|
16/05/2007 |
Regime jurídico do divórcio |
|
Intervenção do Deputado Álvaro Saraiva sobre o regime jurídico do divórcio,
Assembleia da República, 16 de Maio de 2007
Sr. Presidente, Sras. E Srs. Deputados,
Há quem case a acreditar na frase “para todo o sempre”. Quem case a pensar que “se não der não dá”. E quem veja no divórcio a “solução de um erro”.
Num momento em que os números nos dizem que cada vez mais se realizam divórcios e menos casamentos, o Projecto de Lei agora discussão leva-nos a reflectir sobre o assunto, assunto esse de extrema sensibilidade.
Para existir divórcio antes de tudo tem que haver casamento, segundo (o art. 1577 do código civil na redacção do Dec. Lei 496//77 de 25 de Novembro) o casamento é um contrato entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida.
Actualmente e de acordo com a legislação portuguesa, o divórcio pode ser obtido por duas vias:
a)Por mútuo consentimento
pode ser requerido por ambos os conjugues, de comum acordo (no tribunal ou na conservatória do registo civil). Os conjugues não necessitam de revelar a causa do divórcio assim como fica definida a prestação de alimentos ao conjugue que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores, entre outras.
b)Litigioso
pode ser requerido por um dos conjugues (sempre em tribunal) desde que se alicerce nalgum dos fundamentos previstos no art.. 1779º(Código Civil). Assim, o conjugue tem de explicitar a causa do divórcio, dado que é condição necessária a violação culposa de algum dos deveres conjugais.
Também pode ser requerido o divórcio litigioso com base na separação de facto (por três anos consecutivos), mas mesmo neste caso o tribunal deve declarar a culpa dos conjugues, quando a haja.
Além disso, para se divorciar sem o acordo do outro conjugue, tem de se aguardar três anos (no limbo do casamento) caso não exista, ou não se queira inventar, a tal violação culposa dos deveres conjugais.
Na década de 70 os divórcios litigiosos eram maioritários em relação aos de mútuo consentimento, situação que se foi invertendo com o decorrer dos anos. Já em 2005 dos 22853 divórcios registados, 21380 foram de mútuo consentimento e 1453 litigiosos.
Alguns dos presentes estarão neste momento a questionar-se, então para quê avançar com este Projecto de Lei, se os números nos dizem que os divórcios litigiosos estão a diminuir.
Somos da opinião que mesmo assim, é importante e mais que não seja serve para despertar consciências e reflectir sobre o drama que é um divórcio. Esta proposta vem permitir que um dos conjugues possa pedir o divórcio, sem o consentimento do outro.
É mais uma machadada na instituição “família”, dirão uns. A verdade é que se a manifestação da vontade é importante aquando do casamento, ela também deverá relevar quando já não existem condições para continuar o casamento e o divórcio aparece como uma última solução, sempre dolorosa e à qual não se adere de ânimo leve.
No fundo, se aquelas duas vontades se conjugaram para o casamento será legitimo que, quando uma delas deixar de existir, se possa pôr termo a uma relação que se tornou inviável.
Hoje não faz sentido acorrentar uma pessoa a outra quando uma delas deixou de sentir vontade de permanecer. No entanto, há que reconhecer que enfrentar o divórcio é sempre uma situação difícil, mesmo quando há mútuo acordo e as relações entre o casal são as melhores possíveis.
É importante que no meio de todo este processo se salvaguarde e se proteja os filhos do casal, essencialmente quando estes são menores.
Trata-se de um processo que implica uma reestruturação da vida de todos os envolvidos e a mudança, mesmo quando desejada, pode ser aterradora.
Estamos, afinal perante uma realidade familiar em transformação. Actualmente a família é encarada como uma comunidade emocional e afectiva com base no amor, o que torna o casamento mais vulnerável à dissolução comparativamente à concepção que dele se tinha antes.
Numa sociedade em que tudo é imediato e efémero, também o casamento tende a sê-lo. As ideias de partilha, de solidariedade e de tolerância são relegadas para um plano secundário num modelo de vida que escolhe em primeiro lugar a satisfação material e a satisfação individual.
Se o casamento não consegue concretizar o sonho que lhe deu origem acaba por morrer, ainda que um dos elementos do casal continue a acreditar nessa concretização.