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15/07/2011
Projecto de Lei Nº. 16/XII Produção alimentar local nas cantinas públicas
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Nota justificativa

O país atravessa uma grave crise económica e social, que atinge uma dimensão enorme gerada por uma crise internacional, intensificada e agravada por más opções políticas prosseguidas internamente, das quais somos hoje vítimas evidentes. Com efeito, a delapidação da nossa actividade produtiva foi a machadada na criação da nossa fonte de riqueza, tornando-nos mais permeáveis ao endividamento e à dependência do exterior.

Esta situação só poderá ser invertida com a retoma da produção nacional e a dinamização do nosso mercado interno. Uma questão pela qual o PEV se bate há muito e que hoje, pelo menos a crer nos discursos e declarações proferidos, parece merecer apelos unânimes nos diversos quadrantes políticos, nomeadamente no que diz respeito à produção alimentar.

Ora, para que as intenções discursivas se coadunem com as decisões políticas é não só fundamental parar de retirar poder de compra à grande massa do povo português (através designadamente de aumento de impostos, cortes de salários e pensões, ou do encarecimento de serviços e bens esseciais), como se torna ainda fundamental tomar medidas para que a produção nacional, sobretudo a de menor escala oriunda de micro, pequenas e médias empresas, grande parte das quais não tem até à data capacidade ou oportunidade de exportação, garantindo-lhes que encontram no mercado interno oportunidades de escoamento dos seus produtos.

Estes são passos decisivos para combater o défice, o endividamento e atenuar a gravidade de uma situação económica que já tem custos sociais bastante dramáticos e cujo agravamento se prevê. Torna-se, portanto, mais que urgente uma política económica que assuma como prioridade a redinamização do nosso sector produtivo, nomeadamente do sector alimentar.

E é justamente no sector alimentar que o país, com menor esforço, pode redinamizar o mercado interno e reactivar a economia, gerando emprego, porque temos recursos naturais, solo, água, mar, clima, infraestruturas dispersas pelo território (desde adegas, lagares, unidades de indústria transformadora, portos, docas, mercados, entre tantas outras coisas que aqui se poderiam enumerar), saber ancestral, a par da inovação e do empreendedorismo, mão-de-obra qualificada... tudo o que constitui um potencial extraordinário que está hoje, inqualificavel e inaceitavelmente, desprezado.

A agricultura e as pescas portuguesas, pilares fundamentais da alimentação, sofreram impactos negativos de grande amplitude, para os quais não foram alheias a PAC (Política Agrícola) e a PPC (Política de Pescas) ao nível comunitário, mas também os acordos comercias da OMC (Organização Mundial do Comércio). O facto é que, nas últimas décadas, o mercado alimentar nacional foi invadido pelas importações e os nossos produtos foram excluídos e muitos banidos do mercado.

A agricultura familiar e a pesca de pequena dimensão sofreram uma destruição absolutamente inaceitável, que levou quase à liquidação do sector primário em Portugal, o qual foi durante anos uma base fundamental de emprego e de ocupação do território. Só para exemplificar, nos últimos 20 anos desapareceram mais de 300 mil pequenas explorações agrícolas em Portugal, com graves repercussões para o mundo rural e para a liquidação de emprego, fomentando exactamente o contrário daquilo que o país precisava e precisa.

“Os Verdes” apelam, desde há muito, ao engrandecimento da produção e do consumo locais, em função das necessidades e da racionalidade de gestão dos recursos naturais, tendo em conta todos os benefícios de ordem ambiental, social, económica, cultural e de qualidade e segurança alimentares daí decorrentes. O PEV já lançou, inclusivamente, algumas campanhas específicas sobre a temática, e desenvolveu iniciativas legislativas tendentes a contribuir directamente para este objectivo. É justamente a mesma motivação que nos leva à produção do presente Projecto de Lei.

Pôr o país a produzir na área alimentar, de modo a garantir uma grande parte da nossa auto-suficiência é determinante. Não chega apelar aos consumidores para consumir nacional, é preciso criar mecanismos que venham a garantir o escoamento dos produtos locais . Será então justo, ou não, criar os mecanismos para que todos nós, em conjunto, como Estado, sigamos também essa determinação? Para o PEV a resposta é evidente: ao Estado compete também exemplificar e tornar-se modelo de comportamentos e, mais, contribuir para fomentar o que faz extraordinária falta ao país.

Assim sendo, o Grupo Parlamentar “Os Verdes” propõe, através do presente Projecto de Lei, que 60% de produtos alimentares utilizados para confecção das refeições das cantinas públicas sejam obrigatoriamente de origem local. Através desta regra, o Estado contribuirá, por via das suas compras públicas, para garantir o escoamento da produção alimentar nacional.

As vantagens a retirar da regra agora proposta pelo PEV são diversas:

Ao nível económico trata-se de uma medida que combate o défice agro-alimentar do país, que pode representar, no ano corrente, mais de 4 mil milhões de euros, bem como o défice da nossa balança comercial; para além disso, o Estado contribuirá para dinamizar a economia nacional, sem sobrecarregar o Orçamento de Estado, na medida em que essa despesa já existe, sendo agora convertida para o estímulo à economia nacional; mais, esta medida contribui para nos proteger da volatilidade dos preços dos produtos alimentares nos mercados internacionais.

