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05/06/2012 |
Projeto de Resolução n.º 363/XII - Recomenda ao Governo a paragem imediata das obras da barragem de Foz Tua |
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Nota justificativa
Já são conhecidos quer o parecer (WHC-12/36.COM/7B) quer a proposta de deliberação (36 COM 7B.81), relativos ao Alto Douro Vinhateiro (ADV) – Património da Humanidade, que o Comité do Património Mundial da UNESCO (órgão deliberativo da UNESCO no que se refere ao património mundial) irá analisar, na sua próxima sessão que terá lugar de 24 de Junho a 6 de Julho do corrente ano, em São Petersburgo.
Este parecer e esta proposta de deliberação são da responsabilidade da secção responsável pela Europa do Centro do Património Mundial (organismo coordenador da UNESCO, que tem por função gerir e acompanhar, no dia a dia, o património mundial e preparar as reuniões do Comité), depois de analisar e avaliar o relatório da Missão realizada ao ADV, em Abril 2011, pelo ICOMOS (organização que desempenha funções consultivas, ao nível técnico-científico) e o respetivo parecer reativo do Estado Português, assim como um conjunto de outra documentação e informação na sua posse.
Na proposta de deliberação, sobre a qual o Comité do Património Mundial se irá pronunciar, é diretamente formulado o pedido da UNESCO ao Estado Português “para parar imediatamente as obras da Barragem de Foz Tua e de todas as infraestruturas associadas” (ponto 7 da proposta de deliberação).
Um pedido que é justificado pelas preocupações decorrentes, não só “dos impactos potenciais da Barragem de Foz Tua sobre o bem classificado e sobre a sua envolvente e os danos irreversíveis que causarão sobre o valor universal e excecional do bem”, tal como aponta o ICOMOS nas conclusões da Missão que realizou em Abril 2011 ao Alto Douro Vinhateiro (ponto 3 da proposta de deliberação), como também pelo facto da decisão de avançar com o projeto ter sido tomada sem ter tido em conta, na avaliação de impacto prévia, o estatuto de Património da Humanidade do ADV e os impactos do projeto sobre o seu valor universal excecional (ponto 4 da proposta de deliberação).
A paragem imediata das obras é ainda justificada pela necessidade da UNESCO avaliar, com mais profundidade, os impactos potenciais da barragem e das infraestruturas associadas sobre o ADV. Para tal pretende ter acesso a toda a informação e à documentação relativa ao Projeto Hidroelétrico e às infraestruturas associadas (informação esta que até 12 de Maio 2012, data do parecer WHC-12/36.COM/7B e da proposta 36 COM 7B.81 ainda não tinha sido entregue oficialmente) e realizar uma nova Missão ao ADV, em conjunto com as organizações consultivas (ICOMOS/UICN) e as entidades nacionais (pontos 8 e 9 da proposta de deliberação).
Na proposta de deliberação, a UNESCO lamenta ainda o facto de Portugal ter omitido as suas intenções em relação a este projeto, não só na fase de candidatura do Douro a Património da Humanidade, como também posteriormente, antes da tomada de decisão, tal como obrigam as orientações emanadas da ratificação da Convenção do Património Mundial (ponto 5 da proposta de deliberação). E manifesta, ainda, o seu desagrado pelo facto de se terem iniciado as obras sem esperar pelas recomendações da Missão consultiva do ICOMOS, ocorrida em Abril de 2011 (ponto 6 da proposta de deliberação).
As conclusões do parecer, que sustentam esta proposta de deliberação, referem ainda que “caso se verifique que as obras já ocorridas, na área classificada ou na sua zona tampão (Zona Especial de Protecção), constituem um perigo comprovado ou podem vir a por em perigo o valor universal excecional do bem, o Centro do património mundial e as Organizações consultivas recomendarão ao Comité do património mundial que avalie da possibilidade de inscrever o bem na Lista do património mundial em perigo, na sua 37º sessão em 2013” (p. 154 do parecer).
Perante este parecer e esta proposta de deliberação, nos quais esta prestigiada Organização internacional acusa claramente o Estado português de não ter respeitado as orientações emanadas da Convenção do Património e de não ter cumprido os seus compromissos, nomeadamente ao nível do dever de informação e auscultação, mas também no que diz respeito ao dever de preservação dos valores e características que estão na base da classificação dos bens, o Governo não pode continuar a “fazer como a avestruz”, escondendo “a cabeça na areia” epersistindo em negar as sérias ameaças que pesam sobre a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. Não pode continuar a negar a possibilidade do ADV vir a ser incluído na Lista do património mundial em perigo e, caso assim aconteça, dar um passo decisivo e de difícil reversão em direção à desclassificação.
