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14/02/2004 |
Projecto de Lei Nº. 412/IX Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional) |
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A situação nas prisões portuguesas é alarmante, com uma elevada incidência de doenças infecto-contagiosas que as transformam em campos de insegurança, de doença e de morte.
Trata-se de uma realidade que ninguém pode ignorar, ao colocar o país numa posição singularmente grave, que reclama, com prioridade e sentido de responsabilidade, a adopção de novos passos e medidas inovadoras, capazes de modificar uma situação, a prazo, incontrolável.
Um problema que impõe medidas diferentes e novos passos dentro de um sistema prisional degradado, sobrelotado, que não assegura as elementares condições de salubridade e de higiene, caracterizado pela violência, pela insegurança, pelos abusos, pelo desrespeito pela dignidade da pessoa humana.
O sistema prisional, que no nosso país se caracteriza, ainda, por possuir uma jovem população de reclusos, predominantemente carenciados e doentes, em especial com doenças infecto contagiosas, parte dos quais (cerca de 30,6%) com hepatite, 8,5% seropositivos, 2,1% com sida e um número elevado de detidos ainda, com tuberculose.
Reclusos estes que, como o estudo de Anália Torres e Maria do Carmo Gomes sobre Drogas e Prisões em Portugal, publicado em 2002, conclui, assumem quase metade (mais exactamente 47,4%) ser consumidores de drogas, significativa parte das quais (26,9%) injectadas por via endovenosa e, na esmagadora maioria dos casos, como o reconhecem, com o recurso a seringas usadas.
Um facto da extrema gravidade que exige, de modo sério, responsável e sem falsas hipocrisias, como em crescente número muitos em diversos sectores vêm reclamando, uma abordagem serena e o alargamento do programa de troca de seringas que vigora em meio livre, para o meio prisional.
Uma questão que o actual Provedor de Justiça, tal qual o tinha feito com enorme clareza o seu antecessor, equaciona e que o Bastonário da Ordem dos Advogados defende, juntando-se a muitos profissionais de saúde e conceituados técnicos, com experiência de intervenção na Luta Contra a Sida e na prevenção e combate da toxicodependência.
Uma medida entendida como parte integrante de uma estratégia consistente de prevenção de doenças infecto-contagiosas em meio prisional, que o Governo não pode continuar a negligenciar.
Uma proposta que se retoma, tendo presente a urgência na adopção de novas medidas susceptíveis de reduzir riscos, de prevenir a propagação de doenças infecto-contagiosas, de travar a crescente contaminação dos reclusos, de defender a saúde dos jovens detidos das consequências nocivas que as práticas generalizadas de risco no consumo de drogas, com a partilha de seringas infectadas, tem favorecido e, mais recentemente, agravado.
Um problema extremamente sério, desde logo de saúde pública, mas também de direitos humanos, a que a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro, aprovada a partir de uma iniciativa legislativa de Os Verdes, veio procurar dar resposta ao estabelecer uma rotina preventiva, orientada precisamente para suster este grave problema nas prisões e para combater dentro delas a propagação de doenças infecto-contagiosas.
A lei que foi ao encontro das recomendações da Provedoria de Justiça, constantes nos seus relatórios de 1997 e 1999, sobre o estado das prisões portuguesas.
Uma rotina preventiva porém, muito deficientemente aplicada, actualmente suspensa e cujas virtualidades importa explorar, designadamente no tocante à troca de seringas, medida esta que embora constante do projecto de lei de 1999 dos Verdes, não viria a ser incorporada no texto final, mas cuja oportunidade e pertinência se mantém e hoje, perante a dramática situação nas prisões, de modo acrescido.
A medida que o recente relatório do Provedor da Justiça sobre as Prisões vem admitir. A medida, em nosso entendimento imperativa, perante as conclusões do estudo realizado pela Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, no âmbito da avaliação do programa de seringas, ao demonstrar que a sua extensão ao meio prisional em escassos dez anos poderia ter permitido evitar a contaminação de 638 pessoas.
Pessoas, hoje privadas de liberdade, cuja saúde o Estado tem o dever de defender, dentro das prisões, sem falsas hipocrisias. Uma responsabilidade que recai sobre o Governo e para a qual o relatório do Provedor de Justiça recentemente publicado, apela ao referir e citamos: “uma estratégia de alheamento dos programas de redução de riscos, muito mais além do que um mau uso dos recursos públicos, constitui um verdadeiro crime, comissivo por omissão, contra os reclusos que se infectam e contra os cidadãos em meio livre que, em consequência, venham a ser infectados”.
