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30/09/2011
Projecto de Resolução Nº. 98/XII Sobre o processo de revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida
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A conservação da natureza é determinante para a valorização da biodiversidade, com tudo o que lhe é inerente, designadamente a preservação das espécies de fauna e flora, sustentada na defesa dos seus habitats e ecossistemas próprios. A Natureza é um bem precioso, de valor tão elevado que para o justificar basta dizer que é dos recursos naturais que todas as formas de vida dependem e é na Natureza que todas se integram.
Todavia, o crescimento das sociedades, por via de um modelo delapidador, sustentado num consumismo e num economicismo afastado das necessidades reais das populações, tem promovido uma desprotecção preocupante da Natureza. As sociedades poder-se-iam ter desenvolvido de forma harmoniosa com a utilização dos recursos naturais, mas a sede de obter o máximo de lucro e de rentabilidade, tem levado à destruição de sítios determinantes para garantir a biodiversidade e a regeneração desses recursos. De resto, só se fala em conservação da natureza quando ela está em perigo. É o reconhecimento de que o nosso modelo de crescimento a tem ferido e que, por isso, é preciso conservá-la.
Foi justamente com vista à conservação da natureza que se criaram áreas protegidas, assumindo o seu valor patrimonial natural e a necessidade de preservar essa riqueza. Contudo, será justo constatar que a generalidade das áreas protegidas, classificadas das mais diversas formas, são mais protegidas no seu estatuto legal do que propriamente na prática concreta. Muitas delas continuam sujeitas a atentados tamanhos que até custa a crer que tenham tal estatuto de protecção. Esta realidade decorre fundamentalmente de opções políticas governativas que menosprezam os valores naturais em benefício de grandes interesses económicos.
O Parque Natural da Arrábida (PNA) foi criado pelo decreto-lei nº 622/76, de 28 de Julho com o objectivo de protecção dos seus valores naturais e assumindo a degradação a que estavam sujeitos na altura. Um estatuto de protecção sem regras de ordenamento e planeamento definidas, não cria o vigor e o rigor necessários a essa conservação. Só em 2005, através da resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005, de 23 de Agosto é publicado o regulamento do plano de ordenamento do Parque Natural da Arrábida. Dito desta forma, tudo indicaria que o estatuto de protecção do PNA estava salvaguardado na prática. Contudo, não é assim, de facto.
Desde logo, o desinvestimento na conservação da Natureza tem sido progressivo no nosso país, afectando também, directamente, o PNA. Sem financiamento para manutenção dos espaços, a sua valorização não consegue ser garantida. Numa área protegida há uma componente de verdadeiro investimento (mesmo que decorra de despesas de funcionamento), que se traduz numa efectiva fiscalização e vigilância, que é determinante para a sua salvaguarda. Os apetites são tamanhos e, muitas vezes, o desleixo é de tal ordem que sem uma efectiva fiscalização não há forma de cumprir objectivos de erradicação de atentados ambientais que se pretendem inexistentes. Ora, o PNA foi em tempos sujeito à instalação de um sistema de vídeo-vigilância, caríssimo, mas que rapidamente deu mostras de não funcionar, tendo servido de pretexto para não investir, indesculpavelmente, num suporte humano de vigilantes da natureza. Das 10 câmaras de vigilância, uma a uma foi deixando de funcionar e o investimento na manutenção não foi feito, tendo-se chegado à seguinte situação: o PNA não tem vídeo-vigilância e tem, na sua vasta área, apenas 4 vigilantes da natureza em terra e 2 na área marinha. E assim se verifica como o poder central fragilizou esta área protegida.
Para além disso, os conteúdos dos planos de ordenamento são também determinantes para a eficácia do objectivo de conservação que se diz querer salvaguardar. Ora, o Plano de Ordenamento do PNA (POPNA) é em si, lamentavelmente, um instrumento de fragilização e de instalação de contradições incompreensíveis no PNA, o que determina que este POPNA, aprovado em 2005, não serve os objectivos de preservação desta área protegida.
Para exemplificar, importa afirmar que o POPNA permite o mais, não permitindo o menos, ou seja, o POPNA permite que se desenrolem na área do PNA actividades altamente delapidadoras, agressivas dos valores naturais e de largo e significativo impacto, com repercussões paisagísticas de enorme alçada (como a permissão directa da intensificação da exploração de inertes em profundidade e da co-incineração de resíduos industriais perigosos, e a não proibição de empreendimentos turísticos de larga escala ou de habitação secundária).
