disse que, ontem, teve de redobrar a sua atenção para ouvir aquilo que dissemos sobre a fiscalidade verde, porque nem queria acreditar nas críticas que estava a ouvir. Sr. Ministro, acho que não chega redobrar, tem de triplicar ou quadruplicar, porque o Sr. Ministro fez uma afirmação falsa.
Ouvi António Mexia a louvar a fiscalidade verde, o mesmo homem que nós todos tivemos oportunidade de ouvir, com o então Primeiro-Ministro José Sócrates, a dizer que, na zona da barragem do Sabor, só faltava betão, mas que estava quase! Está a entender, Sr. Ministro? Veja, por favor, quem é que os senhores andam a servir! Se não nos quer ouvir a nós, oiça António Mexia para ver se chega a alguma conclusão.
Também já estamos habituados a essa brincadeira com as palavras que os senhores gostam de fazer. Por exemplo «irrevogável» para o Governo significa «revogável já a seguir», «transitório» significa «definitivo» e não nos venha dizer que «neutralidade» significa outra coisa que não «aumento de impostos», porque é isso que os senhores fazem, infelizmente, com a fiscalidade verde.
Infelizmente, os senhores usam matéria ambiental para carregar os portugueses com impostos, porque quando diminuíram o IRC não quiseram saber de neutralidade fiscal e, nessa matéria, o Estado, pura e simplesmente, deixa de arrecadar receita. Não faz mal, pois não, Sr. Ministro?! É que os senhores andam, de facto, a servir grandes interesses económicos e carregam sempre sobre as pessoas.
O Sr. Ministro fala da dependência do petróleo e dou-lhe toda a razão: Portugal tem uma grande dependência do petróleo. Mas, relativamente à mobilidade, os senhores têm duas alternativas: ou tornam, por exemplo através da taxa de carbono, insuportável a utilização do carro ou investem e fomentam a utilização do transporte coletivo e a alteração do paradigma da mobilidade, designadamente pendular, para o transporte público.
Os senhores, na fiscalidade ambiental, não fomentam rigorosamente nada desse novo paradigma necessário à alteração para o transporte coletivo.
O Sr. Ministro faz, propositadamente, uma confusão entre a produção e o consumo dos sacos de plásticos e a sua incorreta deposição. Relativamente à produção, Sr. Ministro, não diga que vai descer de 466 sacos para 50 porque os senhores, depois, não contabilizam os outros sacos que as pessoas vão ter de comprar, por exemplo, para depositarem o seu lixo.
A incorreta deposição de sacos de plásticos requer uma fortíssima ação de sensibilização sobre os cidadãos que os senhores se recusam a fazer, uma ação de sensibilização que deu resultado, por exemplo, relativamente à triagem de resíduos para reciclagem. Ou não deu, Sr. Ministro? Deu!
Os senhores, de facto, com a fiscalidade verde, querem única e exclusivamente aumentar impostos!
Termino, Sr.ª Presidente, com um justo agradecimento pela tolerância e pela chamada de atenção.

2ª Intervenção

Continuando o que estava a dizer, o debate do Orçamento do Estado dá-se em três tempos: generalidade, especialidade e votação final global.
Sr. Ministro, é na especialidade que os grupos parlamentares apresentam propostas para alteração do Orçamento do Estado e também é na especialidade que o Sr. Ministro vai conhecer propostas concretas sobre a fiscalidade ambiental apresentadas pelo meu partido.
Sr. Ministro, não se esteja a fazer de esquecido. Já conheceu, em anos passados, outras propostas sobre fiscalidade ambiental. Ontem, disse-lhe que não foi o inventor da fiscalidade ambiental. De resto, os senhores deram passos atrás quando retiraram das deduções ao IRS a possibilidade de deduzir a compra de equipamentos e a realização de obras para promover a eficiência energética nas habitações. Lembra-se? Recuaram, deram passos atrás, não aprovaram as propostas do Partido Ecologista «Os Verdes» e agora o senhor arma-se em grande arauto da fiscalidade ambiental! Sr. Ministro, as coisas não valem só pelo nome que têm!
Relativamente aos grandes grupos económicos, quero reafirmar o que o Sr. Ministro acha absolutamente lamentável eu ter dito.
Sr.ª Deputada, não está, pelo conteúdo, a corresponder à norma que invoca do Regimento. Pedia-lhe que concluísse.
Sr. Ministro, queria dizer que, para além de terem diminuído o IRC para beneficiar os grandes grupos económicos, privatizaram, por exemplo, a EGF, dando um setor fundamental ao setor privado…e prejudicando a população portuguesa e os consumidores portugueses.
Sr. Ministro, reafirmo, lamentavelmente, que este Governo, de facto, beneficia os grandes interesses e carrega, carrega, carrega na população!
3ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro, no início do seu mandato, afirmou aqui, no Plenário, que o ano de 2012 seria o ano de viragem. Não foi. Foi, de resto, um ano de enormíssimos sacrifícios para os portugueses, suportados numa austeridade que degradava a nossa economia e empobrecia milhares e milhares de pessoas.
Ontem, na discussão do seu último Orçamento do Estado, o mesmo Primeiro-Ministro afirmou, nesta mesma Sala, que o ano de 2015 será o ano de viragem. Ou seja, começa e acaba o mandato a prometer uma viragem que nunca chega, porque os anos correm, o disco vira, mas toca sempre, sempre, o mesmo — a insistente opção pela dramática austeridade, pelo défice, por uma dívida insustentável e pela injusta repartição de riqueza, do início ao fim do mandato.
