Pesquisa avançada
Início - Grupo Parlamentar - XII Legislatura - 2011/2015 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
Intervenções na Ar (Escritas)
Partilhar

|

Imprimir página
31/10/2014
Orçamento de Estado para 2015 - discussão na generalidade - encerramento
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Orçamento de Estado (generalidade) - encerramento
- Assembleia da República, 31 de Outubro de 2014 -

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro, no início do seu mandato, afirmou aqui, no Plenário, que o ano de 2012 seria o ano de viragem. Não foi. Foi, de resto, um ano de enormíssimos sacrifícios para os portugueses, suportados numa austeridade que degradava a nossa economia e empobrecia milhares e milhares de pessoas.
Ontem, na discussão do seu último Orçamento do Estado, o mesmo Primeiro-Ministro afirmou, nesta mesma Sala, que o ano de 2015 será o ano de viragem. Ou seja, começa e acaba o mandato a prometer uma viragem que nunca chega, porque os anos correm, o disco vira, mas toca sempre, sempre, o mesmo — a insistente opção pela dramática austeridade, pelo défice, por uma dívida insustentável e pela injusta repartição de riqueza, do início ao fim do mandato.
A promessa de 2015 como o ano de viragem, que geraria maior capacidade económica aos portugueses, é de tal forma vã que o Governo, em vez de acabar com a sobretaxa do IRS, inventa um crédito fiscal, que, face às suas condicionantes, torna muito difícil a reposição de qualquer valor dessa sobretaxa aos portugueses.
A promessa é de tal modo falsa que a brutal carga fiscal continuará a assolar os portugueses, designadamente ao nível do IRS e do IVA, acrescida do aumento do IMI e também da «fiscalidade laranja». Permitam-me, Sr.as e Srs. Deputados, que, depois do refúgio que o Sr. Ministro do Ambiente hoje aqui demonstrou, me recuse a usar o adjetivo «verde» para um pacote fiscal que tem como primeiríssimo objetivo sacar 165 milhões de euros brutos, em impostos e taxas, à população.
Mas a promessa de viragem é também de tal forma ilusória que o salário mínimo nacional líquido não chegará aos 450 €, as pensões mínimas não conhecerão acréscimos superiores a qualquer coisa como 2 € mensais e só em prestações sociais o Governo vai cortar 375 milhões de euros. Isto é o Governo PSD/CDS no seu melhor para ensaiar uma viragem na recuperação do rendimento das pessoas.
A acrescentar a tudo isto, e a muito mais que aqui poderia ser exemplificado, o Sr. Primeiro-Ministro, em resposta a Os Verdes, veio ontem anunciar que, ao contrário do que foi determinado pelo Tribunal Constitucional, tenciona fazer tudo o que puder para que os cortes salariais não sejam integralmente repostos em 2016, propondo que a reposição se faça a conta-gotas. Quer, portanto, afrontar o Tribunal Constitucional e também os portugueses, que já têm a legítima expectativa de receber os seus salários na íntegra, pelo menos, em 2016.
Alega o Primeiro-Ministro que a crise ainda não acabou. Pois não!… E com estas políticas não terá mesmo fim, porque o Governo vai cavando sistematicamente um buraco que impede qualquer lógica de robustez económica, bem como qualquer hipótese de diminuição das desigualdades que fragilizam este País para enfrentar quaisquer adversidades. E o Orçamento do Estado para 2015 cava mais esse buraco.
Sr.as e Srs. Deputados, em relação a tudo o que ficou dito não há inevitabilidades, há sempre alternativas em política. E só usa o argumento da inevitabilidade o Governo que quer seguir cegamente o seu percurso, sem olhar a meios e numa total insensibilidade social.
Por exemplo, em relação àquilo a que o Governo chama de margem para descer impostos, havia várias alternativas. Uma delas era descer impostos que folgassem a vida das pessoas e que, por essa via, gerassem condições de dinamização do nosso mercado interno. Para tanto podia optar-se por nos livrarmos do brutal aumento do IRS, que afunilou este País a partir de 2013, ou por descer o IVA, de que as micro, pequenas e médias empresas muito beneficiariam em termos de mercado, designadamente o IVA da restauração, cujo aumento liquidou demasiadas empresas do setor. Mas a opção, repito, a opção do Governo PSD/CDS, com o apoio do PS, foi a de descer a taxa do IRC, beneficiando, antes, os grandes grupos económicos e financeiros, mantendo, entretanto, todo um conjunto de benefícios fiscais de que estes gozam e que retira milhões ao erário público.
O Governo e, também, o PS baixaram o IRC pelo segundo ano consecutivo. Para termos uma ideia daquilo que está em causa, só a EDP, tendo em conta os resultados e os lucros que teve, pode beneficiar, num só ano, em 40 milhões de euros com esta benesse. A política de privatizações — por exemplo, da Empresa Geral de Fomento (EGF) ou a intenção de privatização dos transportes — é também um claro serviço ao grande poder económico. E o mais revoltante é perceber este nítido serviço aos grandes interesses ao mesmo tempo que se assiste ao corte que o Orçamento faz para os mais pobres.
Não admira, portanto, que relatórios, como os do Instituto Nacional de Estatística (INE) ou da UNICEF, nos digam, preto no branco, que a pobreza alastra, atingindo, de forma assustadora e desumana, tantas crianças, tantos idosos e tantas pessoas em idade ativa.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Ecologista Os Verdes votará, evidentemente, contra este Orçamento, que acentua o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, que claramente não visa retirar pessoas da pobreza mas, antes, habituar o povo a uma dose de pobreza necessária para assegurar os ricos banqueiros e os acionistas de grandes empresas.
Para além disto, estamos também perante um Orçamento do Estado com um cenário macroeconómico infundadamente otimista e que ignora, por exemplo, o colapso do BES e os custos que daí poderão advir para a nossa economia. Esta é a opção que a política à direita oferece ao País.
Mesmo para terminar, Os Verdes não deixarão, obviamente, de apresentar um pacote de alterações ao Orçamento do Estado, centradas, sobretudo, em três eixos: primeiro, no combate ao empobrecimento das pessoas; segundo, na dinamização da nossa economia interna, com proveitos do ponto de vista social, ambiental e económico, através de uma produção e de um consumo mais localizados; terceiro, numa verdadeira fiscalidade verde que tome como objetivo exclusivo a alteração de comportamentos para garantir melhores padrões de sustentabilidade.
O apelo que fazemos, entretanto, é que o povo português não assista impávido e sereno à implementação destas políticas maquiavélicas mas que demonstre o seu desacordo em relação a elas, que lute por alternativas políticas, por outras respostas de que o País precisa, que lute pela dignificação do povo português. Os Verdes estão, certamente, nessa luta.
Voltar