O atual Governo PSD/CDS não pode dar continuidade às práticas de violação dos compromissos assumidos com a UNESCO, que caracterizaram a atuação do anterior Governo do PS e não pode continuar a escudar-se com o passado. A mudança de atitude do Governo é urgente para a preservação da classificação do ADV, mas também, e ainda, para bem de outras classificações já existentes em Portugal e para não por em causa a atribuição de outras no futuro.
A obtenção deste Título, fruto do esforço de todos os que sonharam e trabalharam para a candidatura, foi sem dúvida uma grande honra e uma mais-valia para a região e para o País que não pode ser agora desperdiçada. O reconhecimento do “valor universal excecional” desta paisagem, que a natureza levou séculos a construir e que o Homem bordou com engenho e muito suor, onde a vinha e os seus socalcos, os rios e os caminhos de terra e de ferro constituem as peças mestres da classificação, tem de ser encarado como um potencial para o desenvolvimento desta região vinícola que tão difíceis momentos atravessa.
A Barragem de Foz Tua e as infraestruturas associadas, nomeadamente as Linhas de Muita Alta Tensão, são elementos estranhos a esta paisagem e contribuem para a sua descaracterização. O atual Governo não pode, tal como o fez na resposta que enviou à UNESCO, continuar a utilizar o velho argumento dos seus antecessores e vir justificar a construção da barragem de Foz Tua com a existência anterior de outras no Douro, e afirmar, tal como fez, que “estas contribuíram para aumentar o valor panorâmico e patrimonial do bem” !!! (pag. 152/153 do parecer).
Cabe ao Governo, e nomeadamente a quem tutela o património mundial, saber que o reconhecimento do “valor universal excecional” é atribuído a um bem, pela UNESCO, em função de critérios bem determinados e definidos nas orientações para aplicação da Convenção.
Assim, a classificação do Alto Douro Vinhateiro como património mundial foi baseada em três critérios (iii) (iv) (v), a saber:
- O critério (iii) significa que o bem é considerado um testemunho único ou no mínimo excecional de uma tradição cultural ou de uma civilização viva ou desaparecida. No Douro foi a sua produção de vinho há mais de 2000 anos que levou ao preenchimento deste critério;
- O critério (iv) significa que o bem é considerado um exemplar eminente de um tipo de construção ou de um conjunto arquitetónico, tecnológico ou paisagístico que ilustre um período ou períodos significativos da história da humanidade. No Douro foi considerado que as componentes da paisagem ilustram a diversidade das atividades associadas à vinha. As vinhas, os socalcos, as aldeias, as quintas, os caminhos;
- O critério (V) significa que estamos perante um exemplar eminente de obra humana tradicional, na utilização do território (…) que seja representativa de uma cultura, ou da interação do homem com o ambiente, especialmente quando este está a ficar vulnerável sobre o impacto de mutação irreversível”. A paisagem cultural do Douro foi considerada um exemplo excecional de uma região vinícola europeia tradicional, onde se reflete a evolução dessa atividade ao longo dos anos (ponto 2 da deliberação).
Como se pode verificar nestes critérios, definidos na Decisão 25 COM X.A, que determinou em 2001 a classificação do ADV, as barragens que já existiam no Douro aquando da sua classificação, nunca foram nem poderiam ser consideradas como peças características da paisagem vinhateira e se estão implícitas nalgum dos critérios é no critério (V), pelo facto deste critério prever que a atribuição da classificação pode servir para proteger esta paisagem vinhateira de novas ações geradoras de mutações irreversíveis.
Caberia, ainda, a quem gere este Património, e que constantemente repete que a área afetada pela Barragem é mínima, saber que a Convenção determina ainda o respeito pela “integralidade do estado de conservação do bem classificado”. Sobre esta matéria “Os Verdes” gostariam ainda de referir que os números que são avançados para determinar a dimensão da área que é afetada pela Barragem fica muito aquém da realidade. São omitidas parte das infraestruturas e zonas da barragem localizadas em ZEP.
