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30/01/2004 |
Projecto de Lei Nº. 409/IX Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez |
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PREÂMBULO
Portugal continua a manter a repressão penal do aborto e, desse modo, a tratar como criminosas as mulheres que voluntariamente decidem interromper a sua gravidez.
Uma criminalização que colide frontalmente com a liberdade de que mulheres e homens devem dispor, para fazer as suas escolhas no que respeita à sua saúde sexual e reprodutiva. Ainda, um facto que colide com direito que aos cidadãos em exclusivo cabe de decidir o momento de ter os seus filhos, de forma a garantir uma maternidade e uma paternidade responsável e consciente.
Um quadro legal que ao persistir na manutenção de ilicitude da IVG, constitui a negação do direito à vida privada, uma particular forma de repressão dirigida contra as mulheres, uma privação do seu direito de optar e, ainda, uma inadmissível ingerência do Estado numa matéria que, em exclusivo à mulher ou ao casal, compete decidir.
Uma legislação que contrasta vivamente com o quadro legal europeu dominante, despenalizador da interrupção da gravidez e cujo resultado tem precisamente por isso, conduzido em Portugal, ao contrário do que se verifica noutros países, à proliferação, em Portugal, do aborto clandestino, praticado sem regras, em condições de total insegurança e de enorme risco para as mulheres que, em especial se de menores recursos, se tornam neste quadro as mais vulneráveis.
Uma situação cuja persistência é inaceitável, que é forçoso encarar pelas suas consequências dramáticas no plano pessoal e social e que os recentes julgamentos da Maia e de Aveiro veio tornar inadiável, impondo a responsabilidade de agir, para a modificar.
Uma intervenção que se reclama perante um drama que não poder ser ignorado e que impõe ao Estado, a quem numa sociedade democrática não compete o poder de regular a consciência individual, nem penetrar na esfera da privacidade, o dever de estar atento à realidade social e de intervir quando tal se impõe, como é o caso, no sentido de criar condições para a prática segura de aborto para aquelas que, por decisão própria, o pretendam em determinadas condições praticar.
Com efeito, do que se trata e o que se reclama do Estado, numa sociedade livre como a nossa se pretende, não é o poder de julgar, que manifestamente lhe não cabe, sobre o acto em si (a interrupção de uma gravidez) ou o poder de condenar aquela que o pretenda praticar, (a mulher) à luz de uma qualquer moralidade oficial ou de interditos filosóficos, religiosos ou outros.
O papel que se reclama do Estado, em sociedades democráticas, livres e respeitadoras dos valores humanistas e, nos mesmos termos aliás que a Recomendação do Parlamento Europeu, de Junho de 2002 Sobre Direitos Em Matéria de Saúde Sexual e Reprodutiva preconiza, é que se abstenha de agir judicialmente contra as mulheres que tenham feito abortos ilegais, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres. Igualmente que permita a interrupção voluntária da gravidez de forma legal, segura e universalmente acessível.
É pois este o sentido da presente iniciativa política dos Verdes ao pretender pôr termo a uma lei iníqua, socialmente injusta, que ignora a dramática realidade do aborto clandestino e que se tem revelado inútil para o fim pretendido.
Um projecto de lei no sentido da despenalização em nome da liberdade de escolha e dos direitos das mulheres. Que se justifica, ainda, pelos resultados positivos em termos da redução da prática do aborto que favoreceu, nos países que a adoptaram.
Uma medida cuja urgência é obvia em Portugal, tendo presente a dimensão e gravidade do problema de saúde pública, resultante dos mais de 20.000 abortos, estima-se, realizados anualmente em condições de enorme insegurança e identificados como a segunda causa de morte materna no país.
Em suma, um projecto para dar resposta a uma questão cuja gravidade extrema não pode ser hipocritamente negligenciada e que se coloca, não obstante, o referendo realizado em 1998, a todos os decisores políticos.
Uma questão cujo debate se reveste, como a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses o reconhece, da maior importância e oportunidade política e que, em nosso entendimento, não faz sentido manter refém da consulta, de carácter não vinculativo, realizada há cinco anos.
Um problema que a todos respeita e apela a uma solução legal, adequada à salvaguarda dos direitos da mulher, ao respeito pelos seus direitos sexuais e reprodutivos, à garantia da sua liberdade de opção, pondo termo a uma lei inútil, a uma criminalização hipócrita, cuja manutenção constitui uma violência e uma humilhação intoleráveis.
Razões que justificam plenamente a presente iniciativa política do Partido Ecologista Os Verdes e a apresentação de um projecto de lei que, em síntese, propõe:
- A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas doze primeiras semanas a pedido da mulher.
