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20/04/2004
Projecto de Lei Nº. 429/IX Cria o Conselho Nacional de Biossegurança
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Exposição de Motivos

A revolução na biologia e na genética entraram definitivamente na ordem do dia, ao abrir todos os dias novas fronteiras do conhecimento, que permitem à humanidade introduzir modificações ao nível do próprio património genético dos organismos.

A explosão do conhecimento científico com profundas implicações sociais, ambientais e económicas, que nos coloca, enquanto seres humanos, no limiar de um tempo novo.

Uma mudança vertiginosa que veio alterar radicalmente os quadros tradicionais dentro dos quais o destino biológico e o progresso dos seres humanos nas sociedades se vinha a processar. Que nos confronta com a compreensão de que a vida e a saúde da nossa espécie e de todas aquelas que nos rodeiam, dependem de uma complexa teia de inter-relações ecológicas, em grande medida desconhecidas, que nos impõe a responsabilidade de prevenir intervenções que possam pôr em perigo este frágil equilíbrio.

A responsabilidade ética que determina a necessidade de equacionar os limites, as fronteiras a que a experiência científica e o avanço tecnológico se devem subordinar, de modo a que possam prosseguir, sem ameaçar os direitos dos cidadãos, a saúde, o ambiente e a própria sustentabilidade do desenvolvimento.

A discussão sobre o futuro que, em nosso entendimento não se deve circunscrever a decidir sobre «tudo o que se pode fazer», antes nos remete para o debate alargado e a colaboração entre a ciência e a sociedade, de modo a podermos, em cada momento, decidir sobre os passos que, com menor risco, pretendemos colectivamente dar.

É esta colaboração, na opinião de Os Verdes indispensável, entre os cidadãos, as suas organizações, os especialistas, que urge balizar juridicamente, de forma a dar suporte às tomadas de decisão sobre questões controversas sobre as quais as incertezas ainda são enormes.

Questões, como são as que respeitam a utilização de biotecnologia, susceptíveis de afectar a saúde humana, os direitos básicos dos consumidores, o ambiente e de influenciar mesmo, pelas suas implicações éticas e sócio-económicas o futuro, em especial, quando se trata da utilização livre e comercialização de produtos novos que resultam de organismos geneticamente modificados.

É neste quadro que se explica a presente iniciativa legislativa de Os Verdes, a qual retoma projecto de lei apresentado na anterior sessão, lamentavelmente rejeitado.

Visa-se agora, como então, preencher uma lacuna existente no nosso país, pela inexistência de uma entidade própria e de um interlocutor nacional no domínio da Biossegurança. Uma falha que a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, agora como então, por instalar, não virá obviamente preencher, nem se confunde com as suas competências, legalmente fixadas pelo governo para outros domínios, para os quais foi pensada e está vocacionada.

Um modelo que aliás coincide com o que ocorre na generalidade dos países, que justifica hoje com maior oportunidade ainda, face à evolução registada no espaço da União Europeia, a presente proposta de criação de um órgão especificamente vocacionado para a análise das complexas questões éticas e sócio económicas que se colocam, em Portugal, nas decisões relativas ao uso de organismos geneticamente modificados (OGM), quer se trate da sua libertação no ambiente, da sua utilização confinada, quer a sua comercialização, pelos seus efeitos irreversíveis sobre a natureza e os seres humanos.

O projecto de lei que propõe, nesse sentido, a criação de um Conselho Nacional de Biossegurança, optando por uma solução simétrica daquela que justificou, no passado, a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Um órgão independente que acolhe, entretanto, a experiência já acumulada, na proposta de composição plural, capaz de estabelecer a ponte entre os especialistas e a sociedade, ao incluir entre os seus membros, os especialistas, os técnicos da Administração Pública, os diferentes sectores e parceiros, nomeadamente, os produtores, os agricultores, as associações de defesa do consumidor, de ambiente, de desenvolvimento sustentável, de preservação do mundo rural.

