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Intervenções na Ar (Escritas)
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30/10/2014
Orçamento de Estado para 2015 - discussão na generalidade
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Apreciação conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 254/XII (4.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2015 e 253/XII (4.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2015
- Assembleia da República, 30 de Outubro de 2014 -

1ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Primeiro-Ministro, ouvi-o com toda a atenção mas tenho a dizer-lhe que o otimismo do seu discurso inicial está ao nível do otimismo deste Orçamento do Estado e dos anteriores e, até, do otimismo das previsões do antigo Ministro Vítor Gaspar.
A verdade é que, ao longo destes últimos três anos e meio, o Governo não se cansou de impor sacrifícios e austeridade à generalidade das famílias. Durante esse período — portanto, desde a tomada de posse do Governo até hoje —, entre redução dos salários da Administração Pública, congelamento das progressões e das promoções e redução de outros prémios, os trabalhadores da Administração Pública ficaram sem 8,8 mil milhões de euros. Isto já para não falar da pesadíssima carga fiscal ou dos cortes nas reformas e nas pensões ou, até, dos cortes ou do emagrecimento dos apoios sociais.
Só no que se refere aos salários dos trabalhadores da Administração Pública, voaram quase 9000 milhões de euros.
Entretanto, o desemprego disparou para números nunca vistos, a dívida pública não parou de aumentar e a nossa economia continua sem dar sinais de vida.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, durante esse período, quando o Governo apresentava os cortes e os sacrifícios foi sempre dizendo que esses cortes e sacrifícios decorriam da presença da troica em Portugal, mas que assumiam natureza provisória, excecional e, portanto, eram limitados no tempo.
O Governo falava então da recuperação da soberania, da situação de protetorado; depois, veio a luz ao fundo do túnel, os sinais positivos e, até, os milagres económicos.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro até pôs o relógio a andar para trás: quando a troica se fosse embora, tudo voltaria ao sítio. Sairia a troica, voltariam os salários, o nível dos impostos, os apoios sociais e tudo o resto que voou nestes últimos três anos e meio. Mas, afinal, a troica foi embora e as políticas ficaram, como, aliás, se vê neste Orçamento do Estado.
Este Orçamento do Estado, ainda que não pareça, foi construído sem a sombra da troica e, mesmo assim, sem troica, o Governo insiste na continuação da imposição dos sacrifícios aos portugueses e nas políticas de austeridade. Ora, os portugueses, que viram a troica sair do País, que ouviram o Governo dizer que quando a troica se fosse embora entraríamos num novo ciclo de crescimento económico, sentem-se agora, e de novo, completamente enganados pelo Governo.
Neste Orçamento, o Governo não só mantém a brutal carga fiscal sobre quem trabalha como ainda fica a dever aos trabalhadores da Administração Pública 80% do que lhes retirou, para quem vier a seguir pagar, se chegar a pagar.
Como diz a antiga Ministra e também ex-Presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite: «declarar meras intenções para anos futuros, prometer sob condição, é confundir discurso político com compromisso legal de executar uma decisão».
Está muito bem dito, Sr. Primeiro-Ministro! O Sr. Primeiro-Ministro está a rir-se, não sei porquê, mas também não vou perguntar-lhe, não interessa para o caso.
Aliás, Sr. Primeiro-Ministro, esta fórmula encontrada pelo Governo para proceder à reposição dos cortes salariais é, no parecer da Associação Sindical de Juízes, de constitucionalidade duvidosa. Portanto, muito provavelmente, ainda não é desta que o Governo nos apresenta um Orçamento dentro do quadro constitucional.
Vou repetir, Sr. Primeiro-Ministro: a Associação Sindical de Juízes considera que esta fórmula que o Governo encontrou de proceder à devolução dos cortes é de duvidosa constitucionalidade.
E o Governo que faz depender a descida da sobretaxa do aumento da receita do IRS e do IVA é o mesmo Governo que, sem qualquer condição, volta a descer a taxa do IRC para as grandes empresas, agora de 23% para 21%, depois de este ano já ter procedido à redução de 25% para 23%.
Esta é a grande diferença, Sr. Primeiro-Ministro: quando se trata de devolver às pessoas o que o Governo retirou, o Governo estabelece condições, impõe um «se» e remete para o futuro, para quem vier a seguir; quando se trata de baixar os impostos das grandes empresas e dos grupos económicos, o Governo não impõe qualquer condição, não há qualquer «se», é só baixar os impostos e não há, sequer, qualquer remissão para o futuro.
Mas há ainda outra diferença. Quando se trata das famílias, as devoluções são praticamente virtuais; quando se trata das grandes empresas, as descidas de impostos são reais.
São estas as prioridades deste Governo e são estas as suas opções. O Governo vai ter, de facto, o resultado pretendido com este Orçamento. Em 2015, as famílias portuguesas, só em IRS e IVA, vão pagar mais 1000 milhões de euros do que neste ano e as grandes empresas, com a diminuição da taxa do IRC, vão pagar umas boas centenas de milhões de euros a menos ao Estado.
São estas as prioridades e as opções deste Governo: as grandes empresas e os bancos.
Sr. Primeiro-Ministro, o Conselho Económico e Social, a propósito do parecer sobre as GOP 2015, manifesta grande preocupação sobre as consequências do processo relativo ao BES, consequências que podem surgir para o sistema produtivo, para o sistema financeiro mas, também, para o emprego e para os contribuintes em geral.
Parece claro que o caso do BES nos leva a dizer que estamos diante de perdas potenciais que se podem, muito provavelmente, transformar em perdas reais. Portanto, não estanharia que viéssemos a ter mais um ou dois orçamentos retificativos ainda antes das eleições.
Mas gostaria, Sr. Primeiro-Ministro, que se pronunciasse sobre os impactos do processo do BES na economia e as suas consequências neste Orçamento, porque acho que seria importante saber, por exemplo, se o Sr. Primeiro-Ministro acompanha a Sr.ª Ministra das Finanças, que, na Comissão de Orçamento e Finanças, afirmou que o caso do BES não iria ter qualquer impacto no Orçamento do Estado para 2015.

