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29/02/2008
Relatório de pobreza infantil
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia Sobre relatório pobreza (infantil)
28 de Fevereiro de 2008

 

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

A Comissão Europeia lançou o relatório conjunto de 2008 sobre a protecção e a inclusão sociais, o qual será discutido amanhã no Conselho de Ministros do Emprego e Segurança. Os dados são, mais uma vez, profundamente preocupantes no que se refere a Portugal.

O nosso país está entre os Estados da União Europeia que têm níveis mais elevados de pobreza, designadamente entre as crianças. Vinte e quatro por centro das crianças em Portugal estão em risco de pobreza. Refere o relatório que as crianças estão mais expostas à pobreza do que o resto da população. E pobreza, Srs. Deputados, é algo tão revoltante quanto uma situação de privação de necessidades básicas, gerada por falta de recursos. Mais, afirma o relatório, que esta situação se tem agravado no país.

Estas crianças nascem na pobreza, vivem na pobreza, nunca conheceram outra forma de vida e tenderão a engrossar os números da pobreza duradoura – reproduzirão os modelos de interesses e de vivências familiares. A pergunta que se impõe é: afinal qual é a responsabilidade desta Assembleia sobre esta realidade que envergonha o país?

Dirão alguns, provavelmente, que este relatório, embora de 2008 se refere a dados de 2005. É bem verdade que assim é. Mas, primeiro, é um ponto de partida preocupante que tem, necessariamente, de ser tido em conta nas opções políticas que se tomam hoje; em segundo lugar, temos razões objectivas para entender, como o fazem vários especialistas na matéria, que a situação se agravou nos últimos anos.

Com efeito, em 2004 e em 2005 tínhamos taxas de desemprego inferiores às que temos hoje e até tínhamos um registo de aumento da taxa de emprego global. Hoje temos mais desempregados e consequentemente mais pessoas impedidas de auferir recursos que lhes permitam uma vida digna.

Mas o desemprego, como todos já sabemos, não é a única situação que gera ausência ou insuficiência de recursos. O relatório é bem claro quando analisa a exposição ao risco de pobreza de crianças filhas de pais trabalhadores. Conclui mesmo que Portugal está entre os dois países da União que têm níveis muito elevados de pobreza entre os trabalhadores, alastrada consequentemente às suas famílias. Em Portugal, estar empregado, até a tempo inteiro, não evita, pois, a pobreza.

É por isso, na perspectiva dos Verdes, por demais importante, Sr. Presidente e Srs. Deputados, denunciar que, enquanto não formos ao cerne da questão, pouco ou nada se alterará efectivamente nos riscos de pobreza do país. E o cerne da questão é o acesso ao trabalho com remuneração que permita às pessoas ter acesso a condições básicas de vida. Ora, o Governo tem aqui feito a sua opção de política anti-social – manter uma política de baixos salários a todo o custo para a generalidade da camada trabalhadora, em nome de uma competitividade que gera pobreza.

O Governo, pese embora já ter declarado que fechou a torneira em relação a novas prestações sociais, pode criar mil remendos, mil subsídios para dar aos mais pobres, pode inventar mil apoios, mas o que sabemos é que eles nunca, mas nunca, abrangerão a totalidade daqueles que verdadeiramente deles precisam e serão sempre insuficientes para retirar uma família da pobreza. Mas, já agora, os subsídios criados por este Governo, têm algumas particularidades que importa denunciar, tais como processos altamente burocráticos para dificultar o acesso a esses mesmos apoios, e também atrasos de pagamento, como denunciou o Provedor de Justiça em relação ao rendimento social de inserção e à educação especial. Aqui o Governo não aplica o simplex!

E temos razões objectivas para acreditar que a tendência em relação aos números de pobreza não se alteraram desde 2005, também porque a precarização do emprego tem aumentado substancialmente no nosso país.

Não deixa de ser curioso observar declarações do Ministro Vieira da Silva, onde afirma que é preciso “combater os níveis de precariedade que são inaceitáveis”. O problema não reside no que o ministro disse, mas sim no que o Ministro e todo o Governo faz, ou seja alargar os níveis de precariedade. Conforme dados do INE, a criação líquida de emprego em 2007 foi exclusivamente feita através de contratos a prazo. E em 2008 a tendência é idêntica. Por exemplo, a situação dos trabalhadores da Gestnave desmascara também os verdadeiros interesses deste Governo. Repare-se bem: a Lisnave estava obrigada a integrar os trabalhadores da Gestnave os seus quadros, o Governo PSD/PP deu o pontapé de saída para o encerramento da empresa e agora o Governo PS acabou o cozinhado, emitindo um despacho que condena aqueles trabalhadores ao desemprego, ou, apenas uma parte, ao trabalho precário. Ou seja, trabalhadores a quem foi assegurada a manutenção de trabalho, com direitos, estão agora, em 2008, sob a ameaça do desemprego ou da precariedade. É assim que se combate ou afinal que se agrava o tipo de trabalho que gera pobreza?

Enquanto isso, os grandes grupos económicos e financeiros vão gerando lucros de montantes inimagináveis, para a generalidade dos portugueses, de tão elevados que são.

São estas verdades que desfazem a propaganda de políticas sociais do Governo. O Governo, dito socialista, governa também para a concentração da riqueza, para a injusta repartição de recursos, com remendos de políticas sociais que não combatem estruturalmente o problema da pobreza no país.

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