Uma multiplicidade de visões a que propomos dar expressão, através da composição do Conselho Nacional de Biossegurança a criar, tendo em conta a necessidade de reflectir, na análise das implicações da biotecnologia as diferentes perspectivas sobre a questão e a ponderação das alternativas possíveis, sabido como neste domínio a investigação científica mais do que encontrar respostas, tem multiplicado as interrogações.

A proposta de composição que fazemos radica, ainda, na identificação das múltiplas questões que o recurso à biotecnologia suscita, em termos das relações da propriedade intelectual, do comércio internacional, dos direitos básicos dos consumidores, da auto-suficiência alimentar, da diversidade biológica, incluindo as variedades agrícolas tradicionais, da saúde humana, do equilíbrio ambiental, entre outros, e que o Conselho Nacional, deve estar em condições de poder avaliar.

Questões cuja amplitude e complexidade é grande, atendendo por exemplo, aos riscos ambientais resultantes da libertação deliberada de organismos geneticamente modificados, sabido que a investigação científica, até agora produzida, tem somado provas que indiciam inevitável poluição genética, perigos para a perda de diversidade planetária, consequências de difícil previsibilidade, directas ou indirectas, imediatas ou a prazo, sobre os ecossistemas naturais.

Questões de segurança biológica a equacionar, que advêm, ainda, dos riscos para a saúde humana decorrentes da introdução na cadeia alimentar de produtos geneticamente modificados, novas substâncias insuficientemente testadas sobre os seres humanos, cuja probabilidade, porém, indiciada, de reduzir o sistema imunológico e de provocar o contacto com substâncias alérgicas é real, representa um perigo e como tal impõe uma abordagem pautada pelo princípio da precaução e capacidade de ponderação.

Mais, desafios e riscos, em termos da responsabilidade que se coloca no plano ético, social e económico, e que o conselho deve estar em condições de ponderar tendo em conta a possibilidade aberta de contaminação das demais culturas, tradicionais ou biológicas, assim em perigo de atingir as variedades agrícolas tradicionais, mas também tendo presente a necessidade de assegurar alternativas e direito de opção às gerações futuras, sem tornar a economia no plano agro-alimentar, totalmente dependente de transnacionais que detêm o monopólio do comércio das sementes transgénicas e o país, refém das empresas de biotecnologia.

Desafios muito diversos que estão na ordem do dia e nos remetem, no limite, para os direitos básicos dos consumidores, a sua liberdade de escolha, a coexistência ou não de outras culturas e opções, no plano agrícola e alimentar face ao cenário de libertação no ambiente e de livre colocação no mercado de organismos geneticamente modificados.

Uma realidade que aconselha, ainda, e esse é o segundo aspecto a relevar do projecto de lei de Os Verdes, face ao generalizado cepticismo dos consumidores portugueses sobre os riscos dos organismos geneticamente modificados e às reservas formuladas por múltiplas associações, a aplicação do princípio da precaução e especial cuidado no acompanhamento destas questões.

A actualização permanente de conhecimento, a partilha de informação que assegure aos cidadãos, através de processos transparentes, dados sobre os progressos científicos, a sua evolução, bem como sobre os riscos e perigos.

A avaliação sistemática que permita, independentemente das posições de princípio de cada um, à sociedade e aos cidadãos participarem, como é seu direito, no debate sobre decisões que lhe respeitam e em relação às quais se impõe uma abordagem pautada pelo princípio da precaução e pela solidariedade em relação às gerações futuras.

É, pois, esse o sentido do projecto de lei de Os Verdes e do órgão independente, o Conselho Nacional de Biossegurança, que ele se propõe criar, o qual liberto de pressões, possa com total autonomia dotar o Governo de instrumentos de decisão e os cidadãos portugueses de meios de avaliação sobre a adequação das escolhas que nos domínios da engenharia e da genética se possam estar a tomar, tendo em conta o princípio da precaução, a saúde humana, o ambiente e os valores da solidariedade e da sustentabilidade na escolha dos caminhos a trilhar.

Assim, as Deputadas abaixo-assinadas do Grupo Parlamentar Os Verdes apresentam, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o projecto de lei que propõe a criação do Conselho Nacional de Biossegurança.

