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Projetos de Resolução
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20/01/2012
Projecto de Resolução Nº. 192/XII Recomenda ao governo a suspensão imediata de todas as deliberações e acções que ameaçem a linha ferroviária do tua
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A crescente adesão e simpatia que a preservação e valorização da Linha e do Vale do Tua, há muito defendida pelos Verdes, tem colhido em todo o país, e para além fronteiras, não pode continuar a ser ignorada pela Assembleia da República e pelo Governo.

Tem-se gerado um amplo movimento em defesa desta causa, que deu origem a várias iniciativas de grande relevo, como duas petições entregues no Parlamento, assinadas por mais de 10.000 cidadãos; um requerimento dirigido ao IGESPAR, em 2010, subscrito por nomes relevantes da vida cultural portuguesa, o qual solicitava a classificação da Linha do Tua como Património de Interesse Nacional; bem como inúmeras outras iniciativas públicas. Este amplo movimento tem de ser encarado pelos responsáveis políticos deste país como um contributo muito positivo de democracia participativa. Os argumentos e as propostas, avançadas pelos defensores da Linha e do Vale do Tua, representam um potencial credível e sustentado para o desenvolvimento daquela região e do país, que merece ser analisado e avaliado de forma séria e isenta de pressões e sem a sobreposição de qualquer outro interesse que não o do interesse colectivo.

Estas manifestações em defesa da Linha e do Vale do Tua são a expressão de uma crescente identificação dos cidadãos com o seu património, neste caso concreto com o património ferroviário que consigo transporta uma memória social riquíssima, e também de uma crescente sensibilidade para com a paisagem demonstrando a emergência de uma consciência coletiva que assume que a preservação e a valorização do património natural/cultural constituem um potencial de desenvolvimento endógeno enorme para a região e para o país, que não pode continuar a ser desperdiçado, muito menos num momento de crise como o que estamos a atravessar. Estas manifestações traduzem, ainda, o repúdio dos portugueses pelo abandono a que as populações do interior estão votadas, nomeadamente em Trás-os-Montes, abandono esse agravado pelo encerramento compulsivo dos serviços públicos. Uma realidade muito bem retratada no documentário “Pare, Escute, Olhe”, do realizador Jorge Pelicano, onde ficou demonstrada a importância que a Linha do Tua assume ainda hoje para a mobilidade das populações do Vale, bem como as suas atrações e potencialidades turísticas. Por fim, esta defesa da Linha do Tua encontra sólidos argumentos nos desafios energéticos e ambientais do presente e do futuro, que levam a colocar o transporte ferroviário na primeira linha das respostas para a mobilidade e a arquivar as barragens como respostas energéticas do século passado.

A obra-prima de engenharia que representa a centenária Linha Ferroviária do Tua, a qual comemora 125 anos, tem um valor patrimonial reconhecido. No parecer dado pela Direção Geral de Cultura do Norte ao pedido de abertura do procedimento de classificação, considera-se que a Linha do Tua “constitui um monumento ao trabalho coletivo de decisores políticos, projectistas e operários, e um testemunho do esforço de construção da rede ferroviária nacional (esforço de modernização) que mobilizou o país com particular intensidade no final do século XIX. Para além deste valor patrimonial, grande parte dos 54 Km de Linha, que ligam Foz Tua a Mirandela, estão incluídos na área classificada do Alto Douro Vinhateiro e na sua zona de proteção, estando por isso sujeitos às regras da classificação da UNESCO. A este valor patrimonial temos que acrescentar a vista ímpar sobre a beleza avassaladora do Vale com a sua fragas, a sua riqueza e diversidade biológicas e, ainda, a exclusividade e a emoção que ela proporciona aos viajantes, o acesso a zonas ricas em águas termais, as aldeias e percursos fabulosos que ela permite descobrir, as águas bravas do rio excelentes para desportos de natureza. Tudo isto, associado à atração que as tradições locais, os produtos regionais (maçãs, laranjas, figos, amêndoas, vinho, azeite, alheiras, etc) e a gastronomia transmontana constituem, deveria ser visto como uma proposta turística única e de excelência potenciadora de desenvolvimento local. Uma proposta que tem feito sucesso noutros países.

