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08/02/2007
Proposta de Lei de Autorização nº112/X – Regime de Utilização dos Recursos Hídricos
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes, sobre a Proposta de Lei de Autorização nº112/X – Regime de Utilização dos Recursos Hídricos
Assembleia da República, 8 de Fevereiro de 2007
 
 

 

 

 

 

 
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,

Em 2005, a AR, por proposta do Governo, discutiu e aprovou a Lei nº58/2005 publicada em 29 de Dezembro, chamada a Lei da Água, bem como a Lei nº54/2005 de 15 de Novembro que estabeleceu a Titularidade dos Recursos Hídricos.

Hoje, discutimos a Proposta de Lei de Autorização nº112/X que autoriza o Governo a legislar sobre o Regime de Utilização dos Recursos Hídricos de acordo com a determinação do nº2 do artigo 102º da Lei da Água, que remetia para posterior aprovação por Decreto Lei, no prazo de três meses, ou seja até ao fim de Março de 2006, a aprovação desta matéria.

No entender de “Os Verdes”, a Proposta de Lei em causa e principalmente, naturalmente, o projecto de Decreto-Lei autorizado, que a acompanha, representam a continuação do mais despudorado ataque a um dos mais importantes bens públicos, indispensável a todas as formas de vida e à sobrevivência dos ecossistemas, condição fundamental do desenvolvimento sustentável da humanidade que é a água.

A água, o ouro azul e apontado por muitos como causa de ainda mais conflitos futuros à escala regional, inclusivamente de natureza bélica, pela sua escassez e importância fundamental, é também alvo de muita cobiça e interesses económicos particulares e encontra-se neste momento, cada vez mais, à mercê de predadores somente interessados em fazer lucros à custa de uma dádiva da natureza, por essência necessariamente um bem de todos, da humanidade e de todos os seres vivos do nosso planeta, e por conseguinte de eminente interesse público, não podendo jamais ser equiparado a uma mercadoria como infelizmente fazem a Directiva 2000/60/CE do Parlamento e do Conselho e também a actual legislação da responsabilidade deste Governo.

A actual situação de escassez de água nalgumas zonas, de deplorável estado de degradação e poluição calamitosas a que chegaram muitos dos nossos recursos hídricos de superfície e a eminência de secas, relacionadas com o fenómeno das alterações climáticas, incêndios e desertificação, vêem lembrar-nos da forma mais dramática a natureza escassa, finita e limitada da água doce à nossa disposição, quer para consumo humano, quer para as mais variadas actividades desde a agricultura à industria, e que é fundamental usar com prudência e racionalidade por forma a garantir a vida no nosso planeta, hoje e para as gerações futuras.


Por tudo isto, como defendemos na altura aqui na Assembleia da República aquando da discussão da Lei da Água, seria fundamental, numa matéria com esta importância estratégica absolutamente crucial, que estes diplomas sejam discutidos na Assembleia da República, com tempo, precedidos de uma ampla participação e discussão públicas, pois a água é um bem de todos, não é pertença de nenhum Governo para dela dispor, sob a forma de Proposta de Lei e não apenas soba actual forma de autorização legislativa.

Recordo-vos Srs. Deputados, que em 2003 o então Governo do PSD/PP, tentou fazer uma lei da água sem a submeter à discussão plena neste Plenário, colocando-o em apreciação pública em vésperas de Natal com prazo marcado até 10 de Janeiro, situação que só foi revertida graças à pronta denúncia da Associação Água Pública e à intervenção do GP dos Verdes que alertaram os restantes grupos parlamentares para o que se estava a passar.

Da mesma forma, o actual Governo do PS, só colocou a matéria da Lei da Água em apreciação pública já depois da sua discussão em generalidade aqui no Parlamento, a qual mereceu as maiores críticas da esmagadora maioria das várias entidades que se pronunciaram, muitas inclusivamente, pedindo a suspensão da votação final global, exigindo um mais amplo espaço de discussão. Entre elas encontravam-se não só várias associações, como as ambientalistas LPN e Quercus, como a Confederação Nacional dos Agricultores, o Movimentos dos Utentes de serviços Públicos e várias estruturas sindicais.