Artigo 1.º

(Conselho Nacional de Biossegurança)

O Conselho Nacional de Biossegurança é um órgão independente de consulta que funciona junto da Assembleia da República.

Artigo 2.º

(Competência)

1 — Compete, nomeadamente, ao Conselho Nacional de Biossegurança:

a) Analisar de modo sistemático problemas, riscos e perigos para a saúde humana e para o ambiente, bem como as implicações sócio-económicas, éticas e de sustentabilidade suscitadas pela aplicação dos progressos científicos nos domínios da biologia, da engenharia genética e da medicina em geral, tendo em conta o princípio da precaução;

b) Identificar e avaliar alternativas de menor risco ou perigo que cumpram objectivos equivalentes aos propostos pela via tecnológica referida na alínea anterior e que melhor se compatibilizem com os preceitos do desenvolvimento sustentável;

c) Pronunciar-se previamente sobre pedidos de licenciamento para a utilização confinada e a libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados para efeitos de investigação e desenvolvimento ou para a sua colocação no mercado para fins alimentares ou outros;

d) Emitir pareceres e recomendações sobre as questões constantes das alíneas a), b) e c) do presente artigo, sempre que tal lhe seja solicitado nos termos do artigo 7.º;

e) Formular e publicar recomendações e pareceres sobre questões relevantes de biossegurança.

2 — As recomendações e pareceres a que se referem as alíneas d) e e) do número anterior constarão do relatório anual previsto no artigo 13.º.

3 — O Conselho Nacional de Biossegurança pode delegar, no todo ou em parte, as competências a que se refere o n.º 1 do presente artigo, na Comissão Coordenadora do Conselho Nacional de Biossegurança prevista no artigo 5.º.

Artigo 3.º

(Composição)

1 — Constituem o Conselho Nacional de Biossegurança, para além do presidente, eleito pela Assembleia da República, os seguintes membros:

a) Três personalidades de reconhecido mérito em áreas da biologia e da engenharia genética com implicações de ordem ética, a designar pela Assembleia da República;

b) Uma personalidade da área da saúde, a designar pelo Ministro da Saúde;

c) Uma personalidade da área do ambiente, a designar pelo Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente;

d) Uma personalidade da área da agricultura, a designar pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e Pescas;

e) Uma personalidade da área da defesa do consumidor, a designar pelo Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro;

f) Uma personalidade da área da segurança alimentar, a designar pelo Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro;

g) Uma personalidade da área da economia, a designar pelo Ministro da Economia;

h) Uma personalidade da área da investigação científica, a designar pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior;

2 — Integram, ainda, a Autoridade de Biossegurança as seguintes personalidades:

a) Um membro designado pelo Instituto de Ciências Sociais;

b) Um membro designado pela Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente (CPADA);

c) Um membro designado pela Plataforma das Organizações Não Governamentais de Desenvolvimento Sustentável;

d) Um membro designado pela Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor (DECO);

e) Um membro a designar pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP);

f) Um membro a designar pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA);

g) Um membro a designar pela Aliança para Defesa do Mundo Rural Português (ARP);

h) Um membro a designar pela Federação das Indústrias Agro-Alimentares (FIPA);

i) Um membro a designar pela AGROBIO-Associação Portuguesa da Agricultura Biológica;

j) Um membro designado pela Ordem dos Médicos;

k) Um membro designado pela Ordem dos Biólogos;

l) Um membro a designar pelo Conselho Económico e Social.

3 — Os membros que integram o Conselho Nacional de Biossegurança devem ser personalidades de reconhecida idoneidade e competência técnica, não representam as entidades que os nomearam e desempenham livremente e com independência as suas funções, não estando sujeitos a ordens, instruções ou recomendações de ninguém.

Artigo 4.º

(Duração do mandato)

1 — O mandato dos membros do Conselho Nacional de Biossegurança é de quatro anos.

2 — O mandato inicia-se com a posse perante a Assembleia da República.

3 — Até à posse de novos membros continuam em funções os membros anteriormente designados.

4 — O Conselho Nacional de Biossegurança deverá reunir-se em plenário no mínimo, quatro vezes em cada ano civil.

