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05/05/2009 |
Projecto de Lei Nº. 770/X Proibição de animais em circos |
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Nota justificativa
Tem sido, felizmente, crescente na sociedade portuguesa a consciencialização e preocupação com o bem-estar animal. Este tem-se traduzido a diversos níveis e recentes iniciativas têm levantado a problemática da sua utilização em circos.
Um estudo relevante neste domínio foi apresentado por Leonor Galhardo, consultora do Eurogrupo para o Bem-Estar Animal. O estudo, divulgado em 2005, sobre os animais em circos, legislação e controlo na União Europeia, concluiu que os 20 espectáculos existentes em Portugal são "maus" a nível do bem-estar dos animais utilizados, nomeadamente pelas condições em que são mantidos e a forma como são tratados pelos tratadores e treinadores. O elevado número de animais protegidos e nascidos em meio selvagem utilizado nos circos da União Europeia, incluindo Portugal, mereceu destaque.
O estudo levou em conta que os animais têm as suas necessidades e a sua dignidade próprias concluindo que o ambiente do circo não é, infelizmente, o adequado para respeitar minimamente, de forma condigna e aceitável, a natureza dos animais não humanos que acabam por ser vítimas inocentes num contexto deplorável que lhes causa sofrimento pela falta de condições de higiene, saúde e etológicas mínimas.
Leonor Galhardo avaliou que a situação poderia melhorar se a legislação que protege os animais fosse aplicada, mas que a aplicação da legislação é um problema complexo, até porque a fiscalização que existe não tem meios para exigir a satisfação de todas as necessidades dos animais nos circos. A conclusão, assim, foi a de que a única forma de respeitar as necessidades destes animais é a proibição da sua utilização em circos.
Recentemente, esta preocupação traduziu-se numa petição apresentada à Assembleia da República, promovida pela Acção Animal e a LPDA, defendendo que seja aprovada legislação proibindo a comercialização, manutenção e apresentação de animais em circos ou outros espectáculos circenses em território nacional.
As associações de defesa dos animais promotoras da petição, e outras como a Associação ANIMAL, consideram que não só a legislação não está a ser cumprida como não é suficiente para evitar a colocação dos animais sob pressões anti-naturais. Acusam a violência na condução, no maneio, nos treinos e mesmo nos espectáculos, salientando que a lição mais importante que os animais aprendem, desde bebés, nos circos é que, se desobedecerem, serão castigados violentamente, e salientam que estes animais apresentam distúrbios comportamentais graves, nomeadamente a repetição permanente dos mesmos movimentos sem sentido, a auto-mutilação, a coprofagia, o constante abanar da cabeça, o caminharem incessantemente para a frente e para trás ou de um lado para o outro.
O relatório da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura do Parlamento, de 18 de Março de 2009, referente à análise desta petição (nº 547/X/4ª) “Por um Circo Livre de Exploração Animal”, afirma que em Portugal tem proliferado legislação visando proteger e defender os animais, reconhecendo contudo existir uma lacuna legal em matéria de detenção de animais selvagens.
Efectivamente, o decreto-lei nº 276/2001, de 17 de Outubro, na redacção resultante do decreto-lei nº 315/2003, de 17 de Dezembro, que estabelece as medidas complementares das disposições da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, aprovada pelo decreto-lei nº 13/93, de 13 de Abril, prevê no Capítulo VII regras relativas à utilização de animais de companhia em circos, espectáculos, competições concursos, exposições, publicidade e manifestações similares.
Do âmbito da aplicação deste diploma estão, porém, excluídas “as espécies da fauna selvagem autóctone e exótica e os seus descendentes criados em cativeiro” (art 1º) e que, de acordo com a definição constante da alínea b) do artigo 2º, correspondem a “animais selvagens”. Com a aprovação do decreto-lei nº 315/2003 foram revogados todos os artigos do Capítulo VIII do decreto-lei nº 276/2001 relativo a “Normas para a detenção e alojamento de animais selvagens ou de animais potencialmente perigosos”.
O decreto-lei nº 312/2003, de 17 de Dezembro, alterado pela lei nº 49/2007, de 31 de Agosto, veio, por seu turno, estabelecer o regime jurídico aplicável à detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos mas enquanto “animais de companhia”.
Tão pouco tem aplicação aos “animais selvagens” o regime aprovado pelo decreto-lei nº 59/2003, de 1 de Abril, que apenas versa sobre animais alojados em parques zoológicos.
Por outro lado, como foi referido, é de extrema dificuldade a fiscalização nesta matéria, para a qual concorre, lamentavelmente, a falta de condições e também de prioridade dada a esta matéria pelas entidades com responsabilidades nessa área.
É de salientar que a maior sensibilidade social às condições dos animais em circos, e às actuações que os forçam a adoptar comportamentos contrários à sua natureza, tem conduzido ao declínio dos espectáculos circenses com animais. Hoje é uma evidência que os espectáculos de circo que não utilizam animais actuam com sucesso. Vários países adoptaram já legislação que proíbe ou restringe a utilização de animais em circos, sobretudo dos selvagens, como é o caso da Argentina, Austrália, Áustria, Brasil, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Índia, Israel, República Checa, Singapura e Suécia.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Proibição de animais não-humanos em circos ou outros espectáculos itinerantes
1-É proibida a aquisição, venda, troca ou cedência a qualquer título, detenção, manutenção, exibição, apresentação pública ou integração em espectáculos de quaisquer animais não-humanos selvagens, por circos ou outros espectáculos itinerantes em território nacional.