Justificava-se plenamente um maior debate, tal como se justifica plenamente a exigência que hoje “Os Verdes” aqui fazem de que o Governo retire esta proposta de lei de autorização e apresente uma Proposta de Lei substantiva à AR, para que os diferentes Grupos Parlamentares possam discutir em especialidade e apresentar as suas proposta de alteração. Numa matéria como esta, todo o cuidado é pouco, já que o que está em causa é o acesso a um dos condicionantes fundamentais do próprio direito à vida: o direito à água, como ao ar, que fazem parte do nosso meio ambiente.

Até porque, analisando agora apenas a proposta de lei de autorização, esta, talvez por ser acompanhada, na sua discussão do projecto de DL, cai no pecado inaceitável de se apresentar demasiado vaga e pouco concreta da determinação do alcance, objectivos e limites que o dito DL deverá depois respeitar. Isto é, do ponto de vista constitucional e legiferante, um erro grave e que justifica só por si a inviabilização da iniciativa do Governo. Apesar de pretender, ao longo de 15 alíneas, elencar todo o conjunto de matérias, toda a extensão do futuro DL, a verdade é que não lhe estabelece os limites fundamentais nem densifica suficientemente o seu sentido, como se impunha sendo esta matéria de competência exclusiva da AR.

Em Julho de 2005 criticámos a Proposta do Governo por não ser uma verdadeira Lei de Bases, apresentando-se mais como um Super-regulamento que, a pretexto da transposição de uma Directiva Comunitária, veio substituir e deitar fora um conjunto de instrumentos legais com longa implementação no nosso país, rodeando-se dum discurso fortemente técnico e hermético, num impulso de reforma em que o diploma que hoje analisamos é não apenas mais um, mas aquele em que a privatização dos recursos hídricos se torna mais clara, cristalina e transparente e a desresponsabilização dos poderes públicos pela gestão do bem público água se vai concretizar com consequências desastrosas para o ambiente e para os portugueses.

Se a Lei da Água do PS veio abrir a porta à privatização da gestão do domínio público hídrico, esta proposta vem materializar em concreto a filosofia economicista de transformação da água, mas também dos leitos e margens das massas de água, numa mera mercadoria, num bem venal, à disposição num grande mercado para quem tenha dinheiro para investir e fazer exclusivamente seu aquilo que é de todos e ao serviço e disposição de todos deve estar.

Por que é isso que está em causa, Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Quando se assume que se pretende pôr fim a uma filosofia de desincentivo às actividades económicas relacionadas com a água (como se ela existisse, num Portugal em que Planos de Ordenamento como o da Albufeira de Castelo do Bode no rio Zêzere previu o aumento de 400% da construção na área de incidência de um recurso que é o principal abastecedor de água para o consumo humano, por exemplo, da região de Lisboa, ou num país onde os campos de golfe e as marinas multiplicam-se como cogumelos, etc,.), Na verdade o que se pretende é colocar todas, mas todas as massas de água à venda num brutal negócio de milhões para alguns;

Quando o Estado assume o compromisso de indemnizar os privados para que estes não corram qualquer risco,

Quando as concessões ou licenciamentos aos privados do domínio público hídrico é feita em regime de exclusividade,

Quando são os privados que se vão autocontrolar, desresponsabilizando o Estado,

Quando se permite que o privado exerça competências próprias da Administração Pública, como as de licenciar ou fiscalizar

Quando volta a deixar no escuro matérias, criando cláusulas abertas, ou remetendo para regulamentação por Portaria ou a definir pelo INAG,

O tempo é escasso para analisar em profundidade todos os aspectos negativos e duvidosos das propostas que o Governo nos trouxe hoje, contudo, face à filosofia e aos princípios que este diploma traz subjacente são mais que motivo para votar contra.

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