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12/10/2007 |
Programa Nacional de Barragens |
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Declaração Política da Deputada Heloísa Apolónia sobre o Programa Nacional de Barragens, proferida na Assembleia da República a 11 de Outubro de 2007
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Está em discussão pública o Programa Nacional de Barragens. Depois de se ler o programa e o seu relatório ambiental acaba até por ser confrangedor ouvir declarações do Sr. Ministro do Ambiente a alegar que as razões ambientais estiveram na base da selecção da localização destes empreendimentos. Aquele membro do Governo que deveria ser o guardião do património ambiental e da valorização desse património, é aquele que anui em projectos que destroem o potencial que este país tem em termos ecológicos.
O primeiro grande erro crasso deste Programa é constatar que os consumos de electricidade têm crescido constantemente e aceitar piamente que essa realidade é para continuar e que, assim, há que encontrar mecanismos para servirem esse aumento de consumo de electricidade. Portanto, todo o discurso sobre aumento de eficiência energética, sobre a imperativa alteração do paradigma de consumos com vista à poupança energética está visto que é mesmo só discurso e que não constitui qualquer objectivo do Governo.
Por outro lado, o Programa aposta nas grandes barragens, em detrimento da produção mais localizada, sabendo-se, como hoje se sabe, que a perda no transporte de energia ronda os 60%, o que dá bem conta do desperdício energético que existe neste país. A aposta na produção localizada e sustentada, com grande peso para a micro-geração deveria ser o caminho a prosseguir, em detrimento de mega-projectos que delapidam o nosso património natural e que inviabilizam potencialidades de desenvolvimento agregadas a esse património.
Uma das grandes lacunas do estudo ambiental do Programa de Barragens é a avaliação dos impactos desta barragem sobre o litoral. Andamos sempre a falar da fragilidade do nosso litoral, das agressões que sobre ele se cometem, da erosão da nossa zona costeira e, sabendo do grande impacto que as barragens têm sobre o entrave ao transporte de sedimentos, decide-se, assim, construir 10 grandes barragens sem aferir pormenorizadamente do impacto que vão ter sobre o litoral. Isto é no mínimo irresponsável.
Dir-se-á, mas isso será avaliado no estudo de impacte ambiental que posteriormente será feito sobre cada uma das 10 barragens. Será? Mas esse, Srs. Deputados, é outro dos grandes logros deste programa. Esta lógica demonstra bem para que servem os Estudos de Impacte Ambiental em Portugal. Primeiro decide-se o que se vai construir e onde e depois faz-se um estudo de impacto ambiental, que já não terá qualquer peso sobre a decisão de construção dos projectos e da sua localização.
Mas este Programa também revela bem para que serviu verdadeiramente a nova lei da água. O Programa de Barragens revela que vai provocar a degradação da qualidade das águas e piorar o estado dos ecossistemas aquáticos e as zonas húmidas dependentes. Uma lei tão apregoada para garantir a boa qualidade das águas num país saturado pela intensificação da poluição dos seus recursos hídricos, afinal, como “Os Verdes” denunciaram na altura, tinha como verdadeiro objectivo a fixação dos direitos daqueles a quem é atribuída a gestão do recurso água, com poderes de licenciamento e de usos durante décadas e décadas, numa lógica de privatização real de patrimónios colectivos.
Este Programa de Barragens despreza os valores patrimoniais e ambientais, que, se valorizados, são inegavelmente factores de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida das populações e das regiões.
A barragem que é proposta para a Foz do Tua é bem demonstrativa disso mesmo. O relatório ambiental quando procede à avaliação sumária deste empreendimento omite inexplicavelmente um conjunto de parâmetros que fazem parte da realidade regional, que só se pode entender que nunca sejam referenciados por constituírem uma incalculável perda, que ao ser tida em conta muito pesaria para não se optar pela construção dessa barragem.
Como é possível que o impacto paisagístico numa das mais belas zonas do Tua (Fragas más) seja omitida no estudo? Como é possível que a classificação pela UNESCO de zonas, de Carrazeda de Ansiães e Alijó, como património da humanidade, que serão afectadas, seja omitida? Como é possível que a linha ferroviária do Tua, considerada a terceira mais bela via estreita do mundo seja completamente omitida nos parâmetros de avaliação dos efeitos de uma barragem que se propõe submergir, como refere o estudo, 35Km dessa linha? Depois do desastre ecológico irreparável que vai constituir a barragem do Sabor, a riqueza patrimonial de Trás-os-Montes tem de continuar a ser sacrificada com a construção de mais barragens? E esta é justamente uma das barragens que o estudo confere que não vai reflectir-se em melhoria do rendimento nem num maior bem-estar das populações da região, ao contrário, vai eliminar elementos que podem contribuir para o seu rendimento, como o solo e uma linha ferroviária com potencialidades de se articular com a linha do Douro e com a ligação a Espanha.
Sr. Presidente
Srs. Deputados
Os sucessivos Governos têm insistido em deixar uma marca de poder associada a grandes obras, a grandes empreendimentos – foi assim com as auto-estradas, com pontes e edificações, e para esse efeito estas barragens servirão na perfeição. Mas para as necessidades do país este programa de barragens é notoriamente desadequado e muito pouco sustentado na sua avaliação ambiental.