2- A disposição prevista no número anterior aplica-se igualmente a animais não-humanos domésticos, depois de um período de transição, que não exceda os cinco anos.
3- Até ao prazo estabelecido no número anterior, o Governo regulamentará, no prazo de três meses, as normas destinadas a garantir o bem-estar animal nos circos, e criará condições para uma fiscalização adequada ao cumprimento dessas normas.
4-Exceptuam-se do disposto do número dois os animais domésticos ou de companhia que não se destinem a ser usados para a realização ou apresentação de espectáculos ou exibições públicas.
Artigo 2º
Fiscalização
1-Compete à DGV - Direcção Geral de Veterinária, ao ICNB – Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, às CCDR - Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, aos Veterinários Municipais e a todas as autoridades policiais assegurar a fiscalização do cumprimento do presente diploma.
2-A DGV efectuará uma primeira inspecção a todos os circos ou espectáculos itinerantes um mês após a entrada em vigor do presente diploma, realizando inspecções periódicas, no mínimo de três em três anos, aos recintos circenses, apresentando um relatório público no final de cada inspecção.
3-As entidades proprietárias dos circos ou espectáculos itinerantes e seus trabalhadores, autoridades administrativas e policiais devem prestar toda a colaboração considerada necessária e requisitada pela DGV para a realização das referidas inspecções periódicas.
Artigo 3º
Entrega voluntária dos animais
1-Os animais actualmente existentes em território nacional à guarda ou propriedade de um circo, de outrem contratado pelo circo ou de alguém trabalhando itinerantemente, devem ser declarados no prazo máximo de um mês, a contar da notificação, junto de qualquer serviço do Ministério da Agricultura, que encaminhará a informação de imediato para a DGV.
2- A DGV procederá à notificação de todos os circos ou espectáculos itinerantes existentes em território nacional, no prazo de dois meses a contar da publicação da regulamentação, da obrigação de declaração dos animais e demais procedimentos com vista ao realojamento dos animais.
3- Posteriormente, após a regulamentação e a criação de alternativas de realojamento, será feita a entrega dos animais referidos no número anterior à guarda da DGV ou de entidade que a mesma designe.
4- Pela entrega dos animais voluntariamente realizada nos termos do presente diploma, têm os proprietários o direito a ser ressarcidos.
5- O actual tratador dos animais deve prestar toda a colaboração necessária à entrega dos animais incluindo ao seu realojamento.
6- O Governo regulamentará o presente artigo no prazo máximo de três meses.
7- O realojamento feito nestas condições deve ocorrer no prazo máximo de um ano.
Artigo 4º
Apreensão dos animais
Os animais encontrados em Circo ou espectáculo itinerante, que não tiverem sido declarados nos termos no artigo anterior, serão apreendidos pela DGV a fim de serem realojados.
Artigo 5º
Realojamento dos animais
1-Os animais voluntariamente entregues ou apreendidos serão recolhidos e recolocados em centros de recuperação, santuários, reservas naturais ou outros locais aprovados pelo ICNB e DGV.
2-Compete ao ICNB em conjunto com a DGV a determinação do local onde cada um dos animais deve ser realojado, em Portugal ou no estrangeiro.
3-O local de realojamento deverá permitir ao animal viver em segurança, com boas condições de alimentação, saúde, higiene e espaço, num ambiente o mais natural possível.
Artigo 6º
Reconversão e qualificação de profissionais
1-Aos trabalhadores, tratadores dos animais em causa no presente diploma, será garantida formação adequada a uma qualificação e reconversão profissionais.
2-As companhias de circo que colaborem voluntariamente, para a prossecução dos objectivos traçados no presente diploma, têm direito a ser apoiadas financeiramente pelo Governo, nos termos dos prejuízos que de imediato terão.
Artigo 7º
Contra-Ordenações
1-Constitui contra-ordenação, punível com coima de montante mínimo de € 500,00 e montante máximo de € 5.000,00, para pessoas singulares, e de € 1.000,00 a € 10.000,00, para pessoas colectivas, a infracção ao disposto no artigo 1º.
2-Os montantes são agravados em um terço no caso de se tratar de animal selvagem.
3-Constitui contra-ordenação, punível com coima de montante mínimo de € 1.000,00 e de montante máximo de € 10.000,00, para pessoas singulares, e de € 2.000,00 a € 20.000,00 para pessoas colectivas, a morte causada directamente ou através de maus tratos pelo seu proprietário, tratador, detentor ou pelo proprietário do circo.
4-A reincidência é punida com o máximo da coima.
Artigo 8º
Sanções acessórias
Consoante a gravidade e a culpa do agente, poderá ser aplicada, simultaneamente com a coima, a sanção de suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
Artigo 9º
Tramitação e destino das coimas
1-A competência para a elaboração de autos de contra-ordenação cabe às autoridades previstas no artigo 2º.
2-A instrução dos processos de contra-ordenação compete à Direcção Regional de Agricultura e Pescas da área da prática da infracção.
3-A aplicação das coimas e sanções acessórias compete ao Director-Geral de Veterinária.
4-A afectação do produto das coimas far-se-á da seguinte forma:
a) 10% para a autoridade autuante;
b) 10% para a entidade que instruiu o processo;
c) 20% para a DGV;
d) 60% para os cofres do Estado.
Artigo 10º
Entrada em vigor
O Presente diploma entra em vigor com a publicação da próxima lei do Orçamento de Estado.
Palácio de S. Bento, 5 de Maio de 2009
Os Deputados,
Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira