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02/12/2011
Projecto de Lei Nº. 106/XII Altera as normas para velocípedes sem motor do código da estrada
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Exposição de Motivos

Em 2008/2009 “Os Verdes” submeteram à apreciação, discussão e votação do Plenário da Assembleia da República 3 iniciativas com vista à defesa, promoção e consagração do direito dos ciclistas a circularem em liberdade e segurança nas estradas nacionais: um Projecto de Resolução para a elaboração de um Plano Nacional de Promoção da Bicicleta e outros modos de transporte suave, um Projecto de Lei para a implementação de uma Rede Nacional de Ciclovias e um segundo Projecto de Lei visando a alteração do Código da Estrada no sentido do respeito pela bicicleta como meio de transporte que circula nas nossas estradas com toda a legitimidade.

Infelizmente, apesar de ter baixado à Comissão de Transportes onde teve lugar um profícuo processo de audições de várias entidades e de debate em torno de várias iniciativas que visavam o mesmo objectivo, a maioria absoluta parlamentar da altura, sob o pretexto de que estava em curso uma revisão mais ampla do Código da Estrada, de iniciativa do Governo e já em consulta, obrigou, lamentavelmente, ao adiamento deste processo legislativo que hoje, esperançadamente, retomamos.

É forçoso reconhecer que a nossa sociedade se tornou obsessivamente dependente do uso quotidiano do carro, fruto não apenas de mudanças no nosso estilo de vida, motivadas ou forçadas por um certo modelo de desenvolvimento económico e social, de condições e horários de trabalho, de consumo, de ordenamento do território e do espaço urbano, mas também de uma gritante falta de investimento financeiro e de vontade política na promoção de alternativas cruciais que passam pela aposta incontornável no transporte público e em meios de mobilidade suave.

Tal situação acarretou consequências extraordinariamente graves, a nível ambiental – o sector dos transportes em geral, e o automóvel particular em especial, são dos principais responsáveis pela emissão de gases com efeito estufa para a atmosfera e pela degradação da qualidade de ar no meio urbano -, económico – o défice da balança comercial energética de Portugal assenta nas importações de combustíveis fósseis - e social – o império dos carros em meio urbano é das principais causas de falta de qualidade de vida e desumanização das nossas vilas e cidades.

Com efeito, o surgimento do automóvel contribuiu em grande parte para moldar o desenvolvimento das sociedades humanas dos últimos cem anos, das nossas cidades e urbanismo, à arquitectura e modo de vida (com o aumento dos percursos casa/escola ou trabalho/compras/lazer/casa), afectando a nossa saúde (poluição, stress, obesidade e falta de exercício físico estão na origem de doenças oncológicas e cardiovasculares), redução do tempo livre de qualidade em família, etc.

As ruas e localidades começaram a ser concebidas ou redesenhadas para os automóveis: tantas vezes com prejuízo para os peões, relegados para passeios, umas vezes inexistentes outras vezes tomados de assalto pelo estacionamento selvagem; parques de estacionamento que usurparam parte significativa do espaço urbano; semáforos e demais “mobiliário urbano de sinalização viária” vieram acrescentar novas barreiras urbanísticas à mobilidades das pessoas; as próprias regras de trânsito foram moldadas à imagem e vontade “divina” deste implacável tirano a quem fomos sacrificando o nosso direito enquanto pessoas e cidadãos a usar e usufruir do espaço urbano e viário sem ser ao volante ou dentro de um veículo automóvel.

Hoje, com o reconhecimento generalizado da necessidade de alterarmos o nosso paradigma energético e os nossos hábitos de vida, para formas mais saudáveis, mais sustentáveis e menos emissoras de carbono para a atmosfera vão-se afirmando, como alternativas mobilidade, outros meios de transporte diferentes do automóvel.

A bicicleta é um meio de transporte que já demonstrou, ao longo de muitos anos, em diferentes países, constituir, mais do que um objecto de desporto, bem-estar e de lazer (que também é), uma verdadeira e importante alternativa de mobilidade, para o dia-a-dia, com múltiplas vantagens, designadamente nas deslocações de curta distância.

Contudo, no Código da Estrada, o velocípede sem motor, isto é, a bicicleta, continua a ser colocada numa situação de menoridade viária e jurídica face ao automóvel. Isto só tem sido possível por se ter instalado a ideia de que a bicicleta é essencialmente um objecto de desporto e lazer, designadamente entre as camadas mais jovens da população.

