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27/02/2013 |
Regime jurídico do arrendamento urbano |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Regime jurídico do arrendamento urbano
- Assembleia da República, 27 de Fevereiro de 2013 –
1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na linha da ofensiva que o Governo tem vindo a fazer aos direitos dos portugueses, alguns deles até com relevância constitucional, como é o caso do direito à habitação, o Governo procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano.
Com este novo regime, de facto, a lei do arrendamento deixou de ser a lei do arrendamento e passou a ser a lei dos despejos, porque este novo regime pouco mais visa do que permitir o despejo sumário de milhares de famílias das suas habitações.
O Governo, ignorando tudo aquilo que tem vindo a fazer às famílias portuguesas, no sentido de lhes diminuir os seus rendimentos, ainda vem provocar substanciais aumentos nos valores das rendas, sobretudo àquelas pessoas cujos contratos de arrendamento são anteriores a 1990. E não é difícil perceber que a preocupação do Governo com este novo regime não foi, nem é, a concretização do direito à habitação e à qualidade de vida das pessoas; o que o Governo pretende é servir os interesses ligados aos mercados imobiliários.
O que o Governo fez foi substituir os mecanismos de atualização faseada e controlada do valor das rendas por aquilo a que o Governo intitula de «negociação entre inquilino e senhorio», atribuindo ao senhorio a faculdade de aumentar livremente o valor das rendas bem como para despejar o inquilino, sem mais, caso este não consiga dar resposta ao valor da renda imposta pelo senhorio, que o Governo chama de «negociado».
Portanto, estamos perante a mais completa liberalização das rendas. O Governo, o PSD e o CDS referiram que há exceções nalguns casos, como por exemplo: inquilinos com 65 ou mais anos; deficientes com grau de incapacidade de 60% ou inquilinos com rendimentos inferiores a cinco salários mínimos nacionais. Mas convém dizer — porque o PSD esqueceu-se de o fazer — que esta exceção tem natureza provisória, porque passados cinco anos, que é o período de transição, as rendas são liberalizadas como as outras.
Então, depois desses cinco anos, as pessoas que hoje têm 65 anos ficam mais novas? As pessoas com deficiência daqui por cinco anos vão reduzir as suas incapacidades? Daqui por cinco anos não vai haver pessoas a viver com rendimentos inferiores a cinco salários mínimos nacionais? Depois desses cinco anos, depois do período transitório, de que forma é que as pessoas podem contar com o Estado? Não contam! E não contam porque o Governo e a maioria que o suporta — PSD e CDS — continua a deixar as pessoas para trás!
E mesmo dentro deste período de transição, estas pessoas estão sujeitas a aumentos, era bom que isto ficasse claro. É certo que há limites máximos, mas muitas pessoas idosas, deficientes ou com rendimentos baixos, mesmo assim, não conseguem fazer face a esses aumentos, sobretudo na situação em que vivemos, sobretudo tendo presente o universo de cortes e restrições que este Governo tem vindo a impor às famílias e cujo caminho tem sido o empobrecimento geral, como todos sabem.
As pessoas que não conseguem fazer face a esses brutais aumentos, o que podem esperar do Estado? Nada. Que respostas sociais? Nenhumas!
É, pois, mais do que evidente que a conversa do Governo e dos partidos da maioria, de que os inquilinos mais idosos, as pessoas com deficiência e as pessoas com mais dificuldades do ponto de vista económico estão protegidos por este novo regime, é conversa fiada. E é conversa fiada tanto durante os cinco anos do período de transição como depois desse período, porque num caso e noutro as rendas representam valores que são incomportáveis para muitas pessoas.
Adivinham-se, assim, muitas situações de atraso no pagamento das rendas ou, até mesmo, impossibilidade objetiva do pagamento desses valores por parte de muitas famílias e o resultado também se adivinha: despejo imediato!
É assim que o Governo resolve os problemas das pessoas, e depois ainda vem dizer que com este Governo ninguém fica para trás. Pois não, o Governo resolve os problemas dos senhorios e os inquilinos que se amanhem! Isto é uma vergonha a somar a tantas outras que o Governo tem vindo a fazer às famílias portuguesas, só que, desta vez, trata-se do direito à habitação com a importância que ele reveste para as pessoas.
Bem sabemos que para o Governo isto pouco representa, pouco interessa. Se as pessoas não têm dinheiro para pagar as rendas, vão viver para debaixo da ponte, pois para o Governo é indiferente.
É esta a linha orientadora do Governo neste como noutros processos.
Portanto, face à injustiça social que esta lei representa para Os Verdes, nós acompanhamos o Partido Comunista Português nos seus objetivos quanto à revogação desta lei, pelo que votaremos a favor.
2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Prôa, disse várias vezes que esta lei protegia os mais vulneráveis. Lembro-lhe que a anterior lei, no seu artigo 46.º, previa um subsídio de renda para agregados familiares com rendimentos inferiores a três salários mínimos, para inquilinos com 65 ou mais anos de idade e também com rendimento inferior a cinco salários mínimos.
Ora, olho para a lei atual, que o Sr. Deputado diz proteger os mais desfavorecidos, fixo-me no artigo 46.º, com a epígrafe «Subsídio de renda», e o que vejo? Revogado. Está revogado! Vocês revogaram este artigo, Sr. Deputado! E ainda vem dizer que a lei protege os mais vulneráveis?!
Isso só dito por brincadeira; só dito por reserva mental!
Sr. Deputado, o subsídio de renda é para esquecer. Poderá vir um dia…, não se sabe quando.
Quanto ao regime de exceção, já aqui foi dito várias vezes que tem natureza provisória. Isto é, depois de passados os cinco anos, a renda passa a ser tratada como todas as outras. Não há respostas sociais, depois desses cinco anos.
Até parece que, depois desses cinco anos, as pessoas ficam com menos de 65 anos de idade, até com menos incapacidade ou a ganhar mais do que cinco salários mínimos nacionais. Não é isso que se vai passar!
Mas, mesmo dentro destes cinco anos, há muitas famílias que não vão aguentar os aumentos que a lei atualmente permite.
O que penso é que confiar o arrendamento urbano, porque foi isso que o Governo fez, ao mercado totalmente liberalizado é fomentar as injustiças sociais e apenas responde a uma encomenda do sector imobiliário, mas é também a completa desresponsabilização do Estado nesta matéria. O Estado volta a «sair de cena»!
Sr. Deputado, na semana passada, chegaram notícias de que na Galiza os bombeiros se recusaram a arrombar portas para que a polícia não procedesse ao despejo de pessoas com 80 anos. Face às injustiças que esta lei vai trazer, o Sr. Deputado não receia que isto possa vir a acontecer no nosso País? O Sr. Deputado não receia que os bombeiros, em vez de arrombarem as portas, se sentem e pacificamente comecem a cantar a Grândola?