É pois neste contexto que os Verdes decidem, pouco meses depois de o terem feito, retomar a iniciativa política e apresentar o projecto de lei que propõe o reforço das medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional, nele incluindo a troca de seringas.
O projecto que se recupera pela sua validade e oportunidade políticas, incorporando tão só um pequeno ajustamento que o debate parlamentar tem, de modo recorrente, desde 1999 suscitado.
Um projecto de lei que se insere no contexto da prevenção e do combate, sem tréguas, contra a propagação de doenças infecto-contagiosas, concretamente a sida, e pela redução de riscos, em meio prisional, logo, pelo fim do consumo de estupefacientes feitos por reclusos à margem dos serviços de saúde, sem condições de higiene, com partilha de seringas infectadas e em condições de total insegurança.
Uma medida, não uma “experiência” como lamentavelmente a titular da Justiça considerou, cuja eficácia já foi testada há anos em múltiplos países, com assinalável êxito, não só na redução gradual do número de reclusos contaminados, como no aumento do número dos que foram encaminhados para programas de substituição, de desintoxicação e de tratamento, medidas essenciais para a reintegração futura destas pessoas, quando em liberdade.
Uma medida, qualquer que seja o figurino a adoptar, que vigora na Suécia, na Suíça, na Alemanha e mais recentemente na vizinha Espanha, com resultados positivos visíveis na redução de riscos, na prevenção de doenças infecto-contagiosas e na gradual redução de consumos de drogas pelos reclusos.
Uma medida que, sem hipocrisia, reconhece assim que o problema da droga existe e é um dos mais delicados, em Portugal como no mundo, com que os sistemas prisionais se confrontam.
Assume-se que em, Portugal, tal como acontece na generalidade dos países, a droga circula em meio prisional. Constata-se ainda o facto da toxicodependência atingir particularmente os grupos de reclusos mais jovens e ser uma realidade, em termos de saúde, preocupante nas prisões.
Um projecto, ainda, que assume com frontalidade e sentido de responsabilidade a existência de um problema que reclama, ainda que de modo faseado, uma resposta institucional diferente daquela que tem sido dada, que permita minimizar os riscos que resultam da actual partilha de seringas.
Uma medida que propomos (e aí reside a nossa única alteração) dever ser aplicada, de forma gradual, como se verificou, por exemplo, em Espanha, para tal cabendo ao Governo escolher os estabelecimentos prisionais nos quais o processo experimental se deve iniciar.
Uma experiência que deve ser submetida a uma rotina de avaliação e constar do relatório a elaborar nos termos previstos da actual Lei Nº170/99, cujo envio para a Assembleia da República passe a ser obrigatório e a desencadear debate, permitindo uma tomada de decisão mais partilhada, na implementação deste projecto.
Uma proposta cuja aplicação, tal como é sugerida, permitiria uma análise dos progressos alcançados e a introdução de ajustamentos, considerados necessários pelos diferentes parceiros envolvidos neste processo, desde logo o Ministério da Saúde e igualmente o da Justiça, que repartem entre si a tutela e a responsabilidade directa de assegurar a saúde em meio prisional.
O que se propõe em concreto, com o presente projecto de lei, que retoma uma anterior iniciativa dos Verdes (Projecto de Lei nº 351/IX-1ª), é a criação, dentro das prisões, de um compartimento protegido, dentro do qual o recluso/toxicodependente possa, a seu pedido e com a concordância dos serviços médicos, dispor de uma seringa e material de higiene que lhe permita, em condições de privacidade e de segurança, consumir um estupefaciente por via endovenosa.
Tratar-se-ia de um compartimento protegido, à entrada do qual o recluso receberia dos serviços uma seringa limpa para utilização, a qual seria restituída à saída, ficando assim ressalvada a alegada questão da segurança, que sistematicamente tem sido evocada pelos guardas prisionais para justificar a sua resistência à adopção desta medida.
