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12/11/2002
Projecto de Lei Nº. 160/IX Proíbe as discriminaçãoes no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde

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Preâmbulo

A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa consagra, quando proclama em termos latos no seu artigo 13.º e cito: “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

Um direito que continua, porém, em múltiplas esferas da vida quotidiana longe de ser respeitado, persistindo factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.

Discriminações no emprego, na escola, na limitação de acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, na mobilidade, na garantia do direito à habitação, nos comportamentos estigmatizantes.

Discriminações e desigualdades estas que incidem, de modo particularmente gritante, sobre os cidadãos com deficiência e se estendem nalguns domínios, às pessoas com risco agravado de saúde.

Factos que representam atentados aos direitos humanos, responsabilizam a sociedade e impõem o dever de procurar respostas para lhes pôr termo. Respostas que passam por uma diferente atitude cultural, mas não dispensam, antes aconselham, medidas políticas e legislativas que favoreçam a integração plena destes cidadãos. Medidas essas que sejam capazes de prevenir, de contrariar eficazmente e de penalizar a discriminação que, directa ou indirectamente, condiciona, limita ou nega a plenitude de direitos humanos e a igualdade de oportunidades que a estes cidadãos deve ser garantida.

É precisamente com esse propósito que esta iniciativa legislativa do Partido "Os Verdes" é apresentada. Um projecto que procura corresponder e fazer-se eco das reivindicações da Associação Portuguesa de Deficientes, cujas propostas, pela sua justeza, no essencial, acolhemos.

Uma iniciativa, um projecto de lei anti-discriminação, que coincide, não obstante alterações pontuais, com o modelo do diploma em vigor (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto) que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica. Um projecto, ainda, que vai ao encontro de legislação já adoptada na União Europeia, nomeadamente de um conjunto de orientações anti-discriminatórias, nas quais se inclui a Directiva 2000/78/CE que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação.

Um projecto, por fim, que de forma inovadora procura dar igualmente resposta a outro problema, para tal se alargando o seu objecto e o universo de destinatários. Trata-se, com efeito, de responder à discriminação de que são vítimas pessoas que não sendo deficientes, são consideradas em situação de risco agravado de saúde e, nessa qualidade, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas de acesso a bens fundamentais, como é o caso da habitação.

É neste contexto que as deputadas abaixo-assinadas do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes” apresentam o seguinte projecto de lei:

 

PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA

OU NA EXISTÊNCIA DE RISCO AGRAVADO DE SAÚDE

 

CAPÍTULO I

princípios gerais

 

Artigo 1º

Objecto

1 - O presente diploma tem por objecto a prevenção e a proibição da discriminação, directa ou indirecta, com base na deficiência e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência.

2 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde.

 

Artigo 2º

Definições

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) Discriminação directa: a que ocorre sempre que uma pessoa com deficiência ou com risco de saúde agravado seja objecto de um tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

b) Discriminação indirecta: a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas com deficiência ou com risco de saúde agravado numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificada por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.

c) Risco agravado de saúde: são consideradas pessoas com risco agravado de saúde as que sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional irreversível, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante, sem perspectiva de remissão completa e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida.

 

Artigo 3º

Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se a todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.

 

Artigo 4º

Discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde

1 - Entende-se por discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.

2 - O disposto na presente lei não prejudica a vigência e a aplicação das disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nele referidos.

 

CAPÍTULO II

práticas discriminatórias

 

Artigo 5.º

Práticas discriminatórias

1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência ou em situação de risco agravado de saúde , as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão de uma pessoa deter deficiência ou risco agravado de saúde , violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) A adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho ou a recusa de contratação;

b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão de deficiência ou da existência de risco agravado de saúde;

c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços por parte de qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;

d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica por qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;

e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros;

f) A recusa, o impedimento, ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público bem como, no acesso a transportes públicos utilizando, se for o caso, a respectiva ajuda técnica;

g) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;

h) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, bem como a privação de apoios ou meios específicos de que eventualmente careçam;

i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, segundo critérios de discriminação com base na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 4º;

j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;

l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador ao seu serviço;

m) A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.

