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04/02/2003 |
Projecto de Deliberação Nº. 15/IX Adopta medidas para a não Discriminação de Cidadãos com Deficiência ou Incapacidade |
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A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa em termos latos, no seu artigo 13.º, consagra ao proclamar: “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
O princípio da igualdade que pressupõe o reconhecimento do direito à diferença, direito este cuja vivência no tocante às pessoas com deficiência ou incapacidade está ainda longe de ter sido assegurada. Um facto que não se ultrapassa com simples proclamações, antes reclama um comprometimento activo de toda a sociedade portuguesa, traduzido em decisões concretas e práticas diárias, que promovam a efectividade de direitos e a igualdade de oportunidades para estes cidadãos.
Portugal, por acrescidas razões que advêm da existência de um elevado número de pessoas com deficiência ou incapacidade, que têm na sua origem as mais diversas razões - sinistralidade rodoviária, elevada taxa de acidentes de trabalho e domésticos, herança da guerra colonial, crescente número de pessoas idosas, entre outros – tem de prestar especial atenção a este problema, que atinge cerca de um milhão de portugueses, e a responsabilidade de criar condições para a plena integração social, cultural e cívica destes cidadãos.
Uma necessidade que passa pela adopção de medidas capazes de dar visibilidade aos problemas da deficiência e da incapacidade, por consciencializar a opinião pública para atitudes discriminatórias e a necessidade de as contrariar, por influenciar mudanças de comportamento e eliminar preconceitos em relação às pessoas com deficiência.
Uma exigência de cidadania que implica e apela ainda, num acto cultural diverso, ao envolvimento directo da administração pública e das instituições, em especial, do Parlamento.
O Parlamento que, de acordo com a proposta formulada pelos Verdes, enquanto casa comum da democracia e espaço privilegiado da cidadania, deve impulsionar, através de medidas concretas, uma cultura de não discriminação, de integração e de igualdade de oportunidades para com estes cidadãos com deficiência ou, de algum modo, limitados nas suas capacidades.
Medidas que Os Verdes consideram ser prioritárias e devem ser tomadas durante o presente ano, em que se assinala o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, através da adopção de um Código de Boas Práticas. Código este que traduza não só um olhar diferente e uma especial atenção do Parlamento em relação às necessidades dos cidadãos com deficiência, mas acima de tudo, nas medidas práticas a adoptar na sua organização interna e funcionamento, uma vontade clara de eliminar as barreiras com que estes cidadãos, aos mais diversos níveis, se deparam.
Medidas assim que propomos capazes de garantir o livre acesso e circulação no Palácio de S. Bento, local onde a Assembleia da República está sediada, a pessoas idosas, deficientes ou com mobilidade condicionada, em condições satisfatórias, através da eliminação das barreiras físicas, arquitectónicas e urbanísticas e da melhoria das condições de acesso e mobilidade segura dentro do seu espaço.
Medidas outras, ainda, de adaptação de espaços, de compatibilização técnica de equipamentos, de diversificação nos suportes de informação e divulgação, nomeadamente da produção legislativa, que assegurem com o maior grau de autonomia possível o acesso e a utilização plena de espaços e dos mais diversos equipamentos (restaurante, casas de banho, bibliotecas, por exemplo), bem como dos materiais e meios de acompanhamento da actividade parlamentar, em condições que facilitem a não exclusão e a participação de todos.
Gestos cujo simbolismo pode, de modo pedagógico, influenciar mudanças de comportamento, práticas e atitudes de outras instituições e da sociedade, na soma de pequenos passos.
Passos para favorecer a igualdade, a dignidade, a não discriminação, os direitos humanos, no acesso às entradas no Palácio, na utilização mais segura de escadarias, de corredores, nomeadamente pelos idosos, no recurso com maior grau de autonomia aos elevadores por parte de deficientes visuais, no adequado acesso às galerias para visitantes de cidadãos que se desloquem, por exemplo, em cadeiras de rodas.
O pensar ainda o direito à diferença, noutras esferas, como a comunicação, designadamente através da garantia de meios de interpretação, caso da língua gestual para acompanhamento da actividade parlamentar, ou de acordo com as diferentes limitações, pela diversificação e adaptabilidade dos diferentes meios e materiais de suporte à informação, edição e estudo, no sentido de pôr termo à actual exclusão de muitos cidadãos com necessidades específicas.