A promessa de 2015 como o ano de viragem, que geraria maior capacidade económica aos portugueses, é de tal forma vã que o Governo, em vez de acabar com a sobretaxa do IRS, inventa um crédito fiscal, que, face às suas condicionantes, torna muito difícil a reposição de qualquer valor dessa sobretaxa aos portugueses.
A promessa é de tal modo falsa que a brutal carga fiscal continuará a assolar os portugueses, designadamente ao nível do IRS e do IVA, acrescida do aumento do IMI e também da «fiscalidade laranja». Permitam-me, Sr.as e Srs. Deputados, que, depois do refúgio que o Sr. Ministro do Ambiente hoje aqui demonstrou, me recuse a usar o adjetivo «verde» para um pacote fiscal que tem como primeiríssimo objetivo sacar 165 milhões de euros brutos, em impostos e taxas, à população.
Mas a promessa de viragem é também de tal forma ilusória que o salário mínimo nacional líquido não chegará aos 450 €, as pensões mínimas não conhecerão acréscimos superiores a qualquer coisa como 2 € mensais e só em prestações sociais o Governo vai cortar 375 milhões de euros. Isto é o Governo PSD/CDS no seu melhor para ensaiar uma viragem na recuperação do rendimento das pessoas.
A acrescentar a tudo isto, e a muito mais que aqui poderia ser exemplificado, o Sr. Primeiro-Ministro, em resposta a Os Verdes, veio ontem anunciar que, ao contrário do que foi determinado pelo Tribunal Constitucional, tenciona fazer tudo o que puder para que os cortes salariais não sejam integralmente repostos em 2016, propondo que a reposição se faça a conta-gotas. Quer, portanto, afrontar o Tribunal Constitucional e também os portugueses, que já têm a legítima expectativa de receber os seus salários na íntegra, pelo menos, em 2016.
Alega o Primeiro-Ministro que a crise ainda não acabou. Pois não!… E com estas políticas não terá mesmo fim, porque o Governo vai cavando sistematicamente um buraco que impede qualquer lógica de robustez económica, bem como qualquer hipótese de diminuição das desigualdades que fragilizam este País para enfrentar quaisquer adversidades. E o Orçamento do Estado para 2015 cava mais esse buraco.
Sr.as e Srs. Deputados, em relação a tudo o que ficou dito não há inevitabilidades, há sempre alternativas em política. E só usa o argumento da inevitabilidade o Governo que quer seguir cegamente o seu percurso, sem olhar a meios e numa total insensibilidade social.
Por exemplo, em relação àquilo a que o Governo chama de margem para descer impostos, havia várias alternativas. Uma delas era descer impostos que folgassem a vida das pessoas e que, por essa via, gerassem condições de dinamização do nosso mercado interno. Para tanto podia optar-se por nos livrarmos do brutal aumento do IRS, que afunilou este País a partir de 2013, ou por descer o IVA, de que as micro, pequenas e médias empresas muito beneficiariam em termos de mercado, designadamente o IVA da restauração, cujo aumento liquidou demasiadas empresas do setor. Mas a opção, repito, a opção do Governo PSD/CDS, com o apoio do PS, foi a de descer a taxa do IRC, beneficiando, antes, os grandes grupos económicos e financeiros, mantendo, entretanto, todo um conjunto de benefícios fiscais de que estes gozam e que retira milhões ao erário público.
O Governo e, também, o PS baixaram o IRC pelo segundo ano consecutivo. Para termos uma ideia daquilo que está em causa, só a EDP, tendo em conta os resultados e os lucros que teve, pode beneficiar, num só ano, em 40 milhões de euros com esta benesse. A política de privatizações — por exemplo, da Empresa Geral de Fomento (EGF) ou a intenção de privatização dos transportes — é também um claro serviço ao grande poder económico. E o mais revoltante é perceber este nítido serviço aos grandes interesses ao mesmo tempo que se assiste ao corte que o Orçamento faz para os mais pobres.
Não admira, portanto, que relatórios, como os do Instituto Nacional de Estatística (INE) ou da UNICEF, nos digam, preto no branco, que a pobreza alastra, atingindo, de forma assustadora e desumana, tantas crianças, tantos idosos e tantas pessoas em idade ativa.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Ecologista Os Verdes votará, evidentemente, contra este Orçamento, que acentua o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, que claramente não visa retirar pessoas da pobreza mas, antes, habituar o povo a uma dose de pobreza necessária para assegurar os ricos banqueiros e os acionistas de grandes empresas.
Para além disto, estamos também perante um Orçamento do Estado com um cenário macroeconómico infundadamente otimista e que ignora, por exemplo, o colapso do BES e os custos que daí poderão advir para a nossa economia. Esta é a opção que a política à direita oferece ao País.
Mesmo para terminar, Os Verdes não deixarão, obviamente, de apresentar um pacote de alterações ao Orçamento do Estado, centradas, sobretudo, em três eixos: primeiro, no combate ao empobrecimento das pessoas; segundo, na dinamização da nossa economia interna, com proveitos do ponto de vista social, ambiental e económico, através de uma produção e de um consumo mais localizados; terceiro, numa verdadeira fiscalidade verde que tome como objetivo exclusivo a alteração de comportamentos para garantir melhores padrões de sustentabilidade.
O apelo que fazemos, entretanto, é que o povo português não assista impávido e sereno à implementação destas políticas maquiavélicas mas que demonstre o seu desacordo em relação a elas, que lute por alternativas políticas, por outras respostas de que o País precisa, que lute pela dignificação do povo português. Os Verdes estão, certamente, nessa luta.
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