O investimento na mobilidade ferroviária e os exemplos de sucesso de valorização turística de linhas com estas características, levados a cabo em Espanha, em França e na Suiça, têm atravessado fronteiras e levado muitas pessoas a questionar as opções das entidades públicas portuguesas que têm promovido o abandono e o desperdício de todo este potencial. Uma atitude que é tanto mais questionada, quanto o discurso oficial repetido desde 2006 justifica o abandono com a insustentabilidade financeira gerada pela “baixa procura”. Vendo o exemplo dos nossos vizinhos espanhóis, o que ninguém entende é por que razão não se faz nada para aumentar a “procura”, quando existem todas as condições para isso. É ainda de realçar que a procurar turística destes ramais do Douro, nomeadamente a Linha do Tua, sobretudo no verão, não ser tão baixa como a CP afirma, o que é até verificável no acidente ocorrido a 22 de Agosto de 2008, dado que a automotora ia lotada.

E foi com base neste argumento, de “baixa procura”, sustentado em dados forjados à medida de decisões políticas preestabelecidas e numa visão meramente contabilista da “falta de sustentabilidade”, que o Plano Estratégico de Transportes (PET), aprovado recentemente pelo Governo, determinou a desativação das vias de bitola métrica, os ramais da Linha do Douro. Tudo isto sem nunca ter sido questionada nem avaliada a política de gestão que levou à degradação do serviço e à perda de passageiros; a falta de conforto das carruagens, a desadequação dos horários às necessidades, à não articulação dos horários destes ramais com os horários da Linha do Douro e da restante Rede Nacional para reduzir tempos de espera, o estado deplorável de abandono das estações e dos acessos às mesmas, o abandono do património ferroviário, material circulante, entre outros exemplos que aqui poderiam ser descritos. Este abandono e esta incúria de gestão, no caso da Linha do Tua, segundo os relatórios oficiais dos acidentes ocorridos, estão na origem das quatro mortes ocorridas e de cinco acidentes em dois anos. Acidentes que serviram de argumento e pretexto para a decisão de desativação “provisória” destas três linhas (Corgo, Tua, Tâmega) e que agora o PET determinou como definitiva.

Para além das decisões contidas no PET, há outra ameaça que paira sobre a Linha do Tua, uma ameaça irreversível que ditará a morte da Linha: a Barragem de Foz Tua. A construção da barragem levará à submersão do Vale e de perto de 20 Kms de Linha, numa das zonas de maior beleza paisagística, levará à descontinuidade do serviço ferroviário pela separação dos restantes 34 quilómetros que fazem a ligação a Mirandela, da linha do Douro e da Rede Ferroviária Nacional tornando-a disfuncional, tanto para a mobilidade como para o turismo.

A construção da Barragem de Foz Tua não levará só à morte da Linha e do Vale do Tua, ela põe também seriamente em causa a segurança da navegabilidade do Douro, facto que as entidades oficiais e a EDP têm tentado esconder, constituindo uma séria ameaça para o turismo fluvial, actividade que tem vindo a crescer, mesmo em tempo de crise. Para além disso, constitui uma séria ameaça à preservação da classificação de Património da Humanidade, concedida pela UNESCO, ao Alto Douro Vinhateiro como foi claramente expresso no relatório conclusivo da missão levada acabo pelo ICOMOS (organismo consultivo, de carácter científico) a pedido da UNESCO, na sequência dos diversos alertas lançados pelo PEV, que os classificou de “severos e irreversíveis” e “impossíveis de minimizar”, tal como os Verdes sempre disseram.

O “valor universal excepcional” reconhecido ao Alto Douro Vinhateiro pela Unesco, ao atribuir-lhe o título de Património da Humanidade, e a “integralidade e a autenticidade” desta paisagem cultural fruto da relação ancestral e harmoniosa entre o Homem e a natureza, exigida pela Convenção do Património Mundial, está ameaçada pela descaracterização da paisagem que a barragem irá provocar e que nenhuma “maquilhagem”, por mais hábil que seja o artista, poderá evitar.