Sinais políticos que não podem deixar de ser interpretados pela sociedade e pelos cidadãos como vontade da Assembleia da República em promover a participação cívica dos cidadãos, em estimular o envolvimento de todos, sem excepção, na “res publica”.
Sinais que são, sobretudo, a vontade do Parlamento dar, através do seu exemplo, um contributo directo para pôr fim à indiferença, contrariar a discriminação, a exclusão e o “apartheid” social a que muitos portugueses com deficiência ou incapacidade estão condenados, sensibilizar a sociedade para o recurso a novos meios e tecnologias integrativas, em favor da vivência dos direitos humanos.
Meios e tecnologias integrativas diversas, que devem ser equacionados e sugerimos ao nível do acompanhamento dos trabalhos parlamentares, implicando para tal no canal respectivo a garantia de interpretação de língua gestual, para não excluir os portugueses surdos mudos.
Formas outras, ainda, as que propomos ao nível de outras respostas que para cidadãos com outro tipo de necessidades específicas é possível dar, recorrendo-se, por exemplo, para os cidadãos deficientes visuais, a materiais audio ou, em termos de publicações, a impressões de adequada dimensão e tipo de letra, bem como ao “Braille”, para edições de documentos fundamentais, como é o caso da Constituição da República Portuguesa ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Medidas em suma, que nos levam a propor à Assembleia da República que delibere no sentido de:
- Adoptar na sua organização interna um Código de Boas Práticas tendente a promover a não discriminação, a integração plena e a igualdade de oportunidades dos cidadãos com deficiência, incapacitados ou de algum modo limitados;
- Tomar, nesse sentido, medidas tendentes à eliminação das barreiras arquitectónicas que persistem no Palácio de São Bento, pela inventariação de todos os locais e espaços cujas condições de acesso, circulação e de permanência, devam ser melhoradas, nomeadamente nas galerias, no acesso ao edifício novo, nas escadarias, na biblioteca, através, designadamente, da colocação de corrimãos de apoio, da instalação de pavimentos anti derrapantes e de bandas de sinalização, de forma a facilitar o acesso pleno e a circulação autónoma e segura por parte de qualquer cidadão limitado na sua mobilidade;
- Tomar, de igual modo, medidas no sentido de identificar convenientemente todos os locais ou equipamentos essenciais de utilização por parte de cidadãos que se encontrem ou desloquem à Assembleia da República (restaurantes, bares, instalações sanitárias, biblioteca, elevadores), no sentido de garantir que a sua sinalização é a adequada e atende às necessidades específicas de pessoas com determinadas incapacidades (por exemplo, visuais) e que tenham os utilizar;
- Tomar medidas para melhorar a igualdade no acesso e no exercício do direito à informação no tocante ao acompanhamento da actividade parlamentar, garantindo a interpretação, através de língua gestual, no canal parlamento, e a sua síntese, no canal que presta serviço público, de forma a não excluir os cidadãos com limitações auditivas, designadamente, os surdo-mudos, da participação na vida das instituições democráticas;
- Tomar medidas para incentivar a diversificação dos meios de informação e suportes de comunicação e edição disponibilizados pela Assembleia da República, tendo em conta as necessidades específicas dos cidadãos com deficiência ou incapacidade, para tal aumentando, nomeadamente, o recurso à divulgação em audio, à impressão especial de documentos e legislação essencial destinada a pessoas com limitações visuais e a garantir a edição, em “Braille”, de publicações consideradas fundamentais, como é o caso da Constituição da República Portuguesa ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
- Estudar medidas para a criação de um “site” específico orientado para o apoio a cidadãos deficientes, incapacitados ou de algum modo limitados, que lhes permita aceder a informação sistematizada sobre legislação própria e sobre direitos que lhes estão especificamente atribuídos;
- Ponderar obrigatoriamente uma solução para o acesso pela entrada principal do Palácio aos cidadãos condicionados na sua mobilidade, em razão da dignidade que tal acesso significa;
- Que todas as soluções a encontrar, dentro e fora do edifício da Assembleia da República, sejam baseadas em estudos que salvaguardem o valor patrimonial e estético do Palácio de São Bento.
Palácio de São Bento, 4 de Fevereiro de 2003
As Deputadas Isabel Castro e Heloísa Apolónia