Por outro lado, o POPNA foi totalmente insensível à manutenção de actividades tradicionais e de pequena escala , como, de resto, a sua aplicação e a prática têm demonstrado desde 2005, contribuindo, assim, para o abandono de uma parte da actividade agrícola familiar e da pastorícia, bem como da pesca, de cuja actividade centenas de famílias, designadamente de Sesimbra, dependiam para sobreviver. Ou seja, estas actividades de pequena escala, que deveriam também ter sido preservadas pelo POPNA, garantindo a sua não extinção, porque são aquelas que são mais sustentáveis, são as que mais se compatibilizam com a preservação e são convívio com a valorização dos recursos naturais que se querem preservar, acabam por ser desrespeitadas e desvalorizadas.
São este conjunto de contradições que tornam incompreensível o próprio POPNA e que nunca conseguiram fazer compreender o seu objectivo final, na medida em que este instrumento obriga a restrições tão elevadas para as pequenas actividades e trata com tanta ligeireza e permissividade as actividades de larga escala, com efeitos muito negativos na valorização do PNA.
Foi por isso, também, que o POPNA foi um documento tão contestado publicamente. De resto, a consulta pública efectuada foi bem expressiva dessa contestação. Ainda assim, o documento prosseguiu os seus trâmites, ignorando este sentimento das populações e a aflição daqueles que, tendo em tantos anos ajudado a preservar os valores naturais do PNA, eram agora afastados como se fossem “empatas” no PNA! O POPNA em vez de garantir uma relação harmoniosa entre as populações e a área a preservar, vem virar o PNA contra as populações e as populações contra o POPNA! Por exemplo, em relação às restrições de pesca no Parque Marinho Luiz Saldanha, os pescadores, bem conhecedores da área e os mais interessados no não esgotamento de recursos, foram tidos como uns absolutos delapidadores da região, ficaram sem forma de sustento e nunca foram compensados pelos prejuízos que tiveram!! Isto não é admissível e não reverte a favor do próprio conceito de uma área protegida.
Passaram 6 anos e o POPNA continua em vigor nos exactos termos em que foi aprovado. A necessidade de revisão do POPNA e o seu ajustamento às necessidades reais do PNA são hoje, julgamos, inequívocos.
Na passada legislatura foi aprovada a Resolução da Assembleia da República nº 3/2011, de 24 de Janeiro, a qual recomenda ao Governo a revisão do POPNA, bem como a avaliação da sua execução, até à data, com a publicação de um relatório identificando as consequências da sua aplicação. Os termos da resolução são demasiado gerais e o seu resultado é que nada foi feito!
Mais se acrescenta: a revisão do POPNA é muito importante até pela razão de se encontrar em formação a candidatura mista da Arrábida a patrimonial mundial, a classificar pela UNESCO (candidatura esta que o PEV propôs à Assembleia da República que expressamente apoiasse, o que foi aprovado e resultou na Resolução da Assembleia da República nº 46/2001, de 18 de Março). A adequação dos planos de ordenamento do território da área abrangida por esta candidatura, aos objectivos que levam a uma classificação desta envergadura, são extraordinariamente importantes para a garantir e para promover o desenvolvimento sustentável da região.
Não ignorando a Resolução da Assembleia da República nº 3/2011, mas dando-lhe continuidade, maior concretização e, logo, maior eficácia, os deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1. Dê início ao processo de revisão do POPNA, num prazo máximo de 6 meses.

2. Assegure que a revisão do POPNA é objecto de uma consulta pública, por tempo adequado, alargada a todos os interessados.

3. Garanta uma avaliação dos resultados da aplicação do actual POPNA (aprovado em 2005), sob o ponto de vista ambiental, social, económico, cultural e patrimonial.

4. Tenha em conta os contributos prestados em sede de consulta pública, bem como a avaliação prevista no número anterior, em sede de resultado de revisão do POPNA.

5. Identifique as maiores agressões existentes no PNA e que a revisão do POPNA seja um contributo, não para as manter intactas, mas para encontrar uma estratégia para a sua correcção e erradicação progressiva.

Palácio de S. Bento, 30 de Setembro de 2011

Os Deputados

Heloísa Apolónia

José Luís Ferreira

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