A proposta justifica-se por se considerar não dever ser penalizada a interrupção da gravidez que a mulher pretenda fazer sempre que está em causa a preservação da sua integridade moral, a dignidade social ou o seu direito a uma maternidade responsável e consciente.
- O alargamento de 16 para 24 semanas do prazo dentro do qual pode ser interrompida a gravidez, nos casos em que da mesma possam resultar motivos seguros para crer que nascituro virá a sofrer de forma incurável de doença grave, aí incluída a possibilidade de infecção pelo vírus de imunodeficiência humana ou malformação congénita;
A proposta radica na existência de vários estudos científicos realizados a nível nacional e internacional, que apontam para o facto de só ser possível determinar com segurança a evolução ou a existência de malformação a partir da 16.ª semana.
Assim, ao contrário do que uma leitura simplista poderia supor, trata--se de uma proposta pró-natalista, dado que este alargamento de prazo permite evitar decisões de interrupção baseadas em meros índices de risco que, com o evoluir da gestação, podem vir a não se confirmar.
- O alargamento do prazo de 16 para 24 semanas dentro do qual a interrupção voluntária da gravidez pode ser praticada sem punição a menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica quando tenham sido vítimas de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Considera-se que as situações de crimes contra a liberdade sexual praticadas contra menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica justificam um alargamento do prazo para a interrupção voluntária da gravidez por se tratarem de situações complexas e de enorme melindre, condicionadoras e inibitórias do comportamento da vitima, o que conduz consequentemente a uma maior morosidade na decisão de interrupção voluntária da gravidez.
- Garante-se o direito de objecção de consciência aos médicos e profissionais de saúde e, simultaneamente o dever dos serviços de saúde se organizarem de modo a respeitá-lo e assegurar à mulher a interrupção lícita e voluntária, nos prazos e condições legalmente previstos.
- Propõe-se, em articulação com os serviços de saúde competentes, o posterior encaminhamento da mulher em termos de planeamento familiar.
Visa-se, assim, prevenir novas gravidezes não planeadas e assegurar o efectivo acesso e informação em matéria de direitos sexuais e reprodutivos
-. Assegura-se o dever de sigilo dos médicos e demais profissionais de saúde relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções e relativos à prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez;
Assim as deputadas abaixo assinadas do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes", apresentam o projecto de lei que: “ DESPENALIZA A INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ”.
Artigo 1º.
Alteração ao Código Penal
Os artigos 140º. e 142º. do Código Penal, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95, de 15/3, e pela Lei nº 90/97, de 30 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 140º.
Aborto
1 - (…).
2 - (…).
Eliminado."
Artigo 142º.
Interrupção da gravidez não punível
1 - Não é punível a interrupção da gravidez quando efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher:
a) Nas primeiras 12 semanas de gravidez para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou do seu direito à maternidade responsável e consciente;
b) Caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença, designadamente de HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), ou malformação congénita e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) [(actual alínea d)].
e) Nos casos referidos na alínea anterior, sendo a vítima menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica, se a interrupção da gravidez for realizada nas primeiras 24 semanas comprovadas nos termos descritos na alínea c).
2 - Nos casos previstos nas alíneas a) a e), a verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada através de atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
3 - (…)
4 - (…)."
Artigo 2º.
Serviços dos estabelecimentos de saúde
1 - Os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos organizar-se-ão de modo a dispor dos serviços necessários que garantam a prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez nos prazos e termos legalmente previstos.
2 - A objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde é fundamentada em documento assinado pelo objector aquando da solicitação da interrupção da gravidez, devendo ser comunicada à solicitante ou a quem, no seu lugar, pode prestar o consentimento e ao responsável do respectivo serviço do estabelecimento de saúde.
3 - Os serviços dos estabelecimentos de saúde referidos no nº.1 assegurarão, em qualquer circunstância, a interrupção voluntária e lícita da gravidez.
4 - Deverão, ainda, os estabelecimentos anteriormente referidos, providenciar em articulação com os serviços de saúde competentes, o acompanhamento da mulher em termos de planeamento familiar.
Artigo 3º.
Dever de sigilo
Os médicos e demais profissionais de saúde e restante pessoal dos estabelecimentos de saúde públicos ou oficialmente reconhecidos em que se pratique a interrupção voluntária da gravidez ficam vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas, relacionados com aquela prática, para os efeitos do disposto nos artigos 195º e 196º. do Código Penal, sem prejuízo das consequências estatutárias e disciplinares da infracção.
Artigo 4º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Palácio de S. Bento, 30 de Janeiro de 2004
As deputadas, Isabel de Castro e Heloísa Apolónia