Artigo 5.º

(Comissão coordenadora do conselho)

1 — O Conselho Nacional de Biossegurança elegerá, de entre os seus membros, uma comissão coordenadora, de natureza executiva e carácter permanente.

2 — A Comissão Coordenadora será composta por quatro personalidades, das referidas no n.º 1 do artigo 3.º e por quatro das referidas no n.º 2 do mesmo artigo, podendo haver rotatividade anual dos seus membros.

3 — A Comissão Coordenadora será presidida pelo presidente do Conselho Nacional de Biossegurança.

Artigo 6.º

(Competência)

Compete, nomeadamente, à Comissão Coordenadora do Conselho Nacional de Biossegurança:

a) Redigir pareceres e recomendações no âmbito das orientações definidas pelo Conselho Nacional de Biossegurança;

b) Exercer as competências que lhe tenham sido delegadas nos termos do n.º 3 do artigo 2.º.

Artigo 7.º

(Pedidos de parecer)

Podem pedir parecer ao Conselho Nacional de Biossegurança, as seguintes entidades:

a) O Presidente da República;

b) A Assembleia da República, por iniciativa do seu Presidente, de qualquer grupo parlamentar ou partido com representação parlamentar;

c) Os membros do Governo;

d) Os centros públicos ou privados que utilizem técnicas na área da engenharia genética.

Artigo 8.º

(Regulamento interno)

O Conselho Nacional de Biossegurança estabelecerá em regulamento interno, a disciplina do seu funcionamento e as condições de publicidade dos seus pareceres.

Artigo 9.º

(Encargos e apoio administrativo)

Os encargos com o funcionamento do Conselho Nacional de Biossegurança são assegurados pela Assembleia da República.

Artigo 10.º

(Acesso à informação e participação dos cidadãos)

O Conselho Nacional de Biossegurança deve garantir e facilitar o acesso dos cidadãos a toda a informação relativa à sua área de competências e dinamizar a participação pública nos processos de decisão, em particular, através da organização de eventos públicos como conferências, debates, audições, avaliações participativas da tecnologia e demais instrumentos de participação democrática.

Artigo 11.º

(Centro de documentação)

Será criado um centro de documentação para suporte do funcionamento do Conselho Nacional de Biossegurança, bem como para servir de apoio documental à Biblioteca da Assembleia da República, aos serviços públicos e aos cidadãos em geral.

Artigo 12.º

(Direito de audição)

O Conselho Nacional de Biossegurança poderá ouvir as entidades e pessoas que considere necessárias para o exercício das suas competências, através, nomeadamente da consulta a comités científicos e éticos existentes na União Europeia ou fora dela.

Artigo 13.º

(Relatório anual)

1 — O Conselho Nacional de Biossegurança elaborará, no fim de cada ano civil, um relatório sobre o estado da aplicação das tecnologias de engenharia biogenética, que será enviado ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro.

2 — Do relatório referido no número anterior deverá constar:

a) Informação relativa às condições de libertação para o ambiente ou de utilização confinada de organismos geneticamente modificados ou da sua comercialização;

b) Dados sobre o plano de monitorização para, nomeadamente, detectar e identificar quaisquer efeitos directos ou indirectos, imediatos, diferidos ou imprevistos;

c) Informação sobre o controlo, os métodos de remediação, o tratamento de resíduos e os planos de emergência;

d) Avaliação sobre as implicações ambientais, económicas, agrícolas, sociais e para a saúde humana e o desenvolvimento sustentável do país da aplicação da biotecnologia.

3 — O relatório anual deverá ser publicado no Diário da República e incluir obrigatoriamente, em anexo, as recomendações e os pareceres emitidos, bem como as declarações de voto ou posições, ainda que minoritárias, expressas pelos seus membros.

Artigo 14.º

(Entrada em vigor)

O presente diploma entra em vigor com a aprovação do próximo Orçamento do Estado.

Palácio de S. Bento, 20 de Abril de 2004
As deputadas, Isabel de Castro e Heloísa Apolónia

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