2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão com deficiência ou risco de saúde agravado, por motivo do exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.

 

Artigo 6º

Ónus da Prova

Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminação em razão da deficiência ou da existência de risco agravado de saúde enunciados no presente diploma e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação, incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.

 

CAPÍTULO III

comissão para a igualdade e contra a discriminação

das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde

 

Artigo 7º

Composição

1 - A aplicação da presente lei será acompanhada por uma Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência e Risco Agravado de Saúde, a criar junto da Presidência do Conselho de Ministros, e que terá a seguinte composição:

a) Dois representantes eleitos pela Assembleia da República;

b ) Três representantes do Governo, a designar pelos departamentos governamentais responsáveis pelo emprego e segurança social, pela saúde e pela educação;

c) Seis representantes de associações, sendo quatro representantes das Associações ou da Confederação das Pessoas com Deficiência e os dois restantes das Associações ou da Federação das Pessoas com Risco Agravado de Saúde;

d) Dois representantes das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos do Homem ou dos Cidadãos;

e) Um representante da Ordem dos Advogados, a designar pela mesma;

f) Dois representantes das centrais sindicais, a designar por cada uma delas ;

g) Dois representantes das associações patronais, a designar por estas;

h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.

 

Artigo 8º

Competências

Compete especialmente à Comissão referida no artigo anterior:

a) Aprovar o seu regulamento interno;

b)Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da Administração Pública, no prazo de trinta dias;

c) Recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções;

d) Recomendar a adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir a prática de discriminação por motivos baseados na deficiência ou em risco agravado de saúde;

e) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a problemática da discriminação praticada em razão da deficiência e do risco agravado de saúde;

f) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de efectiva violação da presente lei;

g) Elaborar e publicar um relatório anual sobre a situação da igualdade e da discriminação das pessoas com deficiência e com risco agravado de saúde em Portugal.

 

Artigo 9º

Funcionamento

1 - Compete ao Governo dotar a Comissão dos meios necessários ao seu funcionamento.

2 - A Comissão dispõe de uma comissão permanente, composta por um presidente e por quatro elementos eleitos de entre os seus membros, sendo obrigatoriamente um deles o representante de uma organização de pessoas com deficiência e outro de uma organização representativa de pessoas com risco agravado de saúde.

3 - A Comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a comissão permanente.

 

Artigo 10º

Dever de cooperação

Todas as entidades, públicas ou privadas, têm o dever de cooperar com a Comissão na prossecução das suas actividades, nomeadamente fornecendo-lhes os dados que esta solicitar com vista à elaboração do seu relatório anual.

 

CAPÍTULO IV

regime sancionatório

 

Artigo 11º

Coimas

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e dez vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.

2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no capítulo II da presente lei por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.

3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

 

Artigo 12º

Pena acessória

1 - Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com carácter acessório, aplicar as seguintes penas:

a) Publicidade da decisão;

b) Advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória;

c) Arbitrar uma indemnização-sanção a favor da pessoa alvo de discriminação, atendendo ao grau de violação dos interesses em causa, poder económico dos autores das infracções e condições da pessoa objecto da prática discriminatória.

 

Artigo 13º

Concurso de Infracções

1 - Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título penal.

2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

 

Artigo 14º

Omissão de dever

Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.

 

CAPÍTULO V

disposições gerais

 

Artigo 15º

Interpretação e integração

Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais, as Normas Gerais para a Igualdade de Oportunidades das Pessoas com Deficiência e a Declaração de Compromisso sobre VIH/Sida adoptada pela ONU em 27 de Junho de 2001.

 

Artigo 16º

Regime financeiro

As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma, de acordo com o disposto no número 2 do artigo 167º da Constituição.

 

Artigo 17º

Regulamentação

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação de Pessoas Com Deficiência e Risco Agravado de Saúde e definir as entidades administrativas com competência para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

 

Palácio de S. Bento, 12 de Novembro de 2002

As Deputadas Isabel Castro e Heloísa Apolónia

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