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Intervenções na Ar (Escritas)
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16/02/2012
Reabilitação urbana

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Regime jurídico da reabilitação urbana
Assembleia da República, 16 de Fevereiro de 2012 –

1ª Intervenção

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra,
é um prazer revê-la nesta Casa. Esperemos que, em breve, possamos fazer aqui discussões sobre outras matérias, designadamente de ordem ambiental, que têm andado escondidas.
Sim, esta também tem relevância ambiental.
Sr.ª Ministra, para perceber se todos temos consciência daquilo que está em causa, podemos fazer, de acordo com aquilo que nos preocupa mais, leituras diferentes dos diplomas, mas eu gostava de saber qual é a consciência da Sr.ª Ministra relativamente a esta matéria.


Certo é que, decorrente da proposta que o Governo aqui está a apresentar de uma nova lei do arrendamento, muita gente tem como destino sair da casa onde está e ir para a rua. E quando eu digo «ir para a rua» não tem de se tornar um sem-abrigo, Sr.ª Ministra; quando eu digo ir para a rua quero dizer que tem de ir procurar outra opção. Ou seja, as pessoas serão despejadas. Porquê? Porque não terão condições económicas para pagar rendas exorbitantes que o diploma permite que se venham a criar.
Gostava de saber se a Sr.ª Ministra, que aqui vem apresentar esta proposta de lei à Assembleia da República, tem consciência disso, ou seja, se tem consciência que, decorrente do texto que aqui está a ser apresentado, pessoas que não têm capacidade de pagar rendas exorbitantes por incapacidade económica, vão ser despejadas. Esta é a minha primeira pergunta.
Em segundo lugar, a Sr.ª Ministra disse, e bem, que se cria um regime especial para os mais carenciados, para os mais idosos e para pessoas com deficiência. Eu não lhe chamaria regime especial, porque acho que ele não é isso verdadeiramente, chamar-lhe-ia regime transitório — creio que é melhor chamar-lhe assim. O certo é que, ao fim de cinco anos, esse regime transitório acabou. E aquilo que eu pergunto é: e depois desses cinco anos?
A Sr.ª Ministra, entretanto, já deu uma resposta, dizendo que, depois, haverá, com certeza, respostas sociais… Desculpe, Sr.ª Ministra, mas a Assembleia da República não pode aceitar essa resposta. Haverá respostas sociais? Não! Que respostas concretas é que o Governo se propõe dar para estas pessoas ao fim de cinco anos? Ou será que aquilo que o Governo está a fazer é a dizer «comecem a arrumar as malas durante cinco anos, porque depois a vossa sorte será a de todos, porque entrarão no regime geral».
Depois, a Sr.ª Ministra falou de uma coisa que penso ser até um bocadinho aberrante face àquilo que é proposto, ao assumir que esta proposta de lei «dá liberdade às partes» — foi a expressão que utilizou.
Penso que esse termo, Sr.ª Ministra, é muito reduzido. Deve dar tanta liberdade às partes como acontece com as rescisões amigáveis na função pública…
Na função pública, o Estado determina aquilo que vai acontecer ao funcionário público e ele ou aceita ou vai para a rua. É assim! Neste caso, o poder é todo atribuído — sejamos sinceros! — ao senhorio, e o inquilino vai sujeitar-se, numa…
Mas, dizia eu que o inquilino vai sujeitar-se, numa breve fantochada de negociação, porque é mais ou menos isso que acontece… O poder está todo na mão do senhorio, não há aqui liberdade absolutamente alguma, não há aqui negociação absolutamente nenhuma; há uma parte que determina e há outra parte que obedece ou, então, anda para a frente, neste caso concreto para fora.
Sr.ª Ministra, é por tudo isto que julgo que a Sr.ª Ministra tem muitas respostas a dar relativamente a este diploma.

2ª Intervenção
Sr. Presidente: Muito rapidamente, registo que a Sr.ª Ministra não foi capaz de dar aqui algumas respostas; não foi capaz de dizer que outro regime vigorará após os cinco anos deste regime transitório para os mais idosos, para as pessoas com deficiência e para os mais carenciados; não foi capaz de dizer que estas pessoas não serão despejadas no final destes cinco anos. Portanto, não temos qualquer garantia sobre o regime que vai surgir depois desse período dos cinco anos.
A Sr.ª Ministra não foi capaz de dizer aqui que perspetiva, que estimativa tem relativamente às 700 000 casas vazias, aos 700 000 fogos devolutos que existem.
A Sr.ª Ministra não foi capaz de referir qual é a expectativa que tem sobre as consequências desta lei ou como é que ela se vai fazer refletir em rendas não especulativas. Também não o podia dizer, porque não vai acontecer!
Na letra desta proposta de lei, há um conjunto de questões que nos remetem claramente, e julgo que legitimamente, para a qualificação desta lei como uma lei do alargamento do despejo. Mesmo que a Sr.ª Ministra não goste deste qualificativo, na verdade é aquilo que acontece!
Embaratece-o e, por outro lado, facilita-o nos prazos, nas formas, etc.
Ou seja, a Sr.ª Ministra e este Governo tomaram uma posição muito clara: na lógica do arrendamento, temos duas partes e nós vamos atribuir o poder absoluto a uma das partes, a quem detém o imóvel, e não vamos atribuir poder absolutamente nenhum aos inquilinos. Tomaram uma opção. Julgo é que têm de assumir a opção que tomaram!
Por outro lado, mesmo se o Governo tivesse intenção de apresentar esta proposta de lei mais tarde, algumas questões mereceriam críticas da nossa parte, mas, Sr.ª Ministra, apresentar esta proposta de lei neste momento considero que é de uma crueldade, de uma insensibilidade social — julgo que posso mesmo dizê-lo — sem precedentes!
Quando a Sr.ª Ministra não foi capaz de dizer que tem consciência — porque tem, de certeza absoluta — de que esta proposta de lei, se transformada em lei, vai levar muitas pessoas, por incapacidade de pagar rendas exorbitantes, para a rua — porque vai, Sr.ª Ministra! —; quando a Sr.ª Ministra estipula, nesta proposta de lei, que atrasos no pagamento das rendas em dois meses ou atrasos no pagamento por oito dias, quatro vezes num ano, poderão levar as pessoas para a rua; quando a Sr.ª Ministra sabe que o desemprego está a engrossar brutalmente, que as pessoas estão a ficar perfeitamente estranguladas nos seus orçamentos familiares e que há meses em que algumas coisas essenciais têm que falhar — às vezes, falha na saúde, outras vezes, falha na educação, outras vezes, falha na habitação —, porque as pessoas não sabem mais onde se agarrar, não sabem mais como esticar os seus orçamentos, o facto de apresentar, neste momento, uma lei com esta crueldade julgo que dá a resposta para o qualificativo deste Governo, que nem vou dizer agora para não ofender ninguém.

 

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