A obtenção deste título, fruto do esforço de todos os que sonharam e trabalharam para a candidatura, foi sem dúvida uma grande honra e uma mais-valia com um enorme potencial para o desenvolvimento da região e do país que não pode ser agora desperdiçado.
Importa, no entanto, não esquecer que a obtenção deste reconhecimento pela UNESCO, confere responsabilidades e vincula-nos a compromissos. Responsabilidades para o Estado português, responsabilidades para as entidades tutelares, responsabilidades para os que lutaram por este título, responsabilidades para a região e os seus legais representantes, responsabilidades para todos os portugueses que tanto se orgulharam com o título.

Responsabilidades e compromissos que as entidades oficiais (CCDRN, Estrutura de Missão do Douro, Comissão Nacional da Unesco, Ministério da Cultura, Governo e demais entidades que se mantiveram num silêncio cúmplice) não souberam honrar, nomeadamente aquando da violação dos deveres de informação e auscultação que têm perante a Unesco, e foram negando a localização e os impactos da barragem na área classificada e na sua zona de proteção, ou, ainda, quando deixaram os interesses particulares (os dos acionistas privados da EDP e só eles) sobreporem-se aos interesses regionais e nacionais, deixando avançar as obras violando procedimentos legais, nomeadamente o cumprimento dos compromissos da DIA (Declaração de Impacto Ambiental) e do Programa de Concurso. Ou, também, quando se empenharam, sem pudor e com fins politiqueiros de sobrevivência, em negociar com a EDP o “preço certo” da destruição irreversível deste valioso património, virando costas ao que a natureza levou séculos a construir e que o homem bordou com engenho e muito suor.

Os Verdes estão convictos que, se a barragem de Foz Tua avançar, ela irá abrir um precedente que, à semelhança de uma ferida exposta, irá infetar, alastrar e gangrenar a Classificação ditando a sua morte.
Ainda vamos a tempo de parar a barragem. Mais que nunca é importante relembrar Foz Côa (os trabalhos estavam bem mais avançados), e recordar que o potencial aberto (nomeadamente ao nível do turismo histórico-cultural e natural) pela corajosa decisão de então será ampliado ou atrofiado pela decisão que se tomar em relação à Barragem do Tua.

Ainda vamos a tempo de preservar aquele património único e a relação simbiótica constituída pelo Vale e a Linha do Tua e de preservar a paisagem do Alto Douro Vinhateiro, fazendo destas paisagens, unidas pelos rios, um valioso potencial de desenvolvimento para a região e para o país.
São necessárias decisões que vão ao encontro da preservação desta Classificação e do interesse regional e nacional.

É com base nestes pressupostos enunciados que os Deputados do Grupo Parlamentar Os Verdes, abaixo assinados, propõem, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, delibera recomendar ao Governo que:

1. Suspenda de imediato as obras de construção do Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua e assegure que se reponha a zona do Alto Douro Vinhateiro já afetada.
2. Suspenda as determinações previstas no Plano Estratégico de Transportes (PET), relativas à desactivação das Linhas do Corgo, Tua e Tâmega.

3. Crie um Grupo de Trabalho que faça uma avaliação isenta das potencialidades de exploração das Linhas do Tua, do Corgo, do Tâmega e do Douro, em articulação com a restante rede ferroviária nacional e ainda com a rede ferroviária espanhola, tanto na ligação a Puebla de Sanábria, como também por via de Barca d´Alva, dando cumprimento ao Protocolo assinado com as autoridades Espanholas em 2009.

4. Este Grupo de Trabalho, para além de representantes das entidades directamente envolvidas, inclua técnicos e personalidades da área da cultura e do ambiente, nomeadamente representantes das ONG que estão envolvidos na defesa da Linha e do Vale do Tua e representantes dos trabalhadores ferroviários, através das organizações sindicais.

5. A avaliação prevista no ponto 3, inclua audições públicas em todos os concelhos do Vale do Tua.

6. Anule o despacho que determinou o arquivamento do procedimento de classificação da Linha do Tua como Património de Interesse Nacional, proferido a 4 de Novembro de 2010 pelo diretor do IGESPAR, a que se refere o Anúncio nº 10853/2010 publicado no Diário da República, 2º Série, nº 219 de 11 de Novembro de 2010, para que seja realizada uma avaliação séria e tecnicamente sustentada da pretensão dos subscritores do pedido de classificação.
Palácio de S. Bento, 20 de Janeiro de 2012
Os deputados
 
Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira
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