Esse é um conceito cada vez mais ultrapassado e antiquado. A bicicleta é, antes de mais, um meio de transporte extremamente válido, como até há algumas décadas era genericamente considerada e reconhecida, muito usada por trabalhadores rurais e operários graças à sua relativa acessibilidade e baixo custo.

Hoje, a bicicleta, apesar de as condições físicas das nossas vias não oferecerem, em muitos casos, as melhores condições de segurança e apesar do nosso Código da Estrada continuar a discriminar, desfavorecer e desproteger os velocípedes face aos veículos com motor, tem vindo a conquistar novos adeptos apresentando no nosso país um potencial de crescimento que é urgente reconhecer e aproveitar pelos muitos benefícios que pode trazer.

Para isso importa criar na prática as condições de segurança viária que escasseiam e que “Os Verdes” defendem há longos anos, como as Ciclovias, mas também escutar as vozes que têm activamente promovido a mudança necessária entre nós, como a da Plataforma para a Promoção do Uso da Bicicleta e da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta, que têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de defender a cidadania e segurança do ciclista assegurando os seus direitos quando circula na via pública.

A consagração de um novo quadro legal, designadamente alterando o actual Código da Estrada, que reconheça a bicicleta como um verdadeiro meio de transporte, e a mobilidade suave como uma necessidade para humanizar e despoluir as nossas cidades e devolvê-las às pessoas, dará certamente um contributo importante para começar a alterar a forma como se vê a bicicleta e o peão nas nossas ruas e nas nossas estradas, melhorando a segurança viária, descongestionando o trânsito, e, desejavelmente, influindo positivamente no próprio ordenamento do território, planeamento urbano e paradigma de desenvolvimento.

Com este Projecto de Lei pretendem “Os Verdes”, assumindo e dignificando o verdadeiro e primacial papel legislativo do Parlamento, dando continuidade e concluindo o trabalho encetado na Xª Legislatura, com abertura, debate plural e transparência:
a) integrar no Código da Estrada um princípio de respeito, valorização e reconhecimento do papel da bicicleta na via pública que não pode continuar subalternizada face ao automóvel, nomeadamente no que toca à regra geral da prioridade;
b) reconhecer a legítima existência de utilizadores das vias públicas que apresentam maior fragilidade, como o peão e a bicicleta, face aos veículos a motor, e prever expressamente o especial dever de prudência e de cuidado que deve impender sobre estes últimos, à luz das melhores práticas europeias.

Nesse sentido, ao abrigo das disposições legais e regimentais em vigor, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, introduzindo algumas alterações decorrentes das audições realizadas em 2009, reapresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Os Artigos 1º, 11º, 17º, 18º, 24º, 25º, 32º, 38º, 40º, 49º, 78º, 90º, 103º e 113º do Código da Estrada passam a ter a seguinte redacção:

“Artigo 1º
Definições legais

(…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) (…)
j) (…)
l) (…)
m) (…)
n) (…)
o) (…)
p) (…)
q) (…)
r) (…)
s) (…)
t) (…)
u) (…)
v) (…)
x) (…)
z) «Ciclovia» pista especial dedicada à circulação de velocípedes sem motor.
aa) (actual alínea z)

Artigo 11º
Condução de veículos e animais

1- (…)
2- (…)
3- Os condutores de veículos devem conduzir sempre com prudência, cuidando em particular de não pôr em perigo os utentes mais vulneráveis, como peões e ciclistas, atendendo em especial às crianças, grávidas, idosos e pessoas portadoras de deficiência.
4- (actual nº3)

Artigo 17º
Bermas e passeios

1- (…)
2- (…)
3- Os velocípedes podem circular nas bermas fora das situações previstas no número um desde que não ponham em perigo ou perturbem os peões que nelas circulem.
4- Os velocípedes conduzidos por crianças até 10 anos de idade podem circular em via pública destinada a peões ou em passeios com mais de 1,5 metro de largura desde que a velocidade de passo e sem pôr em perigo ou perturbar os peões, devendo descer do velocípede assim que a densidade do tráfego pedonal dificulte a sua passagem.

