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29/06/2012 |
Projeto - Lei n.º 265/XII - Assume as touradas como espetáculo ilícito e impõe limites à sua emissão televisiva |
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NOTA JUSTIFICATIVA
Que os animais sencientes, e especificamente os animais domésticos, são portadores da capacidade de sentir, demonstrar e comunicar, entre si e connosco, afecto, dor, prazer ou compaixão, é hoje em dia, felizmente, comummente aceite na nossa sociedade prevendo o nosso ordenamento jurídico que os mesmos são detentores de um conjunto de direitos específicos e merecedores dos respectivos mecanismos normativos de protecção.
A Lei nº92/95 de 12-09 (na redação da Lei nº19/2002 de 21-07) proíbe expressamente “todas as violências injustificadas contra animais (..) infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal” (artº 1º, nº1).
Contudo, esta mesma lei, excepciona (de forma contraditória) expressamente as touradas ou corridas de toiros desta proibição.
Aliás, da mesma forma, à luz dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada em 15 de Outubro de 1978 pela Unesco – “Todo o animal tem o direito de ser respeitado” (artº 2º); “Nenhum animal será submetido a maus tratos nem a actos cruéis” (artº 3º); “Quando um animal é criado para a alimentação humana, deve ser nutrido, instalado e transportado, assim como sacrificado sem que desses actos resulte para ele motivo de ansiedade ou de dor” (artº 9º); “a) Nenhum animal deve ser explorado para entretenimento do homem. b) As exibições de animais e os espectáculos que se sirvam de animais, são incompatíveis com a dignidade do animal” (artº 10º); “As cenas de violência nas quais os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se essas cenas têm como fim mostrar os atentados contra os direitos do animal” (artº 13º) - as touradas, coerentemente, não poderiam subsistir.
Esta não é uma questão fácil. O debelar de certas tradições enraizadas junto dalgumas populações no nosso país, se não for assumida pelos próprios, se não ocorrer como natural evolução social e de mentalidades, que leve a rejeitar espontaneamente essas práticas e a substituí-las por outras, sempre será vista como violenta intrusão no seu espaço identitário.
O extremar de posições nesta matéria pode levar uns a vencer sobre os outros, mas nunca levará ao convencimento dos vencidos…
São conhecidos os argumentos de quem defende as corridas de toiros: desde a tradição popular, passando pela economia e postos de trabalho, ou pela manutenção da subespécie da fauna, terminando no próprio ambiente(!) simplesmente por a criação do gado bravo ser feita em regime extensivo e em montado… Já vimos vender automóveis, defender empreendimentos turísticos, campos de golfe ou espelhos de água de barragens nos últimos rios selvagens do país invocando igualmente as suas pseudo vantagens ambientais! Este argumento não é, todavia, seriamente defensável!
Com efeito, nas fundações da ecologia política reside a defesa intransigente do planeta, dos ecossistemas e do equilíbrio ambiental, dos quais depende toda a vida na Terra, e também a salvaguarda de toda a vida selvagem e da riquíssima biodiversidade que herdámos e queremos legar às futuras gerações. A par dessa defesa, vem inevitavelmente a defesa dos animais que especificamente partilham o nosso espaço e quotidiano, mormente os domésticos, de companhia, de trabalho, ou aqueles dos quais o ser humano retira alimento, que são merecedores de uma atenção diferenciada pois essa maior proximidade traz consigo problemas específicos e simultaneamente uma responsabilidade própria que tem que ser plenamente assumida.
È nossa convicção que a sociedade deverá caminhar no sentido do abandono de práticas que não são compatíveis com o estatuto de protecção que cada vez mais por todo o mundo se reconhece, justamente, aos animais, reconhecendo simultaneamente que com a superior capacidade intelectual do Homem, donde lhe vem o imenso e perigoso poder que hoje detém, vem necessariamente um inalienável dever e uma esmagadora responsabilidade de respeitar igualmente os outros animais, os não humanos, pois só assim, em última instância respeita a sua própria humanidade.
Infelizmente a mudança de mentalidades é, por vezes, demasiado lenta no reconhecimento e atribuição de importância a esta matéria que, contudo, não deve ser menorizada e simplesmente adiada com o pretexto de não constituir uma “prioridade” no presente momento de reconhecida crise ambiental, social e económica.