Uma proposta que não dispensa, antes pressupõe obrigatoriamente o acompanhamento médico do recluso toxicodependente pelo Instituto da Droga e Toxicodependência, sobre o qual recai a responsabilidade de, em articulação com os serviços de saúde da respectiva Direcção Regional, passar a acompanhar este recluso/doente, encaminhando-o para programas de substituição, de desintoxicação e de tratamento.
Uma medida, por último, que se sugere seja adoptada com o envolvimento dos guardas prisionais (cujo contacto directo com os seus colegas de Espanha poderia ser da maior utilidade) e, ainda, de forma gradual.
Admitir-se-ia para tal, no primeiro ano, testar o programa nos estabelecimentos prisionais considerados em melhores condições para acolher este sistema de troca de seringas e avaliar ao fim de um ano a medida, cuja aplicação mais alargada se faria, com os ajustamentos considerados necessários, a outros estabelecimentos prisionais do país.
Assim, as deputadas abaixo assinadas do Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresentam, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis o seguinte projecto de lei:
ALTERA A LEI Nº 170/99, DE 18 DE SETEMBRO,
(ADOPTA MEDIDAS DE COMBATE À PROPAGAÇÃO DE
DOENÇAS INFECTO-CONTAGIOSAS EM MEIO PRISIONAL)
Artigo 1º
Os artigos 5º e 7º da Lei nº170/99, de 18 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:
“Artigo 5º
Medidas de prevenção
1 (…)
a)-
b)-
c)-
d)-
e)-Promover no quadro de um Programa de Redução de Riscos e de Combate às Doenças Infecto Contagiosas em Meio Prisional, a troca de seringas em meio prisional;
2. Aos Ministérios da Saúde e da Justiça, caberá criar uma Comissão directamente responsável pela aplicação e acompanhamento do Programa de Redução de Riscos e de Combate às Doenças Infecto Contagiosas em Meio Prisional.
3. No âmbito das suas competências, caberá ainda à Comissão referida no número anterior propor os estabelecimentos prisionais nos quais o programa de injecção assistida deve ser iniciado, bem como proceder ao seu acompanhamento, avaliação anual e proposta de gradual alargamento aos demais estabelecimentos do país, com os ajustamentos entendidos como necessários.
4. (actual nº 3).
Artigo 7º
Relatório
1- (…)
2- O relatório a que se refere o número anterior passará a incluir a avaliação do Programa de Redução de Riscos e de Combate às Doenças Infecto Contagiosas em Meio Prisional, devendo obrigatoriamente a Assembleia da República proceder à sua discussão anual e à elaboração das recomendações entendidas como necessárias ao seu progressivo alargamento a todos os estabelecimentos prisionais.”
Artigo 2º
É aditado o art. 5º-A à Lei nº170/99, de 18 de Setembro.
Artigo 5º-A
Distribuição de seringas
1- Aos reclusos toxicodependentes que o solicitarem, e desde que autorizado pelo serviços de saúde, serão fornecidas seringas para consumo de estupefacientes por via endovenosa.
2- Os estabelecimentos prisionais devem, em articulação com a Comissão responsável pelo Programa de Redução de Riscos e de Combate às Doenças Infecto-Contagiosas em Meio Prisional previstos nesta lei, criar compartimentos protegidos e especificamente preparados para que os reclusos toxicodependentes possam consumir estupefacientes em condições de privacidade, de higiene e de segurança.
3- Os compartimentos a que se refere o número anterior devem dispor de material esterilizado e ser apoiados por técnicos de saúde.
4- Para efeitos do nº1 do presente artigo, a entrega da seringa ao recluso é efectuada à entrada do compartimento, devendo o toxicodependente restitui-la após a utilização, à saída do mesmo.
5- A aplicação do disposto no nº1 do presente artigo, está dependente do consentimento dos Serviços de Saúde do Estabelecimento Prisional.
6- O consentimento é dado sempre que se verifique a necessidade de reduzir riscos e prevenir a propagação de doenças infecto-contagiosas.
7- Ao recluso toxicodependente que o requeira consumo protegido é garantida assistência médica e a sua inclusão num programa de recuperação de drogas.
Artigo 3º
Regulamentação
O Governo adoptará, no prazo máximo de 90 dias, as medidas necessárias à regulamentação do presente diploma.
Palácio de S. Bento, 4 de Fevereiro de 2004
As deputadas, Isabel de Castro e Heloísa Apolónia