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09/04/2015 |
Projeto - Lei n.º 857/XII - ESTIPULA QUE NENHUMA CRIANÇA FICA PRIVADA DE MÉDICO DE FAMÍLIA |
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Na presente legislatura, os Verdes apresentaram o Projeto de Resolução nº 1070/XII, que estabelecia os princípios orientadores para a garantia de índices de fecundidade e de natalidade desejados. PSD e CDS chumbaram todos os pontos da referida iniciativa do PEV, e o PS não votou favoravelmente quatro dos dez pontos propostos. Esse Projeto de Resolução centrava-se, sobretudo, na necessidade de combater o desemprego e a precariedade no emprego, de modo a gerar estabilidade na vida e a permitir aos jovens a perspetiva de constituir família, de garantir meios de subsistência dignos a essas famílias, de gerar condições para a não saída de jovens do país por via do fenómeno da emigração forçada, mas centrava também atenção no apoio à mulher trabalhadora grávida e no apoio à infância. O ponto 7 do referido Projeto de Resolução apresentava concretamente uma orientação relativa ao direito ao acesso de crianças e jovens a dimensões fundamentais como a educação, a saúde e os transportes. É justamente com vista a abrir caminho para aperfeiçoar esses direitos que o PEV apresenta o presente Projeto de Lei, considerando que, com ele, se dá um passo para combater uma política anti-natalidade, contrariando, portanto, opções políticas que têm sido vincadas nos últimos anos.
Em Portugal está, claramente, colocado um problema de renovação de gerações: partir de 2011 tem-se assistido, no nosso país, a uma acentuada descida do número de nascimentos: em números redondos, de 101.300 em 2010, passou-se para 96.800 em 2011, 89.800 em 2012 e 83.500 em 2013. A manter-se esta tendência, estima, o INE (Instituto Nacional de Estatística), que a pouco mais de meio do século XXI (por volta de 2060) a população portuguesa se situe aproximadamente nos 6 milhões de habitantes, podendo alcançar-se um rácio de 464 pessoas idosas por 100 pessoas jovens, correspondendo a um significativo envelhecimento demográfico. Assim sendo, o país precisa de assumir como desígnio nacional a promoção de políticas que fomentem o nascimento de mais crianças em Portugal. E a verdade é que pensar uma política que promova a natalidade é necessariamente pensar um conjunto de dimensões da vida que interferem no dia-a-dia de uma criança, designadamente em setores tão fundamentais como a saúde.
Ora, sabendo que todos os cidadãos deveriam ter direito a médico de família, o certo é que mais de 1,3 milhões de portugueses não têm médico de família, o que se traduz num fator profundamente perturbador da garantia do direito e do acesso à saúde, direito consagrado na Constituição da República Portuguesa.
O Governo assumiu o compromisso de haver um médico de família para todos os utentes nacionais, mas esse objetivo está muito longe de ser cumprido. A verdade é que, ao contrário do anunciado, tem-se assistido a uma política governativa desvalorizadora do Serviço Nacional de Saúde, desrespeitadora dos seus profissionais e criadora de efetivas dificuldades para os utentes.
Se é muito preocupante que existam tantos utentes sem médico de família, a questão torna-se muito complicada para aqueles que requerem mais frequente, regular e intensa resposta por parte dos serviços de saúde, como os portadores de doenças crónicas, de deficiências, ou os mais idosos, ou as crianças. Com efeito, muitas crianças no nosso país não têm médico de família, tornando muito mais complicado o seu acompanhamento regular, ou, em alternativa, tornando caríssimo o seu acompanhamento no setor privado.
Nestas circunstâncias, e tendo como objetivo contribuir para o aumento da taxa de natalidade, o PEV propõe que, dentro dos utentes que não têm médico de família, seja estabelecido um procedimento que atribua imediata e automaticamente médico de família a todas as crianças, através de requerimento dos seus responsáveis legais. Impõe-se, assim, que o Governo dote as unidades de saúde, que prestam cuidados primários, de profissionais em número suficiente face ao objetivo que se pretende alcançar. Esta é também uma forma de garantir que, desde os primeiros dias de vida, as crianças ficam adstritas a um médico de família e que o seu direito e acesso à saúde são garantidos com mais eficácia e menos perturbação e incerteza.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1ºA presente Lei destina-se a garantir que nenhuma criança fica privada de médico de família.
Artigo 2ºA garantia prevista no número anterior é assegurada por via do reforço do número de profissionais de saúde e nunca por prejuízo de quaisquer outros cidadãos no seu direito a médico de família.
Artigo 3º1.O Governo diligencia no sentido de se fazer, a curto prazo, um levantamento exaustivo de todas as crianças que não têm médico de família, promovendo um contacto prévio com os responsáveis legais das crianças, de modo a que se elenque o número total de crianças para as quais se pretende a atribuição de médico de família.
2.Em relação a recém nascidos, cria-se um processo automático de atribuição de médico de família, a requerimento dos seus representantes legais.
Artigo 4ºO Governo determina, por regulamentação da presente lei, a forma de operacionalizar o princípio nela estabelecido, ou seja, a forma de abranger todas as crianças com médico de família.
Artigo 5ºA presente lei aplica-se igualmente aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal.
Artigo 6ºA presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento de Estado subsequente à sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 9 de Abril de 2015Os DeputadosHeloísa ApolóniaJosé Luís Ferreira