Nesta matéria, não podemos deixar de lembrar o papel que a educação formal (no espaço escola) e informal pode e deve desempenhar na formação das gerações futuras promovendo o contacto directo com os animais, o conhecimento, compreensão e respeito pelos animais.
A televisão, quer se queira ou não queira, para o bem e para o mal, desempenha um papel crucial na transmissão de valores e na educação informal mormente dos mais jovens. Consciente disso mesmo, a lei da Televisão prevê já um conjunto de restrições (limites à liberdade de programação) que segue de perto, e bem, a nossa “moral” constitucional.
As corridas de touros, ainda que como “espetáculo cultural” como é por muitos assumido, não podem deixar de ser reconhecidas como comportando uma dose nítida de violência, agressão, sofrimento e ferimentos sangrentos infligidos a animais e até “risco permanente de morte para o toureiro”, como é assumido pelos próprios defensores da tourada no parecer que a Prótoiro fez chegar ao Parlamento durante o processo da Petição nº2/XII/1ª.
Ora a exibição livre dessa violência, em transmissões televisivas, deve, no mínimo, conhecer limites não só com vista a defender os telespectadores com maior sensibilidade ou “facilmente impressionáveis” mas também e principalmente com vista a proteger as crianças e jovens de uma exibição que não educa para o reconhecimento e integral respeito pelos animais, e, assim, influi “de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes” – artº 27º, nº4 da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido.
Por outro lado, o PEV propõe que se altere o princípio geral definido na lei em relação às touradas, deixando assim de ser entendido como um espetáculo “lícito” para passar a ser definido como um espetáculo “ilícito”.
O PEV entende que a posição extremada pelo fim das touradas não teria acolhimento ainda no nosso Parlamento, onde o presente projeto vai ser votado. Optámos, assim, neste momento por estabelecer algumas alterações à lei que assumam as touradas como elas devem ser classificadas (o princípio da sua ilicitude, mesmo que excecionado, bem como o princípio da sua violência), na medida em que, pelo menos estes princípios, têm condições para ser por todos acolhidos e retratam as touradas como verdadeiramente elas são. Constituem passos que podem e devem ter o acolhimento do nosso Parlamento e que devem também contribuir para uma educação da sociedade para as características deste espetáculo em concreto.
Nesse sentido, os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, como defenderam no debate da referida Petição, apresentam à Assembleia da República o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
A presente Lei introduz alterações ao artigo 3º da Lei nº 92/95, de 12 de Setembro, alterada pela Lei nº19/2002, de 31 de Julho, ao artigo 27º da Lei nº 27/2007, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 8/2011, de 11 de Abril e ao artigo 4º do Decreto-Lei nº 396/82, de 21 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 116/83, de 24 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei nº 456/85, de 29 de Outubro
Artigo 2º
O artigo 3º da Lei nº 92/95, de 12 de Setembro, alterada pela Lei nº19/2002, de 31 de Julho, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 3º
Outras autorizações
1. (…)
2. É ilícita a realização de touradas.
3. Excecionalmente pode ser autorizada a realização de touradas, sendo indispensável prévia autorização do espetáculo nos termos gerais estabelecidos nos regulamentos próprios.
4. (anterior nº 3)
5. (anterior nº 4)
6. (anterior nº 5)
7. (anterior nº 6)»
Artigo 3º
O artigo 27º da Lei nº 27/2007, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 8/2011, de 11 de Abril passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 27º
Limites à liberdade de programação
1. (…)
2. (…)
3. Não é permitida a emissão televisiva de programas suscetíveis de prejudicar manifesta, séria e gravemente a livre formação da personalidade de crianças e adolescentes, designadamente os que contenham pornografia, no serviço de programas de acesso não condicionado ou violência gratuita, fundamentalmente sobre pessoas ou animais não humanos.
4. (…)
5. (…)
6. (…)
7. (…)
8. (…)
9. (…)
10. (…)
11. (…)»
Artigo 4º
O artigo 4º do Decreto-Lei nº 396/82, de 21 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 116/83, de 24 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei nº 456/85, de 29 de Outubro passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 4º
1. (…)
a) (…)
b) Para maiores de 18 anos os espetáculos tauromáquicos.
2. (…)
3. (…)
4. (…)
5. (…)
6. (…)
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 29 de Junho de 2012.
Os Deputados
Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira