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07/11/2005 |
Projecto de Lei Nº. 178/X Investigação de Paternidade/Maternidade - (alteração de prazos) |
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Exposição de motivos
O conhecimento da ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual, que, para além de representar uma efectiva condição de gozo pleno do direito à identidade pessoal e do direito ao nome, assume ele próprio a natureza de direito fundamental com dignidade constitucional, conforme refere o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 99/88, de 28 de Abril: «existe um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade – a qual constitui uma ‘referência’ essencial da pessoa -, direito que se extrai seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade ‘moral’, seja do direito à ‘identidade pessoal’, reconhecidos nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição».
O direito à identidade pessoal é, portanto, um direito que a nossa Constituição consagra como direito fundamental e cujo sentido se traduz na garantia da identificação de cada pessoa, como indivíduo, singular e irredutível, e que abrange, para além do direito ao nome, um direito à «historicidade pessoal».
Por sua vez, o direito à historicidade pessoal designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar, por exemplo, o direito à investigação da paternidade ou maternidade.
A questão dos prazos de propositura das acções de investigação da paternidade/maternidade conheceu durante a história profundas alterações.
As Ordenações estabeleciam um prazo de 30 anos para as acções de investigação de paternidade, porém o Código de 1966 viria a encurtar o prazo de proposição da acção, aparentemente «como forma de combater a investigação como puro instrumento de caça à herança paterna».
Enquanto países como a Itália, Espanha ou Áustria optaram pela imprescritibilidade relativamente às acções de investigação de paternidade, por considerarem que a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor, em Portugal e na sequência da redacção dada ao n.º 4 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa, que aboliu a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, o Código Civil foi reformulado em 1977, porém, essa revisão, não alterou os prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.
O motivo que aparentemente originou a limitação do prazo para a instauração das acções de investigação de paternidade foi o «combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico», porém, como se refere na Recomendação 36/B/99 do Sr. Provedor de Justiça e a nosso ver, bem, «a verdade é que o decurso do prazo cala a revelação da progenitura e a relevância jurídica do parentesco, ainda que nenhuma herança exista ou se pretenda».
Por outro lado, e não havendo dúvidas sobre a legitimidade da tutela do interesse patrimonial do investigante subjacente à acção de investigação da paternidade, já que não se vislumbra porque é que os seus direitos nesta matéria devam ser distintos de quaisquer outros herdeiros, também é verdade que nem todos os filhos de pais incógnitos visam a obtenção de uma herança.
A este propósito, lê-se ainda na referida Recomendação, citando o Prof. Moitinho de Almeida, «...Continuam a existir filhos de pai incógnito, porque não se ousou permitir que os filhos que, mercê das circunstâncias várias entre as quais avulta a ignorância, já deixaram passar o prazo para investigarem a sua paternidade, pudessem ainda fazê-lo, embora sem efeitos sucessórios. O que sobretudo lhes interessa, não é qualquer herança, na maior parte dos casos inexistente, mas sim a atribuição de um pai conhecido para se poderem apresentar perante as repartições públicas, onde têm de declinar a sua filiação, sem exibirem o ferrete da sua inferioridade de filhos de pai incógnito».
Por imperativo constitucional a lei só pode restringir direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, contudo o facto de o investigante não poder, a todo o tempo, propor a respectiva acção de investigação, configura, a nosso ver, uma verdadeira restrição ao exercício desse direito fundamental.
Por outro lado, afirmando a Constituição que os filhos nascidos do casamento e os fora dele se encontram em idêntica situação, é manifesto que o regime legal consagrado no artigo 1817.º do Código Civil constitui uma restrição ao exercício do direito à historicidade pessoal e uma discriminação relativamente às pessoas em tais condições.
O regime saído da Reforma do Código Civil de 1977, manteve, assim, as restrições ao exercício do direito à identidade pessoal e à historicidade pessoal e, consequentemente, ao pleno gozo do direito ao nome, no que se refere aos prazos para a propositura da acção de investigação da paternidade/maternidade.
Entretanto, a Lei n.º 21/98, de 12 de Maio, ao permitir a instauração da acção dentro de um ano posterior à data da morte da pretensa mãe, no caso de o investigante ser por ela tratado como filho e sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, veio dar um importante passo no que se refere à remoção dessas restrições.
Apesar deste importante avanço, outras restrições permanecem no actual regime, nomeadamente os prazos para a propositura das acções nos casos em que não existiu esse tratamento.
E sendo certo que não restam dúvidas sobre a legitimidade da tutela do interesse patrimonial do investigante subjacente à acção de investigação da paternidade, é também certo que uma solução que possibilitasse, a todo tempo, a faculdade de intentar a acção de investigação de paternidade, também com efeitos patrimoniais, entraria em colisão com outros direitos constitucionais, nomeadamente a segurança, a estabilidade e a certeza jurídicas, e seria susceptível de afectar relações jurídicas patrimoniais de terceiros.
Mas não podemos, por esse facto, ficar «reféns», e não procurar outras soluções que permitam aqueles que, desligados de quaisquer interesses materiais, apenas pretendam, com a acção de investigação da paternidade, o exercício do direito à sua historicidade pessoal, o direito ao nome.
É o que o presente projecto visa, permitir que a qualquer altura possa ser proposta a acção de investigação de paternidade/maternidade quando se pretendam apenas produzir efeitos de natureza meramente pessoal, excluindo-se, portanto, para não afectar eventuais relações jurídicas patrimoniais de terceiros, quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial.
Mesmo assim, não podemos dizer que o presente projecto cria uma discriminação entre filhos, aqueles que são filhos com a plenitude dos direitos (pessoais e patrimoniais) e os outros, que apenas seriam filhos com direitos exclusivamente pessoais, porque na verdade o projecto vai apenas esbater ou diminuir a extensão da inegável discriminação actualmente existente entre filhos com direitos pessoais e patrimoniais e filhos sem direitos quer pessoais, quer patrimoniais. Portanto, a discriminação já existe, o que se pretende é diminuir o alcance dessa discriminação.
A presente iniciativa foi já apresentada na VIII e IX Legislaturas, tendo sido inclusivamente aprovada na generalidade em 22 de Dezembro de 2000, mas acabaria por caducar com o fim da VIII Legislatura.
Tendo presente a Recomendação 36/B/99 do Sr. Provedor de Justiça e considerando que o direito à historicidade pessoal representa uma verdadeira condição de gozo pleno do direito à identidade pessoal e do direito ao nome, «Os Verdes» através do presente projecto de lei pretendem, pois, remover obstáculos, condicionalismos ou restrições à liberdade de investigar a paternidade.
Assim, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar «Os Verdes» apresentam, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
O artigo 1817.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 1817.º
1 — (...)
2 — (...)
3 — (...)
4 — (...)
5 — (...)
6 — (...)
7 — Desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo».
Artigo 2.º
O presente diploma entra imediatamente em vigor.
Assembleia da República, 7 de Novembro de 2005.
Os Deputados de “Os Verdes”, José Luís Ferreira e Heloísa Apolónia