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25/04/2014
Projeto - Lei n.º 593/XII - Revoga o processo de privatização da EGF
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Nota justificativa

O Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 Março aprova o processo de privatização da EGF, empresa co-responsável com municípios pela recolha, tratamento e valorização da maior parte dos resíduos em Portugal.
Quando foram constituídos os sistemas multimunicipais para a gestão dos resíduos, com a participação dos municípios e da EGF (da grupo Águas de Portugal), o pressuposto que levou a que os municípios transferissem as suas obrigações legais nesta matéria para os referidos sistemas, foi a sua natureza pública. Integraram os sistemas com uma empresa pública de capitais públicos, tendo-lhes na altura sido imposto que detivessem 49% do capital e a EGF 51% (ou até mais), sendo esta a acionista maioritária. Colocando a questão noutro prisma, caso se vislumbrasse que a EGF deixaria de ser uma empresa pública para passar a ser privada, os municípios não teriam aceitado essa transferência e esses sistemas multimunicipais não estariam, muito provavelmente, constituídos.
Assim, quando o Governo decide e abre um processo de privatização da EGF, trai a confiança dos municípios portugueses! A traição é de tal ordem, que o Governo nem permite aos municípios interessados a aquisição da maioria do capital das empresas multimunicipais, demonstrando um evidente autoritarismo.
Esse autoritarismo revela-se também por via de um enorme desrespeito pela autonomia do poder local: o setor dos resíduos foi alvo de grandes investimentos públicos nos últimos anos, que o Governo se prepara para oferecer de bandeja aos privados e, para além disso, preparou uma política tarifária onde a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e de Resíduos) fixa os preços e as autarquias são obrigadas a cobrá-los, mesmo discordando deles e mesmo que prejudiquem grandemente as populações.
O setor dos resíduos constitui praticamente um monopólio natural, com grandes garantias de controlo, de lucro e de isenção de risco para os privados. Repare-se que a EGF integra 11 sistemas multimunicipais (ALGAR, AMARSUL, ERSUC, RESIESTRELA, RESINORTE, RESULIMA, SULDOURO, VALNOR, VALORIS, VALORMINHO, VALORSUL), servindo mais de 6 milhões de cidadãos. Controlar e gerir os resíduos produzidos por mais de 60% da população portuguesa é um poder muito significativo que o Governo quer passar para os privados. Estamos a falar de um setor estratégico, com uma relação direta na qualidade de vida das populações e na criação de bons padrões ambientais.
A cooperação entre o Estado (através da EGF) e as autarquias tem permitido um caminho continuado de avanço notório na cobertura nacional de recolha e tratamento de resíduos, com indicadores que transmitem uma perspetiva de melhoria ao nível da qualidade e da eficiência. Não pode, portanto, o Governo alegar ineficiência dos sistemas. Para além disso, a EGF tem tido lucros consideráveis: nos últimos 3 anos representaram mais de 60 Milhões de euros. Não pode, portanto, o Governo alegar a falência do sistema.
O que leva, então, o Governo a cometer um erro estratégico desta natureza? É que nem o argumento da crise, nem do absurdo memorando da Troika, nem da obsessão pelo défice, são válidos, porque as receitas de privatizações previstas com a Troika já foram atingidas e ultrapassadas. A razão da privatização da EGF é mesmo uma razão ideológica, porque PSD e CDS querem aproveitar, enquanto são Governo, para:
•    Reduzir o Estado ao mínimo
•    Ajudar os grandes grupos económicos a acumular riqueza
•    Submeter todos os setores à lógica do mercado
•    Levar os cidadãos a ter acesso a serviços essenciais, pagando o serviço e o lucro das empresas.
Para aplicarem aquela que é a sua ideologia, preparam, na área dos resíduos, vários passos todos tendentes à privatização do setor, como o PEV denunciou em tempo útil, com a Lei nº 35/2013, de 11 de junho, que alterou a Lei da delimitação dos setores; o DL nº 92/2013, de 11 de julho, que alterou o regime legal da gestão e exploração dos sistemas multimunicipais e municipais de água, efluentes e resíduos; e, agora, o DL nº 45/2014, de 20 de março, que aprova o processo de privatização da EGF. A seguir preparam-se para a privatização do setor da água!
A evidência do prejuízo que resultaria da privatização da EGF é de tal ordem, que o Governo está isolado nessa intenção, tendo os autarcas, ambientalistas e trabalhadores contra a sua decisão. Consciente desse isolamento, mas querendo levar o seu autoritarismo em frente, o Governo procurou «dourar a pílula» no diploma através do qual aprovou o processo de privatização da EGF, inscrevendo nele que «foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses». Ocorre que a ANMP votou, por unanimidade, contra a privatização da EGF no seu último congresso e, sobre o diploma em concreto, deu um parecer expressamente negativo, cujo conteúdo o Governo ignorou e, dois dias depois desse parecer chegar ao Governo, aprovou o diploma em Conselho de Ministros, demonstrando que o ato de auscultação da ANMP não fora mais do que uma mera formalidade, a qual precisava de usar para «dourar» o diploma. Este é só mais um facto que prova como o Governo tem usado de uma boa dose de má-fé na condução deste processo.
A privatização da EGF é muito problemática, por tudo o que já ficou expresso, mas também porque a ânsia de obter lucro se poderá seriamente incompatibilizar com o objetivo de redução da produção de resíduos (de resto, o Governo aprovou o processo de privatização da EGF sem ter aprovado um novo PERSU com metas ambiciosas de redução, cobertura, recolha e tratamento de resíduos. Para além disso, determinará que as decisões de investimento e de cobertura se façam, não em função das necessidades das populações e do país, mas sim em função do que for mais rentável para os privados, os quais, sempre na ânsia de reduzir os custos do trabalho, o mais certo é que venham a pôr em causa uma parte dos cerca de 2000 postos de trabalho e, com isso, também a qualidade do serviço prestado. De não menor importância é o praticamente certo aumento das tarifas para tornar ainda mais rentável o negócio para os privados, sempre em claro prejuízo das populações.
É com base no que acima ficou exposto que, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo único

A presente Lei revoga o Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 de março, que aprova o processo de reprivatização da Empresa Geral do Fomento, S.A. (EGF).

Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 25 de abril de 2014

Os Deputados

Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira
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