2ª Intervenção

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É verdade que o Orçamento do Estado para 2015, nas suas linhas essenciais, se confunde com os anteriores Orçamentos apresentados por este Governo. Trata-se de um Orçamento de austeridade, de continuação dos sacrifícios e de aumento de impostos para quem trabalha.
E, ao contrário do que afirma o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, o facto inédito deste Orçamento de Estado não reside no objetivo do défice; o único facto inédito neste Orçamento é que, ao contrário dos outros Orçamentos do Governo PSD/CDS, este não esteve submetido a quaisquer condicionantes externas.
Ora, tendo sido elaborado sem a troica e mantendo o Governo as mesmas políticas de austeridade, significa que o Governo andou três anos a enganar os portugueses ao criar-lhes a expectativa de que, com a saída da troica, tudo voltaria ao sítio. Afinal, a troica foi embora, mas as políticas ficaram e nada foi ao sítio!
E a única leitura possível é que o Governo pretende, de facto, transformar em definitivos os cortes que foram sempre anunciados e apresentados como provisórios.
Diz o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que «a fixação do objetivo de 2,7% para o défice de 2015 é um facto inédito nos últimos 40 anos». Não, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, não é! Em 2007, o défice foi de 2,6%!
Mas, para além disso, estamos a falar do objetivo e não do resultado e, se atendermos às disparidades ou à distância entre os objetivos e os resultados orçamentais dos últimos três anos, o que seria, de facto, inédito era o Governo cumprir as metas orçamentais que constam deste Orçamento do Estado. O que seria inédito era que o Governo nos apresentasse um Orçamento que respeitasse a nossa Constituição, porque, até ao momento, este Governo ainda não foi capaz de fazer aprovar um único Orçamento do Estado dentro das normas constitucionais. Nem um até ao momento!
E se, por hipótese académica, o Sr. Primeiro-Ministro continuasse em funções depois das eleições — há um «se», porque é pouco provável que continue —, ficámos hoje a saber que o Orçamento para 2016 continuaria a ser apresentado à margem da Constituição, porque o Sr. Primeiro-Ministro pretenderia insistir na devolução dos salários a conta-gotas, quando o Tribunal Constitucional já disse que o que falta devolver nos cortes salariais é para devolver na totalidade no ano de 2016.
Inédito seria se o Governo pensasse mais nas pessoas e menos nas grandes empresas.
Inédito seria se o Governo aliviasse a pressão fiscal sobre as famílias, em sede de IRS, em vez de descer o IRC para as grandes empresas.
Inédito seria se este Orçamento não somasse cortes aos cortes dos últimos anos nas políticas sociais, nomeadamente na educação, na justiça, mas também na segurança social.
Inédito seria se o Governo não continuasse na saga do encerramento de escolas e na redução de professores.
Inédito seria se o Governo devolvesse a totalidade do que retirou aos trabalhadores da Administração Pública e não se ficasse apenas pelos 20% do total que retirou.
Inédito seria se o Governo não continuasse nesta onda de privatizações ou concessões de todas as empresas públicas que interessam aos senhores do dinheiro, nomeadamente da TAP, da EGF, da STCP, da Metro do Porto, da Carris, da Metro de Lisboa, dos CTT, da REN, da Caixa Seguros, da EMEF, da CP Carga, e por aí fora.
Inédito seria se este Orçamento procurasse combater o desemprego.
Inédito seria se o Governo não pretendesse diminuir mais uns milhares de postos de trabalho, tanto da administração central, como da administração local, como no setor empresarial do Estado.
Inédito seria se este Orçamento refletisse um esforço ao nível do investimento público, que, aliás, tem um crescimento inferior ao da variação do PIB.
Inédito seria se o Governo investisse nos serviços públicos e melhorasse as condições de vida dos cidadãos, que hoje se deparam com uma gritante injustiça. Aliás, à maior carga fiscal de que há memória, corresponde menos investimento nos serviços públicos.
Inédito seria se este Orçamento não viesse aumentar as ingerências e agravar as restrições à autonomia e à gestão do poder local.
Inédito seria se o Governo não tratasse as autarquias locais como órgãos desconcentrados do Governo.
E inédito seria se o Governo assumisse as funções sociais do Estado e procurasse com este Orçamento promover a justiça social.
Mas, infelizmente, o único facto inédito deste Orçamento é que ele foi elaborado sem a sombra da troica e as desculpas do Governo para justificar os sucessivos cortes nos salários, nas pensões e nos apoios sociais, bem como as desculpas para o brutal aumento da carga fiscal sobre as famílias esfumaram-se da noite para o dia com a saída da troica.
Termino, citando o Conselho Económico e Social quando voltou a insistir «na necessidade de reduzir a carga fiscal sobre as famílias, tendo como objetivos a diminuição das grandes desigualdades fiscais e a dinamização da procura interna e do mercado doméstico» — é o que diz o Conselho Económico e Social no parecer sobre as Grandes Opções do Plano para 2015.
E, agora, dizemos nós: os portugueses exigem e têm direito a uma política alternativa que promova o crescimento, melhore as condições de vida das famílias, combata o desemprego, dinamize o investimento público e a procura interna e, sobretudo, que promova a justiça social.
Não é nada disso que acontece com este orçamento do Estado para 2015.
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