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28/06/2007
regime jurídico do ensino superior
Intervenção do Deputado Francisco Madeira Lopes, sobre o regime jurídico do ensino superior,
Assembleia da República, 28 de Junho de 2007


Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sras. e Srs. Deputados

A presente proposta de lei que o Governo ousa apresentar à Assembleia da República é o exemplo mais acabado da intenção mais que declarada de submeter o Ensino Superior Público por completo ao poder económico, às lógicas de mercado e do lucro, ao mesmo tempo que dá mais um passo, de gigante desta feita, no sentido da promoção da desresponsabilização do Estado da nobre e fundamental tarefa de garantir um dos mais importantes direitos, o direito à educação, nos termos em que a nossa Constituição o consagra.

O terreno vem sendo preparado há muito tempo, por sucessivos Governos, com brutais cortes orçamentais e uma gestão do ensino superior público assente em cativação de receitas e limitações no uso dos saldos de gerência, com a precarização dos vínculos laborais e a recusa em resolver a inconstitucionalidade que é a ausência de subsídio de desemprego para os docentes do superior, apresentando-se depois a solução para o estrangulamento financeiro, provocado pelo próprio Governo, embrulhada em papel de celofane seja sob a forma de aumento de comparticipações das famílias em passados e futuros aumentos de propinas ou cortes na acção social, ou agora com a solução das fundações e dos financiamentos plurianuais.

Sob a capa da necessidade de se responsabilizar as Universidades e Politécnicos, o que se faz de facto é apenas desresponsabilizar o Governo numa marcha que só conhece um destino: a privatização do ensino superior e a sua consequente elitização e destruição do sistema de ensino público democrático de Abril, que promova a igualdade de oportunidades, que combata o insucesso e o abandono escolares, que promova a livre investigação e transmissão de conhecimentos, a criação e o pensamento.

Primeiro lançam as Universidades e Politécnicos para o precipício da falta de meios, da falta de real autonomia que implica a existência dos suficientes meios financeiros para poderem cumprir a sua insubstituível missão, e depois oferecem-lhes uma corda a que se agarrarem para não caírem, mas sob a condição de a segurarem com o pescoço.

 

 

É desde logo reveladora a pouca participação com que contou esta proposta do Governo, quer da parte de representantes das comunidades do Ensino Superior, o Conselho de Reitores das Universidade Portuguesas, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, as Associações de Estudantes (aliás aproveitamos para saudar os estudantes que se reuniram ontem aqui em frente à Assembleia onde realizaram uma vigília em protesto contra esta reforma), o próprio Conselho Nacional de Educação, deixando estes e todo o país à margem de uma ampla discussão e ponderação que deveria ter antecedido uma proposta como esta que realiza uma alteração profunda substituindo 4 diplomas existentes por um normativo que fazendo tábua rasa da realidade portuguesa, da história e da especificidade não só das instituições mas do país.

Claro que o Governo diz que não, não é verdade. Nós ouvimos essas entidades, no que só acreditará que é possível ouvir qualquer órgão, de forma séria, para mais órgãos plurais e heterogéneos, como o CRUP ou o CCISP, acerca de um diploma desta dimensão e com esta importância, composto por 180 artigos, em apenas seis dias úteis! Isto não é sério! Esta presa e esta urgência não são sérias, não beneficiam qualquer reforma.

Nesta reforma, o Reitor nas Universidades e o Presidente nos Politécnicos deixam de ser eleitos o que significa não apenas um completo desrespeito pelo princípio da escola democrática e pelo Direito constitucional de Participação Democrática no Ensino, como representará, consequentemente, um óbvio retrocesso em termos da legitimidade e representatividade daquele que precisamente deveria e deve ser o representante de toda a Instituição a qual não é composta apenas pelos órgãos de gestão ou pelas suas unidades orgânicas, muito mais que isso é composta por docentes, estudantes e pessoal não docente, pessoas, cidadãs e cidadãos que constroem saber, conhecimento e inovação não apenas para si e para a comunidade escolar mas para toda a sociedade.

Por outro lado esta PPL, para além de representar um ataque sem precedentes à autonomia pedagógica e científica das Instituições, apresenta um gravíssimo perigo de originar a fragmentação das Instituições do ensino superior através do processo de autonomização ou desagregação de algumas das suas unidades, naturalmente aquelas que pelo seu potencial de mercado se mostrarem mais apetecíveis pelo capital, deixando para as instituições todo o resto, que assim quedam não apenas amputadas de parte importante de um corpo coerente, como terão que suportar em termos de financiamento aquelas áreas que apenas por não serem de imediato vendáveis passarão a ser tratadas como os parentes pobres do sistema, aquelas áreas pouco importantes ligadas às humanidades e às ciências sociais. O Governo pretende assim operar a chamada venda a retalho do Ensino Superior Público, operando simultaneamente o seu empobrecimento e o da sociedade e da educação e formação de cidadãos críticos e intervenientes.

 

Esta reforma do Governo implicará, ainda, no imediato, uma obrigatoriedade de reformulação de todas as Instituições do Ensino Superior, que obrigará à substituição de todos os Reitores ou presidentes actualmente em exercício independentemente de se encontrarem em final, a meio ou no princípio do seu mandato o que representa só por si um enorme desrespeito pela autonomia e democracia no Ensino Superior, pelos mandatários em exercício e pelo seu programa e pelos próprios mandantes, os eleitores do colégio universitário ou politécnico.

Mas vai mais além.

Acabam com os Senados Universitários enquanto órgãos com um poder efectivo na gestão académica e criam órgãos de direcção e gestão das Instituições, como o Conselho Geral, em que não estão obrigatoriamente presentes representantes de um dos três corpos que compõem a comunidade universitária, os não docentes, que só poderão estar presentes às custas de perda de representantes dos discentes, os quais, em conjunto, nunca poderão mais do que 16%, enquanto obriga à entrada de empresas e outras entidades com fins estranhos à missão das Instituições, procurando instrumentalizá-las ao serviço do mercado e do lucro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Com este PPL o Governa opera uma vergonhosa desresponsabilização do Ensino Superior e prepara a desmantelação do estado Social agora nesta área prevendo expressamente a possibilidade de transformação das Instituições em Fundações de direito privado e da sua futura possível entrega por completo ao poder económico colocando assim em causa a própria soberania nacional, o desenvolvimento sustentável e o futuro, que dependem em última instância das opções que se fizerem na área da educação.

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