Uma mudança de atitude do Governo é ainda necessária e urgente para bem da imagem internacional do Estado Português, tantas vezes referida noutras situações e que aqui foi desprezada. Esta mudança passa obrigatoriamente por seguir integralmente as recomendações e solicitações da UNESCO e do ICOMOS, nomeadamente no que diz respeito à paragem imediata das obras da Barragem de Foz Tua e das infraestruturas associadas, ao fornecimento dos dados e elementos solicitados, à implementação dos instrumentos de planeamento e gestão deficitários e à implementação de boas práticas de gestão que preservem e valorizem a classificação. Uma mudança de atitude que privilegie o cumprimento dos compromissos e a transparência às pressões e manobras diplomáticas.
E se é verdade que não estaríamos perante esta situação se em 2007, ainda em fase de Consulta Pública da Avaliação Estratégica do Programa Nacional de Barragens, ou nas inúmeras outras vezes que o PEV promoveu debates parlamentares sobre esta matéria, o Governo de então e as bancadas com maioria nesta Assembleia tivessem dado ouvidos aos alertas de “Os Verdes”, quando apontávamos os impactos da barragem de Foz Tua sobre o ADV e o facto destes não terem sido avaliados. Ou quando “Os Verdes” alertaram a UNESCO para a situação;
É de frisar que não estaríamos perante esta situação se o anterior Governo PS tivesse dado ouvidos aos protestos de “Os Verdes” e de todos os que contestavam o PNBEPH, e nomeadamente a Barragem de Foz Tua, pelas implicações económicas, sociais, ambientais e patrimoniais que tem. E se as bancadas com maiorias parlamentares (PS/PSD/CDS) tivessem aprovado as numerosas iniciativas legislativas que o PEV apresentou para travar este crime.
Também é verdade que o atual Governo PSD/CDS e maioria parlamentar não se podem desvincular das suas responsabilidades, e para tal muito foram alertados pelos Verdes. Já tiveram muitas oportunidades para mudar de rumo nesta legislatura e não o fizeram.
A proposta que o PEV agora apresenta constitui mais uma oportunidade para mudar as decisões em relação à barragem de Foz Tua e ao ADV. Decisões que, se não mudarem, vão lesar irremediavelmente o país, se não no curto prazo, dentro de um futuro muito próximo.
“Os Verdes” estão convictos que a dita “compatibilidade”, evocada pelo Governo, entre a barragem e a classificação, se vier a ser admitida pela UNESCO, por força de pressões diplomáticas ou de omissões de impactos, só levará a adiar a perda da classificação por alguns tempos. A construção da barragem irá abrir um precedente no ADV que, tal como uma ferida exposta, irá infetar, alastrar e gangrenar a classificação, ditando a sua morte. Depois da barragem virão outros e outros interesses, outras e outras agressões.
Para findar, importa ainda relembrar que a barragem de Foz Tua não é imprescindível ao país, a sua produção elétrica equivale a menos de 0,5% da energia gasta em Portugal. E os estragos que causa são enormes ao nível económico, social, ambiental e patrimonial. E os seus custos são muito elevados, agravados pelas alterações ao projeto inicial, os quais vão ser pagos através da fatura dos consumidores.
A Assembleia da República não pode continuar cúmplice desta situação e a dar cobertura a estas atitudes. O Parlamento tem o dever de fiscalizar as práticas governativas e zelar pelo respeito dos compromissos assumidos.
“Os Verdes” estão convictos que ainda vamos a tempo de salvar o Alto Douro Vinhateiro, Património da Humanidade, e a Linha e o Vale do Tua que é parte integrante desse património Mundial.
O Parlamento tem o dever de levar a uma mudança de atitude do Governo, por via da tomada de decisões políticas que venham, realmente, ao encontro da preservação da classificação do Alto Douro Vinhateiro Património da Humanidade. É preciso dar um sinal claro à UNESCO, antes até da deliberação do Comité mundial.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes propõe o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República, reunida em Assembleia Plenária, delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que:
1º- Suspenda de imediato as obras de construção do Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua, indo ao encontro do pedido da UNESCO.
2º - Dê um cumprimento célere a todas as outras solicitações formuladas pela UNESCO na proposta de deliberação.
3º - Apresente, no início da próxima sessão legislativa, um relatório à Assembleia da República onde constem as obrigações a que a EDP tinha ficado vinculada, por via de concurso e de contrato, e o nível de cumprimento dessas obrigações.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 5 de junho de 2012
Os Deputados
Heloísa Apolónia
José Luís ferreira