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30/05/2008
Projecto de Resolução Nº. 334/X Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo sobre a sustentabilidade da expansão urbana face ao crescimento demográfico e ainda a regulamentação do artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro
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PROJECTO DE RESOLUÇÃO Nº. 334/X Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo sobre a sustentabilidade da expansão urbana face ao crescimento demográfico e ainda a regulamentação do artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial

Exposição de Motivos

No diagnóstico efectuado no estudo “Contributos para o Plano Estratégico de Habitação para o período de 2008/2013”1, publicado em Abril passado, é referido que:
“O aumento dos alojamentos ao longo das três últimas décadas foi sempre superior a 20%, ainda que as taxas de crescimento tenham diminuído de intensidade ao longo do período: 27% na década de setenta, 22% na década de oitenta e 21% na década de noventa.”
“O número de alojamentos praticamente duplicou nas três décadas e registou um ritmo de crescimento sempre superior ao do n.º de famílias, o que colocou Portugal com o segundo maior rácio de habitação por agregado familiar no seio da UE.”

Face a estes dados e tendo em conta o actual momento crucial no planeamento das nossas cidades, uma vez que se encontram em revisão a grande parte dos Planos Directores Municipais – PDM’s, importa fazer a seguinte reflexão:

 
Apesar de em 1990, perante a necessidade de obediência às exigências comunitárias, se ter incrementado a elaboração da primeira geração de PDM’s, com a publicação do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, tais instrumentos de planeamento não pararam a tendência de expansão urbanística que já vinha a verificar-se desde o início dos anos 70, acabando por legitimar, em muitos casos, novos alargamentos.
Recorda-se, que à data da publicação deste Decreto-Lei, apenas cinco municípios, em todo o país, possuíam esse instrumento de planeamento.
 
Posteriormente, o Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro, veio impor a revisão dos PDM’s decorrido o prazo de 10 anos após a sua entrada em vigor ou após a sua última revisão, pelo que, na sua grande generalidade, os PDM’s encontram-se actualmente em revisão, existindo um número diminuto cuja revisão já foi ratificada.
 
Apesar do Decreto-lei nº 380/99, restringir, no seu artigo 72.º, a reclassificação do solo rural em solo urbano aos “casos em que for comprovadamente necessário, face à dinâmica demográfica, ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de qualificação urbanística”, aquilo a que se está a assistir, com esta revisão dos PDM’s, é a mais um crescimento das áreas urbanizáveis, sem que haja a devida justificação e fundamentação para que tal aconteça.
 
As evidências são claras: existem PDM’s que duplicam a área urbanizável, outros que prevêem, na sua vigência de dez anos, a multiplicação por dois ou três da população dos respectivos concelhos, até aos PDM’s de municípios metropolitanos que contêm áreas urbanas e urbanizáveis, onde caberiam por inteiro as populações de alguns distritos do interior do País.
 
Recorda-se que já em 2001, o então Ministro do Ambiente, hoje Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, afirmava que era preciso fazer algumas leis que impedissem o alastramento das áreas urbanizáveis, porque as que tínhamos serviam perfeitamente para o futuro, justificando, que se somássemos “todas as áreas urbanizáveis dos PDM’s teríamos um país com capacidade para 30 milhões de habitantes”.
E é perante esta constatação que se esperaria que esta segunda geração de PDM’s viesse a corrigir os erros dos da primeira geração e não agravá-los com mais uma amputação às áreas de Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN) e mais uma reclassificação massiva de Solos Rurais em Solos Urbanos.
 
A esta evidência, o Governo tem vindo a dar o seu consentimento com a respectiva ratificação da revisão dos PDM’s, não exigindo que tal reclassificação dos usos do solo e a expansão das áreas urbanas seja devidamente justificada.
Aliás, o próprio Governo, ao não dar seguimento ao estipulado no artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, que previa que as restrições nele constantes fossem alvo de um decreto regulamentar que estabelecesse critérios uniformes aplicáveis a todo o território nacional, possibilitou interpretações abusivas dos intuitos de quem legislou.
 
Tal situação foi mesmo alvo de uma Recomendação, em Setembro de 2006, por parte do Provedor de Justiça (Recomendação N.º 5/B/2006, de 13/09/2006), a qual não foi atendida até hoje.
E é perante esta realidade que se impõe que nos debrucemos sobre as consequências desta contínua expansão da malha urbana das nossas cidades sem que haja justificação sustentada para a mesma.
Em primeiro lugar, coloca-se a questão da impermeabilização dos nossos solos, impossibilitando o seu aproveitamento agro-florestal, em alguns casos dos melhores solos agrícolas nacionais (solos de aluvião), um bem escasso no nosso território.
 
