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25/05/2012
Projeto de Resolução n.º 346/XII - Garante o Direito à Água e ao Saneamento
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Nota justificativa
 
A ânsia pela apropriação do recurso natural água, por parte de agentes privados, é uma realidade, desde logo porque deter a gestão deste recurso, essencial à vida (logo imprescindível e não dispensável) é negócio garantido. Por outro lado, deter a gestão deste recurso é ganhar poderes soberanos e de controlo sobre um país, porque é ter instrumentos de decisão sobre o seu acesso e distribuição, com implicações, designadamente, de ordem económica, social, ambiental e de gestão territorial.
 
A acrescentar a tudo isto, se pensarmos que, devido à escassez de água doce, este recurso ameaça ser um dos potenciais fatores de conflito entre Estados, no decurso deste século, torna-se, então, completamente incompreensível que um Estado prescinda de gerir este bem natural, que é um recurso estratégico para o país, com a sua entrega ao setor privado!
 
A privatização da água comporta, ainda, um perigo de ordem ambiental que importa realçar: dado o objetivo de obtenção de lucro e de desejo de venda do produto gerido, a privatização não se associa diretamente ao princípio ecologista desejável de poupança da água. Comporta, ainda, um perigo de ordem social que reside no aumento de tarifário (que pagará, para além dos custos do sistema de distribuição e saneamento, os lucros das empresas detentoras da sua gestão), que tende a condicionar o acesso à água à capacidade económica das famílias. De resto, o aumento do tarifário foi, em todas as partes do mundo onde se implementaram esquemas de privatização da água, uma consequência imediata, assim como a degradação do controlo de qualidade.
 
Em Portugal, a ânsia pela privatização da água e a preparação do caminho para a privatização já conhece longa história, designadamente legislativa, desde o início dos anos 90. A insistência dos Governos pela implementação dos sistemas multimunicipais, desvalorizando o papel da liberdade das autarquias locais se organizarem e de decidirem livremente sobre a forma como pretendem gerir o recurso água, fazendo, inclusivamente, depender financiamento dos sistemas criados, é um exemplo de como se preparou caminho para uma lógica de privatização do setor.
 
O atual Governo já anunciou a sua intenção de entrega do setor da água aos privados! O Governo não o assumiu no seu programa, mas a privatização da água foi anunciada publicamente, embora discretamente, pelo Ministro das Finanças e depois confirmada pela Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
 
O Governo anunciou que não tem intenção de alienar o grupo Águas de Portugal (AdP), mas que promoverá fusões de sistemas multimunicipais, integrando os sistemas em baixa nesses sistemas fundidos, e promovendo, aí, a entrega da gestão dos sistemas ao setor privado, através de concessões. O Governo anunciou, portanto, a privatização da água em Portugal!!
 
Importa que não nos deixemos confundir, pela forma de privatização e pelo jogo de palavras que a ela está associado. A entrega da gestão da água a concessionários privados é atribuir-lhes o direito de decidir sobre o setor da água em função dos seus objetivos de mercado, logo trata-se de uma privatização do setor. Quem gere os sistemas, gere e condiciona a forma de fazer chegar o recurso água às pessoas, gere o seu acesso e gere o saneamento. Para além do mais, essas concessões não duram meia dúzia de anos, duram décadas! Resta ainda saber se, na intenção do Governo, os privados deterão a gestão e apenas a gestão, sem riscos associados ao investimento (que continuarão a ser pagos pelos contribuintes), ganhando apenas os proveitos da gestão!
 
Estes riscos aludidos são tanto mais gravosos, para as populações e para o país. Quanto tudo indica que a água se poderá vir a tornar, fruto designadamente das alterações climáticas, um recurso cada vez mais escasso em certas regiões de Portugal.
 
Portugal corre, assim, neste momento, um risco muito sério de privatização da água, que importa travar enquanto é tempo!
 
Os Verdes reafirmam que a água é um direito, não é uma mercadoria, logo a lógica de mercantilização e de lucro não se adequa à gestão de um direito fundamental que a nenhum ser humano podemos admitir que seja negado! Por isso nos devemos também opor a um modelo neo-liberal que, fazendo de todos os direitos um negócio, deixa de fora do acesso à água potável 884 milhões de pessoas e 2,6 milhares de milhão sem acesso a saneamento básico, levando a que 1,5 milhões de crianças, com menos de 5 anos, morram por doenças relacionadas. Uma vergonha mundial! Um modelo feito de ricos para ricos e com desprezo pela humanidade, é o modelo que impedirá inclusivamente o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio!
 
Entretanto, a água será certamente objeto de reflexão e decisão na Conferência Rio+20, a decorrer no final do próximo mês de Junho no Brasil. Importa que essa reflexão se sustente na Resolução da Assembleia das Nações Unidas sobre o direito humano à água e não nas sucessivas tentativas do Conselho Mundial para a Água (liderado pelas multinacionais do setor da água como a Compagnie Generale des Eaux ou a Lyonnaise des Eaux) para excluir esse reconhecimento, dando-lhe antes um caráter economicista, quantas vezes dissimulado pelo rótulo de “economia verde”!
 
É, sustentado em todas estas, aqui sintetizadas, preocupações, que o Grupo Parlamentar “Os Verdes”, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o presente Projeto de Resolução, com vista proceder a um conjunto de recomendações ao Governo que garantam o direito humano à água e ao saneamento:
 
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, resolve recomendar ao Governo:
 
1. A defesa da gestão pública da água, designadamente garantindo que os sistemas associados ao abastecimento e saneamento se mantenham na esfera pública.
2. Que as entidades que fazem a gestão dos sistemas de abastecimento e saneamento sejam sempre total ou maioritariamente públicos.
3. Que qualquer alteração que seja introduzida nos modelos de gestão da água, não ponha em causa as competências das autarquias locais nesta matéria.
4. A garantia do acesso universal das populações ao abastecimento de água e a sistemas de saneamento.
5. Que os modelos de gestão da água visem, de forma prioritária, a preservação deste recurso, nomeadamente impedindo a degradação da sua qualidade na origem, evitando, assim, elevar custos de tratamento.
6. Que os modelos de gestão da água sejam eficientes e permitam que o custo da água seja o mais baixo possível, refletindo-se na menor tarifa possível.
7. A garantia que as tarifas da água sejam socialmente justas, ajustadas à capacidade que as famílias detêm, de modo a que ninguém fique privado do acesso à água por razões económicas.
8. Que seja implementado com urgência o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água e que a Assembleia da República conheça trimestralmente, por via do Governo, a sua fase de implementação.
9. Que o Governo português proponha e apoie, na Conferência Rio+20, a Resolução da Assembleia  das Nações Unidas sobre o direito humano à água e ao saneamento.
10. Que o Governo português, ainda na Conferência do Rio+20, se oponha terminantemente a qualquer tentativa de se imporem mecanismos de mercantilização e de privatização da água.
 
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 25 de maio de 2012
 
Os Deputados
Heloísa Apolónia                                                                
José Luís Ferreira
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