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20/09/2005 |
Projecto de Lei Nº. 161/X Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde |
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Exposição de motivos
A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa consagra quando proclama em termos latos, no nº. 1 do seu artigo 13.º, que «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», para depois especificar no artº. 71º. que “os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição…”.
Apesar disso, em múltiplas esferas da vida quotidiana esse direito continua longe de ser respeitado, persistindo factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.
Estas discriminações, que se verificam, sobretudo no emprego, na escola, na limitação ao acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, na mobilidade e na garantia do direito à habitação, incidem, de modo particularmente visível, sobre os cidadãos com deficiência e estendem-se nalguns domínios às pessoas com risco agravado de saúde.
Estas situações configurando verdadeiros atentados aos direitos humanos, responsabilizam a sociedade e impõem o dever de procurar soluções. Soluções que passam por uma diferente atitude cultural, é certo, mas que também não dispensam, antes exigem, medidas políticas e legislativas que favoreçam a integração plena destes cidadãos.
È pois necessário tomar medidas que sejam capazes de prevenir, de contrariar eficazmente e de penalizar a discriminação que, directa ou indirectamente, condiciona, limita ou nega a plenitude de direitos humanos e a igualdade de oportunidades que a estes cidadãos deve ser garantida.
É precisamente com esse propósito que esta iniciativa legislativa de “Os Verde” é apresentada. Um projecto de lei que procura corresponder e fazer eco das reivindicações da Associação Portuguesa de Deficientes, cujas propostas, pela sua justeza, no essencial, acolhemos.
Um projecto de lei anti-discriminação, semelhante ao modelo do diploma em vigor (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto), que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
Uma iniciativa legislativa que vai ao encontro da legislação já adoptada na União Europeia, nomeadamente de um conjunto de orientações anti-discriminatórias, nas quais se inclui a Directiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação.
Um projecto de lei, ainda, que de forma inovadora procura dar igualmente resposta a outro problema, para tal se alargando o seu objecto e o universo de destinatários. Trata-se, com efeito, de responder à discriminação de que são vítimas pessoas que, não sendo deficientes, são consideradas em situação de risco agravado de saúde e, nessa qualidade, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas, no acesso de bens fundamentais, como é o caso da habitação.
Uma iniciativa legislativa que “Os Verdes” já apresentaram em 2002 e que depois da aprovação na generalidade em 16 de Janeiro de 2003, acabou por caducar, com o fim da Legislatura.
É neste contexto, e tendo presente que se mantêm os pressupostos que motivaram a sua apresentação na anterior Legislatura, que os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Objecto
1 - O presente diploma tem por objecto a prevenção e a proibição da discriminação, directa ou indirecta, com base na deficiência e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência.
2 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 - A presente lei vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.
2 - O disposto na presente lei não prejudica a vigência e a aplicação das disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nele referidos.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) Discriminação directa: a que ocorre sempre que uma pessoa com deficiência ou com risco de saúde agravado seja objecto de um tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta: a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas com deficiência ou com risco de saúde agravado numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas.
c) Risco agravado de saúde: são consideradas pessoas com risco agravado de saúde as que sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional irreversível, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante, sem perspectiva de remissão completa e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida.
d) Discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde: qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.
Capítulo II
Práticas discriminatórias
Artigo 4.º
Práticas discriminatórias
1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência ou em situação de risco agravado de saúde as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão de uma pessoa deter deficiência ou risco agravado de saúde, violem o princípio da igualdade, designadamente:
a) A adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho ou a recusa de contratação;
b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão de deficiência ou da existência de risco agravado de saúde;
c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços por parte de qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica por qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros;
f) A recusa, o impedimento, ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público bem como, no acesso a transportes públicos utilizando, se for o caso, a respectiva ajuda técnica;
g) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, bem como a privação de apoios ou meios específicos de que eventualmente careçam;
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, segundo critérios de discriminação com base na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 4.º;
j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador ao seu serviço;
m) A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.
2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão com deficiência ou risco de saúde agravado, por motivo do exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.
Artigo 5.º
Ónus da prova
Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminação em razão da deficiência ou da existência de risco agravado de saúde enunciados no presente diploma e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação, incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.
Capítulo III
Comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde
Artigo 6.º
Composição
A aplicação da presente lei será acompanhada por uma comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde, a criar junto da Presidência do Conselho de Ministros, e que terá a seguinte composição:
a) Dois representantes eleitos pela Assembleia da República;
b) Três representantes do Governo, a designar pelos departamentos governamentais responsáveis pelo emprego e segurança social, pela saúde e pela educação;
c) Seis representantes de associações, sendo quatro representantes das associações ou da Confederação das Pessoas com Deficiência e os dois restantes das associações ou da Federação das Pessoas com Risco Agravado de Saúde;
d) Dois representantes das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos do Homem ou dos Cidadãos;
e) Um representante da Ordem dos Advogados, a designar pela mesma;
f) Dois representantes das centrais sindicais, a designar por cada uma delas ;
g) Dois representantes das associações patronais, a designar por estas;
h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.
Artigo 7.º
Competências
Compete especialmente à comissão referida no artigo anterior:
a) Aprovar o seu regulamento interno;
b) Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da Administração Pública, no prazo de 30 dias;
c) Recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções;
d) Recomendar a adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir a prática de discriminação por motivos baseados na deficiência ou em risco agravado de saúde;
e) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a problemática da discriminação praticada em razão da deficiência e do risco agravado de saúde;
f) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de efectiva violação da presente lei;
g) Elaborar e publicar um relatório anual sobre a situação da igualdade e da discriminação das pessoas com deficiência e com risco agravado de saúde em Portugal.
Artigo 8.º
Funcionamento
1 - Compete ao Governo dotar a comissão dos meios necessários ao seu funcionamento.
2 - A comissão dispõe de uma comissão permanente, composta por um presidente e por quatro elementos eleitos de entre os seus membros, sendo obrigatoriamente um deles o representante de uma organização de pessoas com deficiência e outro de uma organização representativa de pessoas com risco agravado de saúde.
3 - A Comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a comissão permanente.
Artigo 9.º
Dever de cooperação
Todas as entidades, públicas ou privadas, têm o dever de cooperar com a comissão na prossecução das suas actividades, nomeadamente fornecendo-lhes os dados que esta solicitar com vista à elaboração do seu relatório anual.
Capítulo IV
Regime sancionatório
Artigo 10.º
Coimas
1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e dez vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.
Artigo 11.º
Pena acessória
Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com carácter acessório, aplicar as seguintes penas:
a) Publicidade da decisão;
b) Advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória;
c) Arbitrar uma indemnização-sanção a favor da pessoa alvo de discriminação, atendendo ao grau de violação dos interesses em causa, poder económico dos autores das infracções e condições da pessoa objecto da prática discriminatória.
Artigo 12.º
Concurso de infracções
1 — Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título penal.
2 — As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.
Artigo 13.º
Omissão de dever
Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.
Capítulo V
Disposições gerais
Artigo 14.º
Interpretação e integração
Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais, as Normas Gerais para a Igualdade de Oportunidades das Pessoas com Deficiência e a Declaração de Compromisso sobre VIH/Sida, adoptada pela ONU, em 27 de Junho de 2001.
Artigo 15.º
Regime financeiro
As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.
Artigo 16.º
Regulamentação
Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição da comissão para a igualdade e contra a discriminação de pessoas com deficiência e risco agravado de saúde e definir as entidades administrativas com competência para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no Capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.
Palácio de São Bento, 20 de Setembro de 2005.
Os Deputados de “Os Verdes” José Luís Ferreira e Heloísa Apolónia