Tal impermeabilização implica, por outro lado, o sacrifício dos valores naturais contidos nesses solos, para além de implicar o agravamento dos efeitos inerentes à ocorrência de condições climatéricas extremas, como é o caso das cheias.
Um segundo aspecto, por demais evidente nas nossas cidades, tem a ver com a desertificação do miolo urbano e a degradação do património edificado, permitindo-se a contínua desqualificação ambiental nas zonas consolidadas, bastando para isso observar o número de fogos devolutos em Portugal, que deverá rondar o meio milhão.
 
A título de exemplo, salienta-se o levantamento feito pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) "Porto Vivo", que indica que estejam devolutos um quinto dos 47 mil alojamentos disponíveis na coroa central da cidade do Porto.
Salienta-se ainda, que este contínuo impulso para alargamento da malha urbana tem actuado como estímulo à compra de habitação própria, o que tem vindo a implicar, por sua vez, consequências que importam avaliar, quer ao nível do mercado de arrendamento, quer ao nível do endividamento das famílias portuguesas.
 
Por último, e como terceira consequência, temos o desperdício de recursos estatais, desde logo com um conjunto de investimentos que os promotores imobiliários não pagam, mas que acaba por pagar toda a sociedade, nomeadamente, arruamentos, redes de abastecimento de água, de saneamento e de electricidade, até aos investimentos menos significativos, mas também não desprezáveis, como sejam, espaços verdes, ecopontos, paragens de autocarro, entre outros.
Mas para além destas infra-estruturas com que é necessário dotar estas novas áreas, o desperdício aumenta mais tarde, com a necessidade de garantir um conjunto de serviços, nomeadamente, policiamento, transportes públicos, recolha de resíduos, etc.
 
Acrescem ainda os gastos energéticos inerentes, por exemplo, a um distanciamento dos cidadãos em relação aos seus locais de trabalho, com os chamados movimentos pendulares, que obrigam ao contínuo reforço das condições de acessibilidades às zonas mais periféricas, até à própria iluminação pública que é também necessário assegurar nestas zonas.
Quanto às razões que estão por detrás desta tendência de expansão urbanística, concerteza não será alheio o facto do financiamento das autarquias sempre ter sido fortemente dependente do património edificado, quer por via de todo um conjunto de taxas cobradas pela realização de operações urbanísticas, quer por via do IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis e do IMT - Imposto Municipal sobre Transmissões, outrora, Contribuição Autárquica e SISA.
 
Mas a par desta forte dependência financeira das autarquias das dinâmicas urbanísticas, existe uma forte pressão imobiliária por parte de interesses privados, onde, para além dos lucros inerentes à edificação, se tem aliado constantemente as mais-valias resultantes da transformação do uso do solo, de rústico em urbano, o que tem permitido multiplicar por cem e mais os valores investidos e a criação de enormes fortunas.
Tal relação de factores, a par muitas vezes de uma ideia de desenvolvimento económico baseado no betão, tem levado a que, durante as últimas três décadas, uma grande parte das nossas cidades esteja a expandir a sua malha urbana de uma forma desmesurada e pouco sustentada.
 
Assim sendo e não pretendendo esta iniciativa parlamentar discutir os lucros privados resultantes da construção, nem o aproveitamento privado das mais-valias resultantes das alterações de uso do solo, apesar de estarmos a falar de um bem público que é escasso, importa intervir no sentido dos interesses privados não se sobreporem ao interesse público, nomeadamente, em termos dos próprios usos de solo e do próprio ordenamento.
 
Nestes termos, a Assembleia da República, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da CRP e das demais disposições legais e regimentais aplicáveis, decide recomendar ao Governo que, ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, desenvolva as seguintes medidas:

- Que dê seguimento ao estipulado no artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, que prevê que as restrições nele constantes sejam alvo de um decreto regulamentar que estabeleça critérios uniformes aplicáveis a todo o território nacional;
- Que proceda à elaboração de um estudo sobre a sustentabilidade do alargamento da malha urbana prevista nos vários Planos Directores Municipais ratificados, e em vias de ratificação, tendo em conta, nomeadamente, as perspectivas demográficas de cada concelho;
- Que proceda à realização de um estudo para todas as cidades de média e grande dimensão, que relacione o património edificado, somado ao património a edificar já alvo de licenciamento por parte das autarquias, com a realidade demográfica actual e com as perspectivas de evolução, tendo em conta, nomeadamente, a taxa de natalidade e outros factores que a possam alterar.

Palácio de São Bento, 30 de Maio de 2008,


Os Deputados, Heloísa Apolónia e José Miguel Gonçalves

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