Artigo 18º
Distância entre veículos

1- (…)
2- (…)
3- Fora das localidades ou circulando a velocidade superior a 30km/hora, no caso do outro veículo ser um velocípede, a distância lateral mínima que um condutor de veículo com motor deve manter durante a marcha é de 1,5 metro.
4- (actual número 3)

Artigo 24º
Princípios gerais

1- O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito, à aproximação de utentes mais vulneráveis como ciclistas e peões, em especial crianças, idosos, grávidas e pessoas portadoras de deficiência, e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
2- (…)
3- (…)

Artigo 25º
Velocidade moderada

1- (…)
a) À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões ou de velocípedes;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) (…)
j) (…)
l) (…)
2- (…)

Artigo 32º
Cedência de passagem a certos veículos

1- (…)
2- (…)
3- (…)
4- (actual nº5)


Artigo 38º
Realização da manobra

1- (…)
2- (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) Na ultrapassagem de velocípedes ou à passagem de peões que circulem pela ou se encontrem na berma, se conduzir veículo a motor, deve guardar a distância lateral mínima de 1,5 metros, atravessando o eixo da faixa de rodagem ou a linha descontinua ou mista à sua esquerda com as rodas da esquerda, e abrandar especialmente a velocidade.
3- (…)
4- (…)

Artigo 40º
Veículos de marcha lenta

1- Fora das localidades, em vias cuja faixa de rodagem só tenha uma via de trânsito afecta a cada sentido, os condutores de automóveis pesados, de veículos agrícolas, de máquinas industriais, de veículos de tracção animal ou de outros veículos, com excepção dos velocípedes, que transitem em marcha lenta devem manter em relação aos veículos que os precedem uma distância não inferior a 50 m que permita a sua ultrapassagem com segurança.
2- (…)
3- (…)
4- (…)

Artigo 49º
Proibição de paragem ou estacionamento

1-(…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) Nas ciclovias, nos ilhéus direccionais, nas placas centrais das rotundas, nos passeios e demais locais destinados ao trânsito de peões;
2- (…)
3- (…)
4- (…)

Artigo 78º
Pistas especiais

1- (…)
2- (…)
3- Nas ciclovias é proibido o trânsito daqueles que tiverem mais de duas rodas não dispostas em linha ou que atrelarem reboque, excepto se este não exceder a largura de um metro.
4- (…)
5- (…)
6- Quando existam ciclovias os velocípedes devem circular preferencialmente pelas mesmas.
7- Ao aproximar-se de velocípedes os condutores de veículos automóveis agirão com a máxima prudência e sem nunca os colocar em perigo, redobrando a atenção no caso de crianças ou idosos ciclistas.
8- Ao aproximar-se de uma passagem de velocípedes assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
9- Ao aproximar-se de uma passagem de velocípedes, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
10- Os condutores de um veículo automóvel ou de um motociclo não podem ocupar uma passagem para ciclistas se o bloqueamento da circulação é tal que os obriga a imobilizarem-se sobre a dita passagem.
11- (actual número 6)

Artigo 90º
Regras de condução

1-(…)
2- Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de € 60 a € 300, salvo se se tratar de condutor de velocípede, caso em que a coima é de € 30 a € 150.
3- Os condutores de velocípedes devem transitar o mais próximo possível das bermas ou passeios, excepto se tal colocar a sua segurança em perigo ou se se prepararem para mudar de direcção à esquerda.
4- Os velocípedes podem circular a par fora das ciclovias, desde que tal não cause perigo ou embaraço ao trânsito, excepto em vias com reduzida visibilidade ou durante engarrafamentos, devendo colocar-se em fila sempre que se aproxime um veículo automóvel pela retaguarda e logo que a situação não comprometa a sua segurança.

Artigo 103º
Cuidados a observar pelos condutores

1- (…)
2- (…)
3- (…)
4- (…)
5- Ao aproximar-se de crianças, pessoas idosas, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida ou portadoras de deficiência, a pé ou conduzindo uma cadeira de rodas, não motorizada ou motorizada não ultrapassando a velocidade de passo, os condutores devem redobrar a prudência, abrandar especialmente e, se necessário, parar.

Artigo 113º
Reboque de veículos de duas rodas e carro lateral

1- (…)
2- Os velocípedes podem atrelar, à retaguarda, um reboque de um eixo especialmente destinado ao transporte de passageiros e devidamente homologado.
3- Os velocípedes podem ainda ser equipados com uma cadeira especialmente concebida e homologada para o transporte de uma criança.
4- (actual nº 2)”

Artigo 2º

O Governo regulamentará o uso de reboques de velocípedes destinados ao transportes de passageiros no prazo máximo de um ano a contar da entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 3º

1-A presente Lei entra em vigor 90 dias depois da sua publicação.
2- O nº2 do artigo 113º do Código da Estrada entrará em vigor depois de devidamente regulamentado.

Palácio de S. Bento, 2 de dezembro de 2011.

Os Deputados,

Heloísa Apolónia

José Luís Ferreira
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