Ao nível social, a concretização desta proposta terá consequências no combate à desertificação rural, pois favorece a manutenção de uma actividade económica que gera emprego, e de uma agricultura familiar que, mesmo sem ter capacidade de exportação, pode garantir o fornecimento de uma parte importante dos produtos básicos à nossa alimentação; para além disso, beneficia igualmente a segurança e a estabilidade dos rendimentos agrícolas. Esta proposta permite ainda redinamizar o sector pesqueiro e combater a pobreza que pesa cada vez mais sobre este sector.

Do ponto de vista ambiental, a proposta do PEV tem uma relevância também significativa, desde logo porque o despovoamento e a desertificação do mundo rural têm graves repercussões ambientais, de todo conhecidas, que seriam contrariados com a dinamização da agricultura; mais, o favorecimento e a preservação da biodiversidade agrícola é também uma evidência, assim como de componentes paisagísticas; mas esta medida é também um contributo para o combate às alterações climáticas e para menores gastos energéticos, uma vez que ao relocalizar o consumo de produtos alimentares, estamos a tornar esse consumo menos dependente de transportes, o que promove menor emissão de gases com efeito de estufa.

A segurança alimentar está constantemente a ser posta à prova, e tantas vezes tem falhado com repercussões graves para o mundo, regra geral com origem na produção intensiva de larga escala, é também um factor que o PEV tem em conta com este Projecto de Lei. O facto é que a agricultura familiar e a produção alimentar de proximidade tem dado provas de apresentar um grau de segurança superior e de garantir uma qualidade no produto muito superior, sendo até mesmo muito mais fácil o controlo de situações de risco para a saúde pública, em caso de falhas.

Não seria justo elencar um conjunto de vantagens resultantes da concretização deste Projecto de Lei sem fazer referência ao vasto património cultural, nomeadamente gastronómico, que esta produção alimentar de proximidade gerou ao longo do tempo e que continua a gerar. Este é também um pilar de dinamização da economia local e regional, através do interesse turístico que gera.

Estas são apenas algumas das consequências desejáveis, advenientes do contributo que a proposta do PEV pode dar, caso seja implementada em Portugal. Pôr as cantinas públicas a consumir local, contribuindo para a dinamização da agricultura de pequena escala, da pesca e para a sustentabilidade das empresas transformadoras, relocalizando o consumo alimentar é um contributo extraordinariamente positivo, especialmente no momento que Portugal atravessa.

Esta lógica de consumo de origem local, com o objectivo de dinamização das economias locais, tem já precedentes de sucesso noutros países, como em Itália e no Brasil, onde estão traçadas regras de consumo de produções locais, regionais e nacionais com origem em actividades produtivas de pequena escala que garantem melhor qualidade alimentar em cantinas públicas.

Importa também salientar de que cantinas estamos a falar, para aplicação do princípio “consumir local”. Estamos a tratar de todas as cantinas e refeitórios públicos, sejam eles escolares no âmbito do ensino obrigatório, sejam eles do sistema de acção social escolar do ensino superior, sejam de estabelecimentos prisionais, sejam de unidades hospitalares, sejam de serviços sociais da Administração, em suma, a ideia é abranger todas as cantinas e refeitórios dos serviços e organismos da Administração pública, central, regional ou local, bem como dos institutos públicos que revistam natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Assim, com os objectivos acima traçados, os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes”, abaixo assinados, apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objecto

O presente diploma determina a utilização de, pelo menos, 60% de produtos alimentares de origem local nas cantinas públicas, com vista à dinamização da produção local, com todos os benefícios associados de ordem ambiental, social e económica.

Artigo 2º
Âmbito

A regra determinada no artigo anterior aplica-se às cantinas ou refeitórios dos serviços e organismos da Administração Pública, central, regional e local, bem como dos institutos públicos que revistam natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

Artigo 3º
Princípios

1.Na aquisição de bens alimentares para confecção de refeições nas cantinas públicas dá-se preferência aos produzidos no local de implantação da respectiva unidade de restauração.
2.Quando não for possível o fornecimento de certos bens alimentares no respectivo local, dá-se preferência aos produzidos na região de implantação da respectiva cantina.
3.Quando, mesmo assim, o fornecimento não for possível, dá-se preferência a produtos alimentares produzidos no país.
4.A impossibilidade de fornecimento à escala traçada nos números anteriores deve ser devidamente sustentada, por método a definir pelo Governo.
4. Por produção local, regional ou nacional entendem-se os bens alimentares que tenham sido produzidos, em todas as suas fases de produção, na escala de circunscrição territorial respectiva.
5. Compete ao Governo definir a escala referida no número anterior.

Artigo 4º
Percentagem

A percentagem referida no artigo 1º do presente diploma é aferida em função dos montantes despendidos na aquisição dos produtos alimentares por unidade de cantina.

Artigo 5º
Fiscalização

A fiscalização do cumprimento do estabelecido no presente diploma compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

Artigo 6º
Relatório anual

Com o objectivo de conhecer e tornar público os efeitos sobre as economias locais da aplicação do presente diploma o Governo elabora um relatório anual, que relate o comportamento da totalidade das cantinas públicas em cumprimento das regras determinadas na presente lei.

Artigo 7º
Regulamentação

A regulamentação do presente diploma é feita pelo Governo no prazo de 100 dias.

Artigo 8º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 60 dias após a sua publicação.

Palácio de S. Bento, 15 de Julho de 2011

Os Deputados

Heloísa